O chapéu de Melania
O mercado impõe seus produtos como lhe convém, embalados com sedutoras mensagens, muitas para não ler. A leitura adequada dos ingredientes impediria muitas vezes a mentira e o perigo do consumo. Assim é com as mercadorias, o mesmo com os personagens olimpianos que conduzem nossas vidas”
Não foram os primeiros atos assombrosos de Donald que chamaram a atenção. Foi a sorumbática presença de sua mulher, Melania, debaixo de misterioso chapéu. Alguns a chamaram de Zorro, outros exaltaram a imponente figura. Uma esfinge acompanhava o poderoso ao tomar posse. Estaria ela contrariada? Seria apenas um robô presenteado pelos amigos das bigtechs, no lugar de quem não queria lá estar? Ou, meu Deus, seria simplesmente um replicante, alienígena travestido de primeira dama do mundo?
Além da moda que a cobria, surgiram inúmeras interpretações. O que estaria a dizer com sua indumentária? Sim, o corpo fala, a moda expressa além das palavras. Não se via os olhos de Melania debaixo de seu indeclinável chapéu, que impediu um terno beijo do marido em suas bochechas. “Foi um beijo bluetooth”, riram alguns.
Quis a personagem impor poder aos súditos? Ou posar de rainha? Ou ainda demonstrar luto, apequenada no recôndito de sua muda dor por estar ali? Ou apenas a moça quis causar, chamar mais atenção do que o homem do topete desta vez mais contido?
A estética, como os gestos, tem expressão própria e isso nos basta neste tempo de cultura do efêmero, a aparência da embalagem mais importante que o produto. Se você duvida, basta refletir se tem o hábito de ler o que está escrito nos invólucros, por exemplo, da esponja de lavar louça. Se ler verá que aquela amarela é para limpeza profunda, e risca o talher. A esponja suave, para utensílios, é a azul.
O mercado impõe seus produtos como lhe convém, embalados com sedutoras mensagens, muitas para não ler. A leitura adequada dos ingredientes impediria muitas vezes a mentira e o perigo do consumo. Assim é com as mercadorias, o mesmo com os personagens olimpianos que conduzem nossas vidas.
O olhar atento desfaz a ilusão das palavras. A simples expressão dos olhos pode denunciar o impostor. Vale para o amor como para a política, afinal o corpo fala sim!
Mas não é tão fácil decifrar enigmas quando diante de algumas expressões e gestos. No mesmo dia de Melania pipocar tantas interpretações, outro conviva à posse tirou da primeira dama a primazia do mistério e da dúvida. Empolgado com a festa, o excêntrico Elon Musk fez esparramado discurso culminando com acalorado gesto. Esticando o braço, como quem quer alcançar as estrelas de modo viril, pareceu para muitos uma saudação nazista.
Pois é, foi sem dúvida um dia cheio de surpresas e muita concorrência. Afinal, um simples chapéu e um gesto polêmico apagaram a atenção ao que anunciou o topetudo, num festival de assombros.