O instigante desafio de superar limites
O drama do submersível Titan reflete o paradoxo dos limites na vida. A sanha de rompê-los nos dá asas para voar. E nos enterra nas profundezas do mar.
A existência tem limites. Historicamente, graças a essa sanha, chegamos até aqui. Fomos homens e mulheres fascinados a desafiar os mares, a ciência, o universo. Mais recentemente, a tecnologia. Não há outra explicação para os sonhos e esforços de tanta gente lançando-se em canoas e caravelas além-mar. Dedicando a vida a pesquisar e descobrir antídotos a tantas doenças. E literalmente aprendendo a voar.
O que nos atiça pode nos matar. Ações com repercussão coletiva nos indicam que, às vezes, algo deve parar. A queima fóssil desenfreada, graças e desde a descoberta do fogo, ameaça a humanidade neste planeta. Prevê-se um aquecimento com picos superiores ao 1,5 grau estabelecido como limite ao nosso conforto. Estudos anteveem imensas ondas de calor nos próximos cinco anos, fora algumas catástrofes ambientais às quais tristemente vamos nos acostumando.
A consciência coletiva alerta. Há limites para o sonho e isso se aplica a ensaios de criação de humanos, ao metaverso e ao ChatGPT. A inventividade permite ultrapassar os limites. A prudência recomenda refrear o ímpeto que muitos inebria.
Os limites são o paradoxo de ora querermos romper, ora precisarmos parar. Não somos todos que queremos voar em desafio à vida. Há quem nunca deseje ir além e se contente com os estreitos e por vezes banais limites de sua existência.
Mas outros, ao contrário, inebriados pelo mistério, pela adrenalina ou pelo sonho, querem e vão além, transformando suas vidas individuais em uma intensa fantasia.
O submersível Titan é exemplo dos meios que se criam para viabilizar o desejo. Não importa que tantos sucumbiram no mar. Há espíritos que escolhem desafiar saltando do penhasco, viajando ao espaço ou despencando a 3.800 metros no fundo do mar.
Que fascínio causa o nefasto Titanic, que continua matando vidas e sonhos. Não bastassem as 1.500 mortes no trágico acidente, persiste quem nele queira estar, nem que seja através de uma escotilha, só pela emoção de vislumbrar aquela carcaça que foi, um dia, a superação de limite ao seu construtor.
Penso no desespero fatal dessas cinco vidas, a demonstrar o sincretismo do real com a ficção, tantos que já se sufocaram confinados em naves nas produções cinematográficas mas, também, por infelicidade, na concretude da realidade.
Pelo noticiário vê-se que, neste caso, não eram pesquisas no Titanic que pudessem aprimorar os novos navios, tampouco o resgate da trágica história. Mas apenas o lancinante prazer de, com quase exclusividade e mediante milionário custo, viver a aventura de um turismo que ceifou a vida.
O código da existência nos impõe regras. Mas não impede de alguns desejarem determinar seu próprio destino. São espíritos inquietos, às vezes tristemente surpreendidos no fundo do oceano por uma catastrófica implosão dos seus sonhos nas profundezas do mar.