Oppenheimer – Ciência e arrependimento – parte I
O filme “De volta ao Planeta dos Macacos” (EUA, 1970), segundo da série, mostra um grupo remanescente de humanos, que vivem em subterrâneos e adoram uma bomba nuclear capaz de destruir a terra.
Ela seria – como foi, no filme – o último estágio da estupidez humana.
Mas quem e por que a teria criado um artefato capaz de tão terrível e definitivo objetivo?
O estudo da radioatividade e seus empregos é relativamente recente.
Merecem destaque Marie Curie, que cunhou o termo radioatividade (1902); e Enrico Fermi, responsável pela primeira reação nuclear autossustentada em cadeia (1942).
Graças a esses dois cientistas, o uso terapêutico e energético de materiais radioativos ficou disponível para a humanidade, ao mesmo tempo em que, talvez inconscientemente, abriram uma nova “caixa de Pandora”. Isso porque alguns cientistas, na ânsia de provar sua capacidade, superar obstáculos e provar teses próprias ou propostas, tendem a ser inconsequentes ou terem suas descobertas desvirtuadas.
O filme “Oppenheimer” (EUA, 2023) conta a história do físico responsável pelo Projeto Manhattan, que criou as primeiras bombas atômicas. Por conta desse pioneirismo, que levou à destruição de Hiroshima e Nagasaki, Julius Robert Oppenheimer passou de cientista bem sucedido ao homem que abriu a “caixa”, gerando, sem saber, uma corrida em busca do apocalipse nuclear.
No entanto, poucos lembram que Einstein, Fermi, Bohr e outros cientistas exortaram os EUA a competirem com a Alemanha Nazista, na busca por armamentos nucleares. O Projeto Manhattan foi uma consequência dessa exortação, e o início de uma escalada assimétrica sem precedentes.
A teoria estava pronta, mas a prática envolvia uma série de incertezas. A única certeza, já conhecida pelo uso terapêutico da radiação, era seu potencial cancerígeno: dependendo da dosagem, o que cura também pode matar! Os primeiros radiologistas que o digam.
O teste da primeira bomba nuclear ocorreu em 16 de julho de 1945, em Alamogordo, no Novo México, após três anos de desenvolvimento. A Alemanha havia se rendido em 7 maio, mais de um mês antes, portanto.
Os EUA teriam usado a bomba contra a Alemanha? Não creio, pois muita coisa seria destruída, além do III Reich. Toda a tecnologia e produção científica alemã, por exemplo, que já era alvo da curiosidade e do desejo dos Aliados.
No mais, parece difícil que, em algum momento, qualquer um dos antagonistas utilizasse esse tipo de artefato na Europa, o que não impediu de despejarem milhares de toneladas de bombas uns nos outros. Mais de 18 mil toneladas de bombas foram lançadas sobre Londres, durante o conflito. Em apenas 25 minutos, 1,8 mil toneladas de bombas foram lançadas em Dresden, na Alemanha. Mas ainda era destruição sem radioatividade.
A União Soviética, aliada oportuna, já havia se tornado uma superpotência militar, em parte com a ajuda de EUA e Inglaterra, que lhe deram suporte para enfrentar a ofensiva alemã no front oriental. Dividir as forças nazistas em dois fronts, contando com o apoio do “General Inverno” – que já havia derrotado Napoleão, mais de um século antes – foi crucial para derrotar os alemães e seus aliados.
Antes uma ameaça ao Ocidente, por conta do expansionismo comunista, a URSS mereceu até superproduções hollywoodianas, para mudar a má imagem dos soviéticos no Ocidente.
A União Soviética esteve a pique de ser derrotada pelos alemães. Com problemas logísticos, no Oriente, deteve o expansionismo do Japão, que ainda lutava contra EUA, Inglaterra e seus aliados. Com isso, foi possível transferir tropas soviéticas para o front ocidental, quando Moscou já estava prestes a cair.
E o Japão ainda exigia uma retaliação, em função do ataque a Pearl Harbor e de todas as atrocidades cometidas na China, na Coreia, nas Filipinas e em colônias britânicas do Pacífico e Extremo Oriente.
Oppenheimer e equipe já haviam testado a bomba com sucesso, mas ainda não existiam satélites-espiões, transmissões de TV via satélite ou outro meio de comunicação que permitisse aos japoneses tomarem conhecimento do que os aguardava. O fanatismo e a propaganda também contribuíram para essa ignorância.
As forças japonesas já estavam quase lutando corpo a corpo, seguindo sua milenar disciplina e dedicação incondicional ao Imperador, considerado um deus. Os kamikazes já haviam comprovado essa obstinação condicionada.
Os EUA estimaram que invadir as principais ilhas do arquipélago nipônico custaria ainda milhões de vidas.
Assim uma série de fatores contribuiu para que as duas bombas disponíveis fossem lançadas no Japão: forçar uma rendição incondicional dos japoneses; evitar que a URSS voltasse seu poderio militar para o Japão, ampliando sua esfera de poder no pós-guerra; não permitir mais mortes de soldados americanos, já cansados de guerra; e testar, na prática, o poder desse novo armamento.
A Conferência de Yalta, realizada em fevereiro de 1945, e o Acordo de Potsdam, de 17 de julho do mesmo ano, já haviam definido a divisão do mundo no pós-guerra, com os principais virtuais vitoriosos: EUA, Inglaterra e URSS já haviam dividido o mundo entre si. A partir de Potsdam, também foi enviado um ultimato ao Japão.
Já havia negociações na tentativa de uma rendição honrosa. Mas os Aliados exigiam rendição incondicional!
Em 06 de agosto de 1945 foi lançada a primeira bomba, de urânio 235 – ironicamente apelidada de Little Boy -, sobre Hiroshima.
Em tese, o impacto dessa explosão poderia ter sido suficiente para provocar a rendição, mas as notícias demoravam a correr e os líderes japoneses talvez não tenham entendido bem o que havia acontecido.
Não se sabe se para acelerar a tomada de decisão do governo japonês, ou para testar a segunda bomba, a Fat Man, de plutônio, novo ataque ocorreu em Nagasaki, em 09 de agosto.
Centenas de milhares de mortos e terra arrasada pelo calor de “mil sóis”.
Ocorre que os militares precisavam entender no que isso afetaria suas tropas, no caso de uma guerra nuclear; e os cientistas queriam entender a extensão do que haviam criado. Assim, os testes seguintes dos EUA, já em tempos de Guerra Fria, envolveram a exposição de soldados à radioatividade pós-explosões na atmosfera, para avaliar seus efeitos no corpo humano. Só os soldados não sabiam dos riscos envolvidos. Apenas cumpriram ordens, sem saber que eram apenas cobaias. Muitos deles morreram de câncer, outros ficaram estéreis.
As filmagens do filme “Sangue de Bárbaros” (EUA, 1956) foram feitas em locação no deserto de Utah, cerca de 200 km distante de onde haviam sido feitas algumas explosões nucleares na superfície, em Nevada, porque a produção considerou o cenário parecido com os desertos da Mongólia. Vários membros da equipe, inclusive Dick Powell, diretor, John Wayne e Susan Hayward, protagonistas, morreram de câncer.
Motivação dos EUA: obter a bomba atômica antes dos nazistas. Alguns dizem que os alemães já teriam condições de produzi-la, mas não o fizeram. E se produziram, não a utilizaram. E se foi encontrada pelos vencedores, isso foi acobertado.
Oppenheimer se arrependeu. Einstein também. Porém, isso não impediu que outros cientistas prosseguissem na pesquisa e produção de novos e cada vez mais destrutivos artefatos nucleares.
O desafio, agora, era evitar a hegemonia dos EUA, o que deu início à Guerra Fria e sua escalada assimétrica.
Não à toa, Washington tentou manter essa tecnologia como segredo de Estado. Tentou…