Reindustrialização e neoindustrialização
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) realizou, em 15/8/2023, a conferência “O powershoring e a neoindustrialização verde do Brasil”.
Acompanhei a totalidade do evento, que teve a presença do vice-presidente e atual ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, além de vários representantes de ministérios, órgãos internacionais, bancos de fomento, instituições de pesquisa e da iniciativa privada.
Um destaque de Alckmin foi a referência ao etanol como menos ambientalmente impactante do que baterias elétricas, considerando o processo de fabricação destas, reiterando o que já ouvi de outras fontes. Isso pode ter desagradado alguns dos debatedores, mas há espaço para todos, no cenário energético atual.
Os debates também confirmaram aquilo que é notório, mas que os que cobram rigor ambiental do Brasil parecem ignorar sistematicamente: a matriz energética do Brasil é a mais ambientalmente sustentada do mundo, majoritariamente obtida a partir de fontes renováveis, hidráulicas, eólicas e solar fotovoltaicas.
Um dos expositores alegou que nosso país dispõe de estabilidade regulatória e jurídica. Não sei em qual país ele está vivendo, tantas são as judicializações, questionamentos de licenciamentos ambientais e interpretações da legislação existente, além de outros problemas menos republicanos. Não à toa, o percentual de conclusão de obras públicas previstas em planos governamentais é inferior a 20%.
Há questões técnicas envolvidas, é fato, como projetos deficientes, por exemplo. Mas preocupa quando a solução é convidar quem sistematicamente entrava processos a participar de sua elaboração. Entraves que, não raro, têm impactos extremamente negativos, em múltiplos aspectos, mas pelos quais seus autores não são responsabilizados pelas consequências.
Alguém já disse que o custo do não fazer é muito maior do que o de fazer…
Mais dois termos estão sendo incorporados ao vocabulário da sustentabilidade: “powershoring” e “neoindustrialização”, somados a hidrogênio verde, entre outros. Todos se referem à produção industrial baseada em utilização de fontes energéticas de menor impacto ambiental, com destaque para as já mencionadas: eólica e solar fotovoltaica, que dependem de fatores climáticos e mecanismos de armazenamento.
O Nordeste teve destaque especial, por conta de, num curto espaço de tempo, ter se tornado a região com maior produção de energia a partir de vento e luz solar. A região se presta muito bem para tanto, de fato, o que também contribuiu para reduzir significativamente o risco de “apagões” no Nordeste e no Norte.
Considerando essa infraestrutura energética “limpa”, o Brasil estaria apto, no mínimo pelos próximos sete anos – período apontado como “janela” de oportunidade -, para atrair indústrias nacionais e multinacionais que teriam sua produção “verde”.
O interessante dessa condição, além da questão econômica e ambiental, seria a geração de milhares de empregos, que é o impacto social mais relevante, muito mais efetivo do que programas assistencialistas de cunho populista.
A China foi mencionada várias vezes como referência em industrialização e culpada pela dependência do mundo a sua produção industrial, pela desindustrialização que provocou alhures.
O evento teve transmissão com tradução em inglês e espanhol, mas, considerando as falas de alguns debatedores, nem precisaria, sobretudo quando o tema foi fontes de financiamento internacional. Fez sentido, pois o Brasil tem procurado esses meios, até como compensação pelas ostensivas cobranças ambientais que recebe.
No entanto, uma coisa parece ter ficado bastante clara em todos os painéis: a descarbonização deve ocorrer não pela compra de créditos de carbono – que, de certa forma, condena os países pobres e emergentes a tornarem-se “detergentes” de países ricos -, mas na descarbonização da produção, pela utilização de meios ambientalmente sustentáveis de geração de energia.
Outra clareza iluminou o potencial que o Brasil tem para sediar a produção de equipamentos voltados à neoindustrialização, com foco em exportações. Houve exortação a que as exportações de matérias-primas sejam substituídas pela produção de bens, aqui.
Infelizmente, há quem critique qualquer tipo de iniciativa, por mais sustentável que seja, sabe-se lá financiado por quem. Talvez alguém critique o simples fato do evento ter sido organizado pelo setor industrial, ignorando que, segundo consta, a cada emprego direto, a indústria gera quase o dobro de empregos indiretos.
Em suma, trata-se de substituir a hipocrisia de discursos panfletários, midiáticos e doutrinários, que escondem oportunismos, protecionismos, ignorância e responsabilidades históricas, por medidas efetivas para a mitigação de problemas.
Em meio a tantos debatedores qualificados, não poderiam faltar manifestações político-partidárias pós-eleitorais. Faz parte, até por ser cíclico.
O importante é que a soma das opiniões, propostas e planos apresentados podem e devem evoluir, não apenas como temas de futuros debates, mas incorporada a estratégias de Estado, com a participação da iniciativa privada e de todos os setores da sociedade.
Para tanto, é fundamental reavaliar os arcabouços jurídico, tributário e regulatório do Brasil, removendo, tanto quanto possível, o risco de interpretações, e entendendo que sustentabilidade é o equilíbrio entre aspectos econômicos, ambientais e sociais, independentemente de questões político-partidárias, ideológicas e predatórias.
Será uma forma de tornar o processo mais racional e menos passional ou pessoal, obrigando os intervenientes a terem uma visão holística e, tanto quanto possível, isenta e consequente.
Afinal, neoindustrialização, reindustrialização – ou qualquer outro termo relativo ao processo, existente ou a ser criado – suportadas por “powershoring”, “funding” baseado em “blended finance”, “e-bonds”, fundos soberanos e acordos de “offset”, só serão efetivas se o tempo for um fator relevante, associado à urgência dos discursos e, como dito pela maioria dos debatedores, as vantagens comparativas do Brasil sejam transformadas em vantagens competitivas.