Sair para ver a ilha
Nosso tamanho é o quanto enxergamos do mundo. E de nós mesmos. Mas até neste caso, é importante observarmos de fora. Lembra o que disse Saramago? Para ver a ilha, tem que sair da ilha. Volta e meia dela saí. Agora, mais uma vez, saltarei da minha bolha. Não espero crescer mais em tamanho, mas espero sentir o prazer de outra vez me enxergar à distância, contribuindo um pouco com o mundo em que vivo.
Voltarei a Portugal atrás de nossas raízes. Buscar vestígios de Braz Cubas, que, saído da cidade do Porto, percorreu o Atlântico para fundar a Vila de Santos. E vou buscar a dimensão de José Bonifácio no que resta de sua memória na honrosa cátedra na Universidade de Coimbra, que inspirou Harry Potter.
Não buscarei rastros de meu genial avô materno no Lugar da Igreja, um canto de Oliveira de Azeméis, nas colinas perdidas lusitanas. Tampouco vínculos dos ancestrais paternos, que em parte tenho em avenida e em escolas da minha terra. Busco os cordões umbilicais de quem foi tão caro para nossa gente.
A esta altura, talvez preferisse uma rede de onde só poderia olhar o céu. Mas isso, às vezes, é mais difícil do que viajar. As trovoadas constantes da vida escasseiam as frestas das nuvens, como respondi a Ivani, amiga poeta, ao contar-lhe da minha missão. Porque, assim como é fundamental sair da ilha, é importante mergulhar para dentro, o que só é possível quando nos distanciamos do que costumeiramente nos entretém.
Mas vou, não com o vigor do jovem que sonhou um dia conhecer Paris. Ou de minha filha, que sonha voltar à Disney. Vou atrás de vestígios da História e conhecer novas realidades de portos e das inovações tecnológicas, que podem contribuir para, cada vez mais, eu viver numa cidade inteligente e sustentável em ampla comunhão com seu porto, que lhe deu origem.
Das primeiras vezes em que saí da ilha, trouxe a vontade intensa de recriar na minha terra ambientes e sentimentos que vivenciei lá fora. E aqui trabalhei para que nosso Centro Histórico me propiciasse o cenário que me fez ter tantas sensações de atemporalidade em plagas europeias. Foi quando revitalizamos parte do Centro e realizamos o sonho da volta dos nossos bondes.
Saudosista eu? Por que não? O passado inspira o futuro. E traz ensinamentos vitais para não errarmos tanto nos esforços de um novo tempo. Hoje, depois de muitas escapadelas da minha ilha, sinto-me maior para melhor me compreender e usufruir do que ainda tenho para viver. Sim, porque tenho sonhos ainda. Muitos sonhos. Possuo anos de vida e de história mas não me sinto tão velho. Como bem disse Elck, amiga-filósofa das redes sociais, só é velho quem troca os sonhos pelas lamentações.
Faço minhas malas com poucas roupas e a oportunidade de mais uma vez me afastar da minha ilha para sonhar ainda mais. Procurarei olhar para o céu, sentir os raios do sol outonal, entre um compromisso e outro, e tentar esquecer por alguns dias o que deixei na minha ilha. Por isso vou com leve mala, nem tudo quero levar, apenas a lembrança dos que amo. Apesar de saber, por experiência, que a última coisa que lá encontrarei é uma rede, em que eu me deitaria e embalaria olhando para o céu.