Triste sina por um queijo
O sucesso às vezes conduz à morte. Ironia da fatalidade, pode vir na forma de um queijo grana padano, aquele parmesão um pouco mais duro que orgulha a Lombardia e atiça as papilas gustativas junto com um cabernet sauvignon.
Dias atrás morreu o italiano Giacomo Chiapparini, que dedicou a vida a produzir o queijo para nosso deleite na vida. Aos 74 anos, teve o império soterrado com seu corpo por 25 mil rodas de queijo, ao que consta, de 38 quilos cada. Era noite de domingo e pelo visto seus queijos eram sua melhor companhia. Giacomo fazia solitária inspeção de sua fortuna quando uma estante de dez metros de altura, repleta de queijos, desabou, derrubando as demais estantes feito dominó.
O queijeiro Giacomo e sua trágica morte despertaram-me um turbilhão de pensamentos sobre fatalidade e ironia. Também, e principalmente, sobre o quanto dedicamos a vida a produzir algo do qual por infortúnio podemos nos vitimizar ou, ao menos, mudar no curso das circunstâncias. O sucesso traz sempre um risco. É preciso estar seguro daquilo a que se dedica e usufrui, pois um dia, por uma simples prateleira, tudo pode se por a perder.
Cada um a sua maneira se dedica a um queijo na vida. É isso que nos dá sentido, mas havemos de estar atentos na escolha que fazemos e distinguir a tipologia ao que nos entregamos. Na Itália há umas 30 variedades de queijos. Alguns mais suaves, outros mais fortes, de sabores variados. Cada um harmonizando melhor com este ou aquele vinho.
Lembrei-me do aclamado livro ‘Quem mexeu no meu queijo’, de Spencer Johnson. Dois ratos e dois duendes que vivem num labirinto repleto de queijos. Diariamente os quatro percorrem os caminhos para achar um tal Ponto C, onde sempre há queijos para sua fome. Vivem uma rotina de percorrer as alternativas daquele labirinto que, às vezes, leva a um beco sem saída.
Mas tudo se sucede bem com algum esforço aparente. Até que um belo dia, os ratos se dão conta de que não há mais queijo no Ponto C. Astutos, já vinham percebendo mudanças naquele mundo em que vivem e não perdem tempo em se debruçar na busca de alternativa, até que acham um espetacular Ponto N, repleto de um queijo tipo manjar dos deuses.
Os duendes, ao contrário, surpreendidos pela ausência do sustento, ficam chocados e põem-se a lamentar a má sorte. Tão acomodados que estavam, acordavam tarde, seguros da existência daquele queijo que não sabiam quem colocava ali, mas do qual se sentiam donos.
Um dos duendes, recomposto do choque e desafiado por pensar na esperteza dos ratos que teriam se dado bem, criou ânimo para buscar nova fonte de queijo. Seu parceiro, porém, ainda ficou reclamando quem havia mexido no seu queijo e pôs-se a aguardar que alguém repusesse o estoque para ele.
A fábula fez-me pensar na dimensão dessa metáfora, até que, buscando me informar melhor sobre o trágico fim do velho queijeiro, li que seus herdeiros, ainda perplexos, sem saber o que fazer com tanta mercadoria, de valor estimado de 7,7 milhões de dólares, estão em busca de quem compre.
Aparentemente o velho Giacomo, tão dedicado aos queijos, não se preocupou em criar ratos, talvez por achá-los incompatíveis com seu tesouro. E parece ter criado apenas duendes, agora brigando com a sorte.