Os impactos da precificação do bunker na cabotagem
Apesar dos esforços para viabilizar a isenção de ICMS sobre o bunker na cabotagem, o setor ainda não viu iniciativas
efetivas do Governo Federal, que também deve envolver os estados. A expectativa de que a isenção de ICMS
fosse incluída na redação da BR do Mar foi frustrada logo nas primeiras versões do projeto de lei.
Nos setores de transporte, os valores do combustível afetam a competitividade de seus players. Os recentes aumentos sucessivos dos preços de combustível no Brasil reacenderam este debate, especialmente na navegação de cabotagem.
As frotas de navios são movidas a óleo combustível marítimo (OCM), uma mistura de óleo diesel e óleo combustível, conhecida no setor como bunker. O insumo é responsável por cerca de 30% dos custos da atividade de navegação, ao lado dos custos de operação de terminais e de tripulação.
Embora vários aspectos impactem indiretamente na precificação do bunker, vale discutir pelo menos dois elementos no contexto normativo e econômico brasileiro. Inicialmente há o peso fiscal, que afeta apenas o bunker utilizado na navegação de cabotagem. Como seu consumo se dá em território nacional, o combustível sofre a incidência de ICMS, diferentemente do combustível utilizado no longo curso, conforme o art. 3º, inciso II, da Lei Complementar nº 87, de 1996.
Apesar dos esforços para viabilizar a isenção de ICMS sobre o bunker na cabotagem, o setor ainda não viu iniciativas efetivas do Governo Federal, que também deve envolver os estados. A expectativa de que a isenção de ICMS fosse incluída na redação da BR do Mar foi frustrada logo nas primeiras versões do projeto de lei. Em meio a críticas e elogios, o projeto avançou com inovações relevantes, mas ainda sem perspectivas de mudança de tratamento fiscal.
O segundo elemento fundamental no custo do bunker é a precificação da Petrobras, que pratica o chamado Preço de Paridade de Importação (PPI), alinhando os preços do combustível no mercado brasileiro ao comportamento dos preços internacionais. Críticos defendem que a PPI desconsidera a realidade local, bem como a proporção de insumos internacionais na produção nacional dos derivados de petróleo. Embora grande parte da nossa produção dependa do petróleo importado, a parte composta por petróleo nacional não é considerada no esquema PPI.
Num mercado global energético cada vez mais incerto, a flutuação cambial reduz ainda a capacidade das empresas brasileiras de navegação de prever seus custos e, consequentemente, de fixar preços competitivos.
A discussão não é trivial. Enquanto alguns afirmam que é possível uma precificação justa para a Petrobras sem a PPI, outros alegam que a paridade internacional é um incentivo econômico necessário para o ingresso de concorrentes no setor de derivados.
No entanto, é fato que o peso fiscal do bunker, somado às complexidades do modelo PPI, afeta a competitividade do setor de cabotagem.
Em um período em que as atenções estão voltadas para a logística e para o transporte marítimo de cabotagem, precisamos manter o debate aceso, sob pena de termos reduzidos os ganhos conquistados pelo setor.
Flávia Maya é advogada, presidente da Wista Brasil e coordenadora jurídica do Grupo Log-in.