De mulher para todos – com Luciana Guerise, Santos/Brasil
Quando eu comecei a escrever esta série de textos sobre mulheres que se destacam no segmento marítimo e portuário, o meu objetivo era simples. De maneira singela, a ideia era compartilhar um pouco sobre as incríveis colegas que tive a honra de conhecer no curso em Le Havre, França. Em uma convivência curta, de apenas uma semana, conheci a Tati, a Ana Carolina, Ajan, Shimla, Imaculate, Bhavna, Samah, Wafa, Victoria, Claire, e outra dezena mais. A paixão com a qual elas falavam das respectivas atividades me inspirou demais. O modo como esse grupo, em especial, se motivava e se orgulhava mutuamente foi muito cativante.
Esses dias com elas me fizeram refletir sobre qual é, realmente, o nosso papel neste debate. Somos vistas? Reconhecidas? Estamos devidamente posicionadas de acordo com o que nos cabe? Isso cabe a nós, somente?
Equidade de gênero não é, nem deve ser, um papo entre elas. Aqui, de mulher para quem quiser ler: é um assunto de todos. Quem me fez esse alerta foi Luciana Cardoso Guerise, de 49 anos, mestre em Gestão de Negócios Portuários, vice-presidente da Women’s International Shipping and Trading Association (Wista) no Brasil.
Apesar de um contato breve e distante, por poucas mensagens ela me deu uma aula. Luciana me motivou ainda mais a me aprofundar nesse tema. “A semente é cultural. Existem culturas empresariais que permitem que as empresas sejam menos tradicionais e criem rupturas sociais”, me falou.
Ainda nas palavras dela, “não existe risco para o negócio, mas a mudança do mindset não se faz do dia para noite”. Os passos são lentos. “Existem empresas bem adiantadas no assunto, outras não. O S do ESG ainda requer atenção”, continua a Wister.
Como lembra Luciana, dentre os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, o de número 5 diz respeito, exatamente, à equidade de gênero. “A regra está posta, mas nem por isso implementada. Não são apenas as mulheres que devem ajudar ou exigir essa prática, isso é um trabalho de todos”, afirma.
Guerise está na atividade portuária há mais de 20 anos. Começou como estagiária na Diretoria Comercial do Porto de Santos, em 2002. À época, como conta a portuária, o diretor era o recém-nomeado secretário nacional de portos, Fabrizio Pierdomenico. “O trabalho tinha foco na remodelação de um novo Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto de Santos, o PDZ. O que me atraiu foi a importância do projeto. A diretriz tinha que ser remodelada de forma participativa, envolvendo todo o setor portuário”, lembra Luciana.
Com êxito nesse e em todos os demais projetos no qual esteve envolvida, por muito estudo e dedicação, a profissional conta que a atividade portuária atrai por unir políticas públicas a economia, sociologia, tecnologia e meio ambiente.
Além de portuária, Guerise é professora. “Ao mesmo tempo em que aprendia, eu ensinava”, diz. Ela foi a responsável pela criação do Laboratório Portuário da Universidade Católica de Santos (UniSantos) e coordenou o Curso de Tecnologia em Gestão Portuária. “Ultimamente, me aplico à academia apenas em curso de pós-graduação na área da regulação do setor”, afirma.
A terceira atividade à qual Luciana se dedica concomitantemente é a vice-presidência da Wista Brazil. Esta, para quem ainda não conhece, é uma associação de nível internacional que possui, inclusive, assento consultivo na Organização Marítima Internacional (IMO). Existe desde 1974. Está presente em 54 países e tem como associadas cerca de 3.800 mulheres, em C-Level (executivos seniores mais altos de uma empresa). “O principal trabalho da associação é o networking entre mulheres que atuam na área. Consequentemente, como não poderia deixar de ser, o nosso maior propósito é apoiar as mulheres para a equidade de gênero no setor”, explica.
Neste ano, a Wista Brazil comemora sete anos de idade. Atualmente, segundo dados da entidade, são quase 150 associadas que atuam, voluntariamente, pela causa no País.
Ao citar o objetivo da Wista, Luciana lamenta que “o setor engatinha para a equidade de gênero, principalmente nas áreas de decisão – diretoria e C-Level – e, muito mais, nas áreas operacionais”. Para ela, o incentivo à equidade de gênero passa principalmente pela percepção do corpo diretivo. “Enquanto não existir um olhar efetivo para essa causa, dificilmente as empresas conseguirão positivar vagas para mulheres e, por consequência, não atingirão os indicadores de performance de sustentabilidade. O mundo mudou. A mentalidade deve mudar também”, diz.
Realizada profissionalmente, Luciana conta que sua missão pessoal é transformar o que ainda é visto como obstáculo. “E não falo apenas da equidade de gênero, mas da diversidade e da inclusão social, que são o maior legado que podemos deixar às próximas gerações”.
Afirmando que são necessárias boas referências às profissionais iniciantes no segmento, a dica que Luciana deixa para as mulheres do setor é a seguinte: “qualificar-se é sempre o melhor caminho para tudo. Equidade de gênero é perseverar”.
Sugestão de leitura: Você tem que conferir a coletânea “Por Elas”, que reúne 33 artigos técnicos, escritos por associadas da Wista Brazil que integram o grupo de trabalho de Shipping, Portos e Comércio Internacional. O livro, a propósito, foi organizado por Luciana Guerise e pela professora doutora Flávia Nico, da Secretaria Nacional de Portos. Está sendo lançado neste mês das mulheres.
E mais uma sugestão de fonte para consulta: Luciana indica o trabalho “He for she”, da ONU. Segundo ela, trata-se de um esforço global para envolver homens e rapazes na remoção de barreiras sociais e culturais que impedem mulheres de atingir seu potencial e organizar juntos (homens e mulheres) uma nova sociedade.