A eterna questão do treinamento do trabalhador portuário
Em uma primeira impressão, o título acima pode gerar uma conotação de que o treinamento do trabalhador portuário é um problema, quando não deveria ser. O treinamento existe para qualificação profissional e desenvolvimento adequado pessoal e das atividades, o que só pode ser benéfico para todas as cadeias do setor portuário, inclusive para o próprio trabalhador, que, constantemente treinado, apresentará bons resultados que refletirão no seu desenvolvimento profissional.
No caso da operação portuária, o busílis está no direcionamento dos investimentos em treinamento dos trabalhadores portuários realizados por operadores portuários, que atualmente é destinado ao FDEPM – Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo. Todos os operadores portuários têm a obrigação legal de recolher mensalmente o valor equivalente a 2,5% da remuneração da mão de obra que for utilizada, o que quer dizer que sobre a remuneração de todos os trabalhadores contratados, sejam trabalhadores avulsos ou vinculados, deve incidir tal percentual, tendo como contrapartida o treinamento de trabalhadores do setor pela Marinha.
A contribuição destinada ao FDEPM equivale à contribuição de 1% recolhida ao Senai (art. 1º do DL 6.246) pelas empresas de navegação e portuárias e à contribuição de 1,5% devida ao Sesi e ao Sesc (art. 23 da Lei 5.107/66), totalizando, assim, os 2,5% (dois e meio por cento) destinados ao fundo, conforme art. 1º , da Lei n.º 5.461/68. Esse fator gerou o entendimento que a contribuição destinada ao FDEPM (Decreto-lei nº 828/1969) surgiu como uma contribuição equivalente às contribuições devidas ao Senai, Sesi e Sesc.
O fato é que apesar da expressiva contribuição realizada por empresas, a Marinha não disponibiliza os cursos destinados aos portuários (em especial, aos trabalhadores em operação portuária) de forma atualizada e que possa atender às demandas tanto de trabalhadores vinculados como de avulsos.
A solução encontrada foi o repasse de valores pela Marinha (por meio da DPC – Diretoria de Portos e Costas) ao Ogmo (Órgão Gestor de Mão de Obra), para o treinamento de trabalhadores portuários avulsos. Não obstante, é unânime o discurso dos diversos Ogmos espalhados pelos portos do Brasil que o valor repassado é ínfimo, sem qualquer condição de atender as necessidades de treinamento dos trabalhadores avulsos.
Em se tratando de trabalhador avulso, a consequência é que, na falta do Ogmo e na necessidade de atender aos requisitos legais, os treinamentos normalmente são custeados – mais uma vez – pelos mesmos operadores portuários que já recolhem todos os meses 2,5% sobre a remuneração paga.
Não se trata de bitributação nem “bis in idem”, pelo teor de seus conceitos, mas, ao final, o operador portuário acaba por custear duas vezes o treinamento de trabalhadores e, consequentemente, onera a cadeia operacional.
No caso dos vinculados, incontestável que os operadores portuários também teriam direito ao repasse dessas verbas pela Marinha. Entretanto, não há registros de que tal possibilidade tenha avançado, já que pela Norman 32, os recursos financeiros para os portuários podem ser repassados ao Ogmo ou entidades Extra-MB (empresas não ligadas à Marinha do Brasil, mas certificadas para ministrar o ensino portuário).
No item 7 da Normam 32, consta que a entidade “extra-MB” que queira se credenciar no DPC, precisa reunir várias condições – educacionais e pedagógicas – podendo ainda ter que se submeter à licitação para contratar com a administração pública, características que não nos parece ser de empresas de operação portuária.
Ocorre que os recursos do FDEPM são destinados às aplicações previstas no Decreto 968/93 (art. 3°) – algumas inclusive específicas da Marinha, sem qualquer relação com a iniciativa privada. Além do mais, por se tratar de contribuição, até 30% do fundo pode ser utilizado para fins diversos (art. 76 ADCT), a chamada desvinculação das receitas da União (DRU).
Apesar de tais incongruências, no Judiciário, o recolhimento tem sido considerado legal, sem caracterizar eventual desvio de finalidade, dados os dispositivos legais que o amparam, ainda que de forma inadequada.
O treinamento pode e deve ser uma constante ao longo da carreira de qualquer trabalhador, o que deve ser objeto de dedicação e empenho pelo empregador.
No entanto, a questão posta e para o qual se faz o alerta é que as empresas responsáveis por recolher a contribuição ao FDEPM, em razão de não haver verba suficiente para fazer frente às necessidades do setor, acaba por custear diretamente os treinamentos, fazendo com que a contribuição não atinja seu objetivo social.
O judiciário vem debatendo algumas possibilidades, como, por exemplo, a limitação da base de cálculo, que hoje considera a totalidade da folha e da remuneração do avulso.
Apesar dos esforços do setor, qualquer embate judicial não elide a necessidade de repensar a efetividade da legislação que trata do custeio do trabalho portuário, embasando os estudos de maneira que seja possível atender às necessidades de trabalhadores e categorias econômicas com custos compatíveis suportados diretamente pelas empresas, sem o recolhimento da contribuição apontada.