Brindar com vinho verde
Sou filho e neto de portugueses, mas nunca tive muita afinidade com a “Santa Terrinha”.
As conversas na casa de meus avós paternos eram enfadonhas.
No entanto, após concluir uma pós-graduação na França, em 1986, resolvi ir até lá.
Portugal ainda não integrava a União Europeia, o que ocorreria naquele mesmo ano. Era país decadente, ainda sofrendo resquícios de um governo de exceção.
Chegando em terras de Camões, fui à Vérigo, perto de Pombal, onde descobri tios-avôs. Depois, fui rapidamente a Coimbra. Tão rápido que não tive grandes lembranças da cidade. Dali fui a Febres, terra de meu avô materno, onde fui recebido por primos duplamente distantes. Com eles, compreendi que, de fato, “numa casa portuguesa fica bem pão e vinho sobre a mesa”.
Por fim, em Lisboa, também não tive grandes impressões.
Não me senti bem acolhido, talvez por estar só, cansado e com saudades do Brasil. Mas isso mudaria, como dizia meu pai, “pela força da Natureza”.
Após a morte de meus pais, meus irmãos começaram a falar em cidadania portuguesa. Eu talvez tenha sido o menos interessado, mas minha mulher comentou que seria interessante, por conta de nosso filho. Pois é, fui o primeiro a obtê-la, em 2017, mesmo ano em que fiquei gravemente doente.
As incertezas sobre o futuro trouxeram reflexões, revisões de conceitos e o afã de viver melhor: carpe diem! Viajar deixou de ser meramente contingência de trabalho ou opção de férias, para se tornar uma necessidade terapêutica. E agora eu não estava mais só.
Fomos para Lisboa em 2019, de férias.
O que eu havia conhecido em 1986 ainda estava lá, mas os reflexos da integração à União Europeia, passados 33 anos, foram surpreendentes!
Prédios históricos, antes em ruínas, haviam sido restaurados! Ruas outrora decadentes estavam fervilhando de turistas! O antigo, revitalizado e valorizado, se uniu à modernidade!
Em 2020, uma recidiva avivou ainda mais a necessidade de repensar a vida, valorizar o tempo e vivê-lo com mais qualidade e prazer.
Resolvemos voltar a Portugal, indo a Porto, Coimbra e Lisboa, com “bate-e-voltas” a partir dessas cidades a Guimarães, Braga, Vila Nova de Gaia, Aveiro, Évora, Sintra e Cascais. Em todas, encontramos um “mar” de gruas, dando suporte a obras novas e restaurações de edificações históricas; ampla e diversificada rede de transportes públicos; atrações turísticas extremamente atrativas e bem cuidadas; fragmentos de nossa própria história, cuidadosamente catalogada e exposta; respeito, cordialidade e atendimento em vários idiomas, mostrando que Portugal soube se preparar para ser um destino turístico por excelência.
Essas experiências sensoriais trouxeram memórias de sabores, imagens, histórias, conversas de pai e avós, e músicas.
É… a vida e o tempo nos ensinam, e ensinar também é corrigir, e essa aprendizagem é constante! Mas é imprescindível estar sempre preparado para aprender.
Nesse processo de reencontro com a história pessoal, Fernando Pessoa também se fez presente, confirmando que: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena!”, o que também vale em relação a José Saramago, na medida em que minha visão anterior nada mais era do que uma forma de cegueira.
Creio que rever Coimbra e lembrar da música que diz que “o livro é uma mulher” tem tudo a ver com Cecília, livro que leio e releio sem enfado, que é meu par mais lindo, como diz a cantiga alentejana.
Tanto é que fui revisitar Roberto Leal, lembrando daquela que considero sua melhor interpretação, cujo videoclipe tem como cenário um velho bar, como o Café Santa Cruz, de Coimbra: “Vamos brindar com vinho verde que é do meu Portugal!”.
Um brinde, com vinho verde, do Porto ou “da casa”, à história de cada um, à família, aos amigos e ao amor, ora pois!