Princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva: limites ao Poder Normativo da Justiça do Trabalho
A Reforma Trabalhista inseriu importante dispositivo na CLT – o §3º do artigo 8º, que prevê a intervenção mínima do Judiciário na manifestação da vontade coletiva, mostrando o evidente objetivo do legislador de conferir maior autonomia aos atores sociais na negociação das condições de trabalho.
A inclusão desse dispositivo no diploma trabalhista gerou calorosos debates, notadamente a par da redação dos arts. 611-A e 611-B, os quais estabelecem, em tese, os limites da negociação coletiva de trabalho. Ademais, de certa forma, a união do princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva com a prevalência das condições negociadas em convenções coletivas de trabalho sobre a lei, recentemente fixada pelo Supremo Tribunal Federal, no Tema de Repercussão Geral 1046, pode mitigar o Poder Normativo da Justiça do Trabalho.
É exatamente neste ponto que reside o debate de pensadores do Direito do Trabalho, pois há quem defenda que esse Poder Normativo é uma forma de pacificação social e de manter o equilíbrio na negociação coletiva, enquanto, em contrapartida, há aqueles que afirmam que o Poder Normativo cria uma ingerência indevida da Justiça do Trabalho nas relações laborais, oriunda de um corporativismo estatal (SCHIAVI, Mauro. Aspectos Polêmicos do poder normativo da justiça do trabalho e do dissídio coletivo “de comum acordo”. Lacier Artigos Periódicos. v. 23, n. 04, 2017).
Sobre isso, faz-se necessário ressaltar que a Justiça do Trabalho permanece exercendo sua função judicante, tendo por norte o resguardo dos direitos dos trabalhadores. Tal se dá em função da aferição da conformidade dos termos negociados pelas partes com os ditames constitucionais e legais sobre o bem da vida em análise, naquela oportunidade.
É possível verificar que a própria redação do §3º do artigo 8º da CLT estabelece que “a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 do Código Civil”, ou seja, a ingerência admitida e esperada consiste na aferição específica dos seguintes itens: se o agente é capaz, se o objeto é lícito, possível, determinado ou determinável (limites fixados pelo STF no Tema 1046) e a observância da forma prescrita ou não defesa em lei.
Nesse sentido, a nova norma celetista, além de garantir liberdade às partes em negociar as condições que lhes dizem respeito, tem o condão de atribuir maior protagonismo aos sujeitos coletivos, com redução de tradições intervencionistas estatais, muitas vezes afastadas da realidade das categorias titulares dos direitos.
Abandona-se, pois, a relação entre norma coletiva e estatal de concorrência e subordinação e se passa para uma relação institucional e de complementariedade (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Princípios e fundamentos do anteprojeto de modernização das leis trabalhistas. In: TEIXEIRA, João de Linha Filho (coord). A Modernização da legislação trabalhistas. São Paulo, LTr, 1994).
Nota-se, no tocante ao setor portuário, que a intervenção judicial em normas coletivas negociadas e devidamente aprovadas nas assembleias correspondentes enfraquece o poder natural conferido ao binômio capital x trabalho, pelo art. 43 da Lei 12.815/2013, diante, por exemplo, da singularidade das condições do trabalho portuário avulso.
É de se ver que a Reforma Trabalhista impôs limites ao Poder Normativo da Justiça do Trabalho. O prestígio à autonomia da vontade coletiva foi corroborado, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal, em importante julgamento que fixou ser válida a norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.
Destarte, a própria palavra “exclusivamente” na redação do §3º, art. 8º da CLT, reitera a limitação da intervenção da Justiça do Trabalho nas negociações coletivas. É preciso ter ciência de que o princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva surge em consonância com a evolução do modelo de Estado que compartilha as responsabilidades com a sociedade, neste caso, com os entes coletivos.