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José Geraldo Vantine

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No cenário caprichoso do Rio Amazonas, o transporte intermodal não está garantido

Na esteira do rico folclore da região amazônica, certamente o “Boi Bumbá” é a lenda mais festejada. Também presente em outras regiões do Brasil, ela conta uma linda história de amor entre um homem e sua mulher grávida. Quem não conhece o famoso Festival Folclórico de Parintins (AM), onde, no bumbódromo, duas agremiações se apresentam em shows com temáticas indígenas e regionais? Torcidas apaixonadas divididas entre o “Boi Garantido”, identificado na cor vermelha, e o “Boi Caprichoso”, identificado pela cor azul.

Com um ecossistema exuberante, cantado em prosa e verso, a Região Norte do Brasil chega a apresentar controvérsias, pois é extremamente rica pela dádiva da natureza, tanto no subsolo, como na floresta e na imensidão dos seus rios, mas em contrapartida, tem habitantes com nível econômico beirando a linha da pobreza. A natureza da região oferece uma biodiversidade ímpar, que apresenta muitas opções para um novo ciclo de exploração racional e ambientalmente sustentável, para geração de emprego e renda aos nativos de todas as origens.

Ocupando quase 50% da área do nosso país, a Região Norte, no entanto, tem uma população que representa apenas 8% da nacional. Fechando o foco, o Amazonas é o único estado do Brasil sem conexão terrestre com o restante da nação (a BR-319, ligando Manaus a Porto Velho, com 885 km, encontra-se em condição não operacional). E ampliando o olhar, Manaus, referência global da Floresta Amazônica, tem pouco mais que 2 milhões de habitantes – pouco mais que 50% da população do estado.

Com uma lupa nos setores da Economia e da Logística, encontra-se a ZFM – Zona Franca de Manaus, que, apesar da nomenclatura, abrange os estados da Amazônia Ocidental (Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima). E com lupa de duplo alcance, dentro da ZFM, está o PIM – Polo Industrial de Manaus, que reúne mais de 500 indústrias dos segmentos eletroeletrônico, duas rodas, naval, mecânico, metalúrgico e termoplástico. Em 2022, faturou R$ 114 bi (95% em vendas internas), com geração de 114 mil empregos, conforme informe da Suframa, órgão que administra a ZFM.

Dentro dessa riqueza natural e da indústria, adiciona-se toda a cadeia de valor das empresas de serviços logísticos: portos fluviais de navegação marítima, portos fluviais de navegação interior (balsas, empurradores), portos de navegação comercial e de passageiros, companhias de transporte fluvial, operadores logísticos, companhias de navegação, companhias aéreas, transportadoras rodoviárias, empresas de serviços de comércio internacional e, com destaque, a pujança do comércio tradicional, já que Manaus é um centro abastecedor da hinterlândia amazonense.

Enquanto no restante do país, a capilarização (a distribuição de produtos) é rodoviária (o modo ferroviário não atua nesse segmento), no Amazonas, é fundamentalmente aquaviária, destacando três segmentos mais importantes: a rota Belém-Manaus (a maior), a rota Manaus–Porto Velho e a rota Manaus–Interior (a mais complexa, pela dispersão de habitantes das longínquas cidades e aglomerados ribeirinhos).

E onde entra a logística nesse cenário? Isso é o que veremos no grande fórum denominado “Norte Export 2023”, integrado ao Brasil Export – Fórum Nacional de Logística, Infraestrutura e Transportes e que será realizado hoje, dia 3, e amanhã, dia 4, com programação técnica, legal e governamental de altíssimo nível.

Com participação em muitos projetos na região, através do Ciem – Centro das Indústrias do Estado do Amazona e apoiado pela Suframa e pelo Governo do Estado, iniciei minha jornada de atuação no final da década de 80 e tive o privilégio de trabalhar na elaboração do Planamazonas, conduzido pelo grande amigo, à época secretário da Indústria e Comércio, Raimar Aguiar (in memoriam), que foi o guerreiro da logística manauara (hoje tem seu nome na identidade do auditório  da FIEAM – Federação das Indústrias do Estado do Amazonas).

A partir de então, realizamos muitos projetos visando o desenvolvimento do Amazonas, de Manaus e da ZFM, todos fundamentados em Transporte, Logística e Infraestrutura (por coincidência, a tríade do Brasil Export). Foram projetos de caráter institucional, para servirem de diretrizes para a estruturação de estratégias de governo, bem como para atender às necessidades da indústria e do comércio. Os principais:

Ø  Saída para o Caribe – Ligação rodoviária pela BR-174, ligando Manaus a Boa Vista (RR), acessando de um lado a Venezuela (Puerto Cabello) e, de outro, a Guiana através de Georgetown. Foi muito utilizada até mesmo para ligar Manaus com a Colômbia. A pioneira foi a “Rodoviário Michelon”.

Ø  Ligação Bio-oceânica – Ligação “Atlântico-Pacífico” utilizando o Rio Solimões (Marañon) de Manaus até Iquitos (Peru) e por via rodoviária até Piura (norte) ou Ilo (sul). Se apresentou como totalmente inviável pelo elevado investimento e pela baixa demanda bilateral.

Ø  Criação do modelo chamado de “Central de Trânsito”, que, ao ser transformado em lei estadual, passou a ser o Eizof – Entreposto Internacional da Zona Franca. Inicialmente funcionou dentro do Porto Público, mas, depois da inauguração do EADI – Porto Seco Manaus, perdeu sua finalidade inicial.

 Ø  Eizof-Siderama – Siderama foi uma siderúrgica (desativada). Participei de um consórcio no projeto executivo, para lá instalar o Eizof e transformar o local numa super estrutura de logística e comércio internacional, com localização privilegiada ao lado da BR-319 (próximo ao local conhecido por Ceasa) e na margem do Rio Negro. Com mudanças de governos (Suframa), o projeto foi engavetado.

 Ø  Logística Integrada PIM – Envolvendo mais de 200 indústrias do polo, foi fundamental, no princípio, para a sinergia nas operações de transportes desde as fábricas até o destino (NE e SE), incluindo a gestão por operador logístico na contratação de balsas, carretas, terminais fluviais em Manaus e Belém. Foi desenvolvido para o Cieam/Suframa e continua aplicável na integra até hoje.

 Ø  Corredor de contêiner Macapá-Santana/Manaus – foi concebido para ser uma alternativa para evitar o transit time de navios de longo curso até o Porto de Manaus. Seria um porto de transhipment em Santana (AP). Nele, os contêineres seriam transferidos dos navios conteineiros para balsas, que seguiriam em comboio até Manaus. Por ser projeto estruturante, não foi incluído nos planos dos governos federais que se sucederam.

 Ø  Projeto Clad – Complexo Logístico Amazonas/Flórida-USA – engloba instalação de armazém alfandegado dentro do Porto de Everglades (Condado de Broward, na Flórida/USA), com uma linha de navegação direta de Manaus e companhias aéreas operando entre Manaus e Fort Lauderdale, na Flórida. Entregue para iniciativa privada.

 Ø  PNLT-Amazonas – foi o primeiro plano de logística e transportes desenvolvido pelo Ministério dos Transportes. Atuamos no desenvolvimento de propostas para o estado do Amazonas e a ZFM. Composto por: Polo Irradiador de Manaus (bidirecional), Eixo Leste via Santarém (BR-163), Eixo Oeste via Porto Velho (BR-319 / BR-364) e Eixo Norte via BR-174 até Boa Vista, acessando a Venezuela na divisa com município de Santa Elena.

 Ao concluir essa resenha, expresso o desejo que, ao olhar para a proa, governantes, políticos e empresários não deixem de olhar para a popa, porque o passado ensina a projetar um futuro mais consistente e definitivo, que certamente será pavimentado com os debates do “Norte Export 2023”.

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TAGS Boi Bumbá capilarização Festival Folclórico hinterlândia indústria região amazônica RIO AMAZONAS

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