A importação de resíduos sólidos perigosos decorrentes do transporte aquaviário no Brasil
O texto se propõe a fazer uma reflexão sobre a poluição ambiental, através de uma análise do PL 1172/2023, de autoria da Deputada Federal Iza Arruda, que altera a Lei nº 9.605/1998, para aumentar a pena do crime de importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos.
O Brasil, recentemente, se deparou com o naufrágio do ex. porta-aviões São Paulo. Caso que levantou o debate sobre poluição por alijamento, convenções internacionais e segurança marítima ambiental.
Como se não bastassem as poluições que vem atingindo nosso país, o Brasil, mais uma vez é palco de recebimento de lixo hospitalar, como se carga regular fosse.
Recentemente, em 23 de fevereiro do ano corrente, a Receita Federal apreendeu, no porto de Suape, em Pernambuco, 15 toneladas de lixo hospitalar em um contêiner proveniente de Portugal. A carga foi declarada pelo importador como “polímeros de cloreto de vinila”, todavia era constituída por mangueiras, bolsas para sangue e outros resíduos sólidos hospitalares.
O transporte marítimo é atividade essencial e indispensável ao desenvolvimento do nosso país, deve ser preconizado com todas as cautelas necessárias, não pode ser malversado, sob pena de enfraquecimento da segurança nacional.
Antes mesmo de uma infração administrativa, como restará esclarecido, a importação de resíduos, tóxicos e poluidores, deve se constituir como um crime ambiental, que deve ser severamente investigado, além de gerar a proibição do enriquecimento ilícito, como medida reparatória civil e forma de repudiar atos similares, em prol do desenvolvimento seguro do nosso país.
Para demonstrar a sensibilidade da temática, de forma didática, a doutrina divide a poluição marinha quanto às fontes geradoras, em dois grandes grupos: advindos de atividades de terra ou de mar.
Por curiosidade, de acordo com o United Nations Environment Programme – UNEP, cerca de 80% da poluição marinha decorre de atividades terrestres, como emissão de exposto, descargas industriais, agrotóxicos, acúmulo de lixos, poluição carregada pelos rios. Os 18% provem de: navios e embarcações – 9%, lançamento de resíduos no mar – 8% e atividades marítimas – 1%.
Em outras palavras, o lixo constitui ainda uma das maiores fontes de poluição, a importação de lixo é um problema sério e global. O Brasil, nem qualquer outro país, pode ser ponto de destino de resíduos irregulares, através da malversação do transporte aquaviário, o risco da conduta repetida é enorme e tende a abalar a segurança em nosso país.
A CNUDM, em seu art. 207, trata da poluição de origem terrestre, e determina que os Estados devem adotar leis e regulamentos para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho proveniente de fontes terrestres.
Nesta senda, importante pontuar a Convenção Internacional para Prevenção de Poluição por Navios – MARPOL, que institui que é dever de todo Estado assegurar o provimento de instalações para o recebimento de lixo nos portos e terminais.
Nesse mesmo sentido a Lei no 9.966/2000, estabelece que todo porto organizado, instalação portuária e plataforma, deverá dispor, obrigatoriamente, de instalações ou meios adequados para o recebimento e tratamento dos diversos tipos de resíduos e para o combate da poluição.
Com destaque à Convenção da Basileia, que regula o controle de movimentos transfonteiriços de resíduos perigosos e seu depósito. Nesta senda, destacam-se a Resolução Conama no 452/2012, que dispõe sobre os procedimentos de controle da importação e a IN IBAMA no 12/2013, que dispõe sobre a regulamentação dos procedimentos de controle da importação de resíduos de que trata a mencionada Resolução.
Não há como se esquivar de mencionar a Resolução Antaq no 2.190/2011, que aprova a norma para disciplinar a prestação de serviços de retirada de resíduos de embarcações.
Visando a melhoria do nível de conformidade do Brasil frente às diretrizes e regulamentos da IMO, além da adequação aos requisitos da auditoria operacional a ser realizada no país em novembro de 2023, também pela IMO, a Antaq incluiu em sua Agenda Ambiental para o Biênio 2023/2024 os Projetos de Adequação e Manutenção do Sistema de Desempenho Portuário (SDP). Isso com o objetivo de torná-lo apto ao recebimento de dados sobre operações de retirada de resíduos de embarcações realizadas em portos brasileiros e à manutenção de base de dados sobre as empresas habilitadas para prestação desses tipos de serviços; além do recebimento de dados sobre movimentação de cargas perigosas.
A incorporação dessas informações ao SDP deve contribuir para a alimentação do módulo do “Banco de Dados de Instalações Portuárias para Recepção de Resíduos” (Port Reception Facility Database – PRFD) do Sistema GISIS (Global Integrated Shipping Information System) da Organização Marítima Internacional (IMO).
Sem dúvidas, a sistematização e disponibilização de dados e indicadores sobre retirada de resíduos de embarcações e sobre a movimentação de cargas perigosas nas instalações portuárias possibilitará o aprimoramento das atividades da Antaq nas áreas regulação, sustentabilidade, estudos, outorga e fiscalização.
Tais regramentos estão em conformidade com a Lei no 9.537/1997 (Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário), que estabelece várias atribuições para a Autoridade Marítima, com vista a evitar a poluição marinha proveniente de embarcação.
Nesta linha, a importação de resíduos sólidos perigosos é igualmente proibida no Brasil nos termos do art. 49 da Lei nº 12.305/2010, que dispõe sobre a Política Nacional de Resíduos sólidos.
Tanto que, de acordo o art. 46 da Lei nº 12.715/2012, o importador de mercadoria estrangeira cuja importação não seja autorizada por órgão anuente com fundamento na legislação relativa à saúde, metrologia, segurança pública, proteção ao meio ambiente, controles sanitários, fitossanitários e zoossanitários fica obrigado a devolver a mercadoria ao exterior, no prazo de até 30 (trinta) dias da ciência da não autorização.
No que tange à poluição ambiental, na seara normativa, seguindo o escalonamento hierárquico das normas, frisa-se que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, institui em seu art. 225, § 3º, a responsabilidade tripla em decorrência do dano ambiental, através da responsabilidade civil, administrativa e penal.
De forma breve, poder-se-ia caracterizar a importação de resíduos sólidos perigosos como infração administrativa, seguindo a teoria da responsabilidade subjetiva, junto à Antaq, à Autoridade Marítima, à ANVISA (Lei no 6.437/1977), além de infração aduaneira (Decreto nº 6759/2009), e não menos importante, infração ambiental (Lei nº 9.605/1998).
No âmbito civil, a responsabilidade ambiental, por força da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA, Lei no 6.938/1981), é objetiva por risco integral, além de solidária.
De forma singular, menciona-se a Lei nº 12.305/2010, no seu art. 51, estatui que “sem prejuízo da obrigação de, independentemente da existência de culpa, reparar os danos causados, a ação ou omissão das pessoas físicas ou jurídicas que importe inobservância aos preceitos desta Lei ou de seu regulamento sujeita os infratores às sanções previstas em lei, em especial às fixadas na Lei no 9.605/1998”.
Além da responsabilidade civil ampla, objetiva e solidária que deve incidir no caso, com a tentativa de despertar a curiosidade acadêmica e jurisprudencial, importante mencionar a teoria do ilícito lucrativo, “disgorgement of profits”, que, aplicar-se-ia ao caso em comento. Afinal, “a consequência do ato vedado não pode ser a mesma do ato permitido” (Ministro Vitor Nunes Leal, RE nº 56.904/SP, DJ 5/10/1966).
Muito mais do que reparação dos danos ambientais, haveria o dever de restituir o lucro ilicitamente auferido, os proveitos econômicos que ilicitamente obteve com a conduta infracional. Segundo o enunciado 620, da JDC: “Art. 884: A obrigação de restituir o lucro da intervenção, entendido como a vantagem patrimonial auferida a partir da exploração não autorizada de bem ou direito alheio, fundamenta-se na vedação do enriquecimento sem causa”.
Por fim, é chegado o momento, de discutir sobre a responsabilidade penal patente no caso.
Nesta senda, a Lei no 9.605/1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, em seu art. 56, estabelece que: “produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos”, com pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, na modalidade dolosa, e detenção, de seis meses a um ano, na modalidade culposa.
Considerando as penas previstas no referido artigo, há a possibilidade do infrator ser beneficiado com institutos do direito penal, com destaque a suspensão condicional do processo previsto na Lei no 9.099/95 (que trata do rito sumaríssimo aplicado a crimes menores), além da possibilidade de cumprir a pena em regime aberto.
A conduta de importar resíduos perigosos além de grave, se constitui como um crime de difícil identificação, considerando o meio de transportes marítimo utilizado, ou seja, em grande maioria através de contêineres.
Assim, a PL 1172/2023, de autoria da Deputada Federal Iza Arruda, busca o aumento da como uma forma de retratar a gravidade da conduta e o compromisso do Estado Brasileiro no combate a esse crime, inclusive compromisso esse internacionalmente assumido, em tratados e convenções internacionais, conforme mencionado.
A proposta, em suma, busca o incremento de um ano na pena mínima e dois anos na pena máxima, ficando o crime apenado com pena de reclusão, de 02 (dois) a 06 (seis) anos, afastando-se assim a possibilidade de suspensão condicional do processo, além da probabilidade de, quando do julgamento, ser estabelecido regime prisional mais severo que o aberto ao acusado.
Em relação ao crime na sua modalidade culposa, o PL propõe um aumento para 01 (um) a 02 (dois) anos de detenção, considerando a gravidade da conduta, exigindo mais diligência na compra de resíduos do exterior.
Conforme ensina Dworkin (“Uma questão de princípio”), “A lei pode estipular, de maneira similar, circunstâncias em que alguém que causou dano não é responsável nem não responsável por esse dano, mas, como poderíamos dizer, `vulnerável à responsabilidade.”
Assim, para que haja a plena responsabilidade em face de atos que envolvam a poluição ambiental, o crime não pode compensar. Torna-se legitimo defender, além de uma reparação civil, a restituição do lucro ilicitamente auferido, a responsabilidade diante das infrações administrativas e a efetiva responsabilização pelo crime ambiental.
Já ensinava Thomas Hobbes que “A eloquência, juntamente com a lisonja, leva os homens a confiar em quem as pratica, pois a primeira assemelha-se à sabedoria, e a segunda assemelha-se à bondade” (LEVIATÃ, 1651).
No Estado Democrático de Direito é mais do que necessário que todos os órgãos e autoridades empreguem os máximos esforços para a proteção e restauração da qualidade do meio ambiente, considerando o valor constitucional do direito ao meio ambiente não poluído. Na mesma senda, que o transporte aquaviário enquanto serviço essencial seja consolidado com máxima segurança, em prol do desenvolvimento do nosso país.