A vanguarda do Judiciário Brasileiro diante das decisões administrativas
As jurisprudências dos tribunais superiores, especialmente do Supremo Tribunal Federal – STF, vêm apresentando novos posicionamentos judiciais, que valorizam as decisões dos entes administrativos.
O ativismo judicial é fonte de descontentamento para todos os entes públicos, que veem o Poder Judiciário interferir contínua e sistematicamente nas opções políticas dos demais poderes constituídos.
Esse fenômeno nasceu no judiciário brasileiro para garantir aos menos abastados o acesso a tratamentos de saúde indisponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), mas acabou se espraiando em todos os aspectos da vida política brasileira.
A extensão do intervencionismo judicial deu a todos os interessados em obter licenças, autorizações ou contratar com o poder público, a sensação de que, se não for possível obter uma resposta satisfatória no âmbito administrativo, a questão poderá ser discutida no judiciário, sendo que lá poderiam ser alegadas todas e quaisquer matérias que fossem consideradas convenientes aos judicantes.
O processo administrativo por seu menor formalismo, orientado em regra geral pelos princípios constitucionais aos quais estão sujeitos a administração pública – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, passou a ser considerado um requisito formal a ser ultrapassado para acessar o judiciário, após a promulgação da Lei do Mandado de Segurança, que vedou a utilização deste em face de decisões que poderia ser impugnadas mediante recurso administrativo com efeito suspensivo.
Tal exigência foi relativizada por força da Súmula nº 429 do STF: “A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso do mandado de segurança contra omissão da autoridade”. Assim, o procedimento administrativo se tornou um ‘ensaio geral’ para os verdadeiros embates que seriam travados na arena do poder judiciário.
Essa realidade, que há muito tempo estava pacificada no imaginário coletivo, vem se alterando com a incorporação pelo judiciário pátrio da doutrina Chenery, importante precedente no sistema de common law dos Estados Unidos da América, que vem sendo nacionalizado para justificar a preservação das decisões discricionárias dos entes do executivo, fundadas no profícuo conhecimento técnico e expertise dos quadros que integram o seu organograma.
O precedente Securities and Exchange Commission v. Chenery Corp foi originado a partir das decisões denominadas Chenery I (SEC v. Chenery Corp., 318 U. S. 80, 1943) e Chenery II (SEC v. Chenery Corp., 332 U.S. 194, 1947), as quais apresentaram identidade de partes. No caso, a Securities and Exchange Commission (SEC), que se assemelha ao papel que na estrutura governamental brasileira é da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), aprovou plano de reorganização da sociedade federal Water Service Corporation (WSC), distinto daquele intentado pelos executivos, diretores e acionistas da companhia.
A proposta dos dirigentes era adquirir ações preferenciais da WSC antes da reorganização societária, visando a sua conversão em ações ordinárias na nova estrutura da companhia.
A SEC, no âmbito administrativo, vetou a pretensão e determinou que ações preferenciais já adquiridas pelos dirigentes fossem liquidadas pelo valor de custo somado a juros, ao contrário do que ocorreria com os demais.
A questão foi judicializada e a Suprema Corte Americana decidiu em desfavor da SEC, determinando que ele reanalisasse a determinação de liquidação diferenciada dos ativos adquiridos pelos requerentes nos limites de sua competência, já que o ato administrativo impugnado não havia sido fundamentado na lei invocada pela SEC, em juízo para justificar sua conclusão no âmbito administrativo.
Nesse contexto, definiu-se, no precedente Chenery I, que a análise e a revisão, por Tribunal, da validade de ato de agência administrativa, estariam limitadas aos motivos aventados na fundamentação de decisão tomada pela agência, não podendo o julgamento se basear em diferentes motivos.
No âmbito portuário as especificidades são abundantes, sendo necessário um hercúleo esforço da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e do poder concedente – atualmente o Ministério de Portos e Aeroportos (MPA) – ou de seus delegatários, para atender, fazendo uso de atos discricionários, as demandas da coletividade por um serviço eficiente, moderno e econômico.
Assim, o processo administrativo para concessões e autorizações no âmbito do MPA e da Antaq, sem olvidar da atuação prévia e a posteriori do Tribunal de Contas da União, deve receber, à luz dos novos entendimentos, a mesma atenção ofertada na fase judicial, quando necessária.
Deste modo, o poder judiciário atuará restrito aos fundamentos invocados pelo ente público na fase administrativa. Qualquer questão não suscitada, e sobretudo, que não tenha sido objeto de análise de cunho decisório no âmbito do procedimento administrativo, não poderá ser invocada na fase judicial para solucionar a questão apresentada, nos moldes do precedente Chenery.