Vida virtualizada
Acordei com um apelo do Papa Francisco na internet: “Por favor, não virtualizem a vida!”. Infelizmente, de nada adianta a mensagem nesse carrossel de posts com verdades e mentiras, informações e banalidades, conselhos, mentorias, coachs e publicidade.
Mas a frase martelou minha cabeça. Sou hoje um ser assustado. O que estamos fazendo com nossas vidas? As redes são como o sol. Aquecem, mas podem também esturricar. Tento selecionar o que me interessa como quem separa feijões. E orbito entre dois mundos, o real e o virtual.
Depois de muita euforia o metaverso parece ter ido pra geladeira. Mas isso não impede que sejamos avatares. O papa reforçou que a vida é o mundo real, não o virtual. A tela do celular ajuda a praticarmos nossos dias, mas também nos estraga.
O mundo real é o do convívio com os outros e a natureza. Somos seres sociais e naturais. A inteligência artificial que vá pro inferno. Não suporto mais tanta interferência em minha vida, querendo matar minha capacidade de pensar e decidir.
Nossas crianças são as maiores vítimas dessa tragédia. Hipnotizadas feito zumbis saltitantes. Mais ansiosas, menos inteligentes, cada vez mais consumistas e procrastinadoras. Estão procrastinando a felicidade.
Antes já tínhamos bullying. Sempre tivemos, assim como havia formigas no jardim. Mas enfrentávamos as situações e cada experiência nos tornava seres melhores. Agora o bullying, que antes acontecia na frente de três ou quatro, alcança o mundo de forma explosiva, deixando destroços em suas vítimas. Quanto às formigas, não nos impediam de subir nas árvores. Nem brincar. Agora, temos que curtir a Semana do Brincar como quem festeja o coelhinho da Páscoa.
Brincar é essencial, socializa, relaxa e desenvolve a criatividade. Estudar isso que ensinam, nem tanto. Uma escola de Singapura, que está à frente em muitos aspectos, escreveu aos pais que não se decepcionassem com as notas dos filhos. Afinal, um artista não gosta de matemática. Um atleta não curte física, para ficarmos em dois exemplos.
Estudar é aprender conceitos e valores, não decorar tanto lixo. As enciclopédias e o Google estão aí para fornecer o dado que precisarmos. Estudar é ler e escrever também, exercício do pensar. Quem não lê não escreve. E quem não escreve à mão, preferindo o teclado, não fixa as ideias.
O papa está certo. A comunicação moderna sacudiu o planeta e mexeu com tudo, gerando conseqüências de duas dimensões: do ser com o mundo e consigo mesmo. Estamos nos tornando seres menores e subnutridos ética e moralmente, muitas vezes, diante do mundo, numa balbúrdia dessa pauta de costumes.
Fake news é crime, bullying é dano moral. Racismo, xenofobia, discriminação de gênero etc são coisas absolutamente abomináveis. Mas menos mimimi. Agredir alguém requer punição. Tudo depende do tom das palavras. Quando ditas sem maldade, expressas em tom de amigo, não. Na incapacidade de vivermos mais felizes, radicalizamos. E os extremos são assustadores.
Não precisamos e não devemos complicar a felicidade. Não precisamos arremessar os celulares no mar. Importante é saber disciplinar seu uso, o que vale para nós e para nossas crianças.
O equilíbrio sempre foi o senhor do sucesso e do bem-estar. Com ele, não procrastinamos nossa meta individual de ser feliz. E nossas crianças, indo para as praças, praias e quintais, terão o sabor de sentir que são gente, não um triste avatar.