Aqui é diferente!
“Não importa o que você seja, quem você seja ou que deseja na vida, a ousadia em ser diferente reflete na sua personalidade, no seu caráter, naquilo que você é. E é assim que as pessoas lembrarão de você um dia.”
Ayrton Senna, piloto de Fórmula 1, três vezes Campeão Mundial.
Preparando-me para a estreia aqui no BE News, onde traremos reflexões (e provocações) sobre o mundo do trabalho e corporativo, parei para pensar no que torna a nós, portuários, tão peculiares nesse universo extenso e importante das relações no trabalho. No Brasil e fora dele.
A primeira lembrança foi a de quantas vezes ouvi a expressão “Aqui é diferente!” em cada uma das diversas empresas não-portuárias nas quais tive a oportunidade de trabalhar. Era a frase de recepção, querendo mostrar ao recém-chegado o quanto os processos e ambiente de trabalho seriam ali mais complexos, desafiadores, do que nos demais segmentos da economia.
Em nenhum deles foi necessário muito tempo para entender que, de novo, estava frente a “mais do mesmo”. Uma ou outra particularidade aqui e ali. Só.
Até há 19 anos, quando comecei a atuar como executivo em uma empresa do setor portuário. Aqui, de verdade, a banda toca de outra forma. Aqui é diferente.
Começamos pela forma de contratar. Obedecemos a um regime que não segue integralmente a C.L.T. – Consolidação das Leis do Trabalho, mas também não se enquadra nas regras aplicadas ao trabalho feito de forma terceirizada. “Requisitamos” diariamente, se necessário for, trabalhadores portuários avulsos – os T.P.A’s –, que não possuem vínculo fixo com o operador portuário que os paga, mas com uma instituição completamente estranha aos demais segmentos, um “órgão gestor”, que existe obrigatoriamente em todos os portos organizados.
Quer mais? Boa parte dessa força de trabalho está organizada em outra figura singular, as “categorias profissionais diferenciadas”. São seis, cada uma delas com um sindicato forte que a representa, com grande poder de negociação para celebrar acordos e convenções coletivas.
Tudo isso normatizado por uma lei específica criada para regrar esse e outros aspectos da atividade portuária. A “12.815”, uma pré-adolescente muito séria, prestes a completar 10 anos.
Há um pouco de exagero de minha parte até aqui?
Sim, pela empolgação com o tema, pois nas centenas de empresas portuárias, nos diversos portos do País, existem também trabalhadores nas áreas administrativas e de suporte – e até operacional – contratados de forma direta, via C.L.T. Mas, perceba: essa convivência, essa pluralidade torna o universo portuário ainda mais distinto de tudo o que conhecemos em termos de relações trabalhistas.
De uma forma geral, as características que descrevo acima existem há décadas e são bem conhecidas de todos nós que atuamos nesse mercado.
Se quisermos analisá-lo com igual intensidade frente às atuais demandas de Gestão de Pessoas, o desafio de vencer as diferenças fica ainda mais apaixonante:
O exercício da Liderança, por exemplo. Além das competências necessárias a qualquer um que se proponha a ser mais do que o antigo chefe, os líderes no ambiente operacional portuário devem ter o conhecimento para lidar com profissionais diversos, com funções distintas, contratados sob diversos regimes atuando simultaneamente, parte deles em terra (ou no costado, como dizemos) e outra parte embarcados nos navios, fortemente pressionados para produzir resultados no curto espaço de tempo em que um navio permanece atracado. O custo horário de uma embarcação parada é de milhares de dólares. “Talhar” um navio ou concluir a sua operação é uma atividade que não permite erros.
Se o assunto é qualificação profissional, também temos nossa parcela de diferença em relação a outros mercados. Embora os portos estejam literalmente embarcando mais e mais tecnologia em seus processos produtivos e haja demanda crescente por eficiência, eficácia, produtividade e redução de custos, a evolução do perfil do trabalhador portuário ainda está aquém do necessário. E aqui a crítica não cabe exatamente ao poder público, aos operadores portuários e às instituições que os representam, os quais estão fazendo sua parte, mas ao próprio trabalhador que, por razões diversas, têm respondido com mais lentidão do que o esperado. Logo eles, os principais interessados. Alguns não perceberam ser uma questão de sobrevivência. Insistem em permanecer “doqueiros”, como fomos há muitos anos.
Por outro lado, os espaços de coworking, ambientes abertos onde todos trabalham juntos, não são uma novidade no trabalho portuário – as equipes de bordo atuam coordenadas com pessoal de terra (a capatazia) e com a tripulação dos navios, que muitas vezes é integrada por marítimos de diferentes nacionalidades e idiomas. Não é coisa para amador.
É interessante notar que o trabalho portuário também difere – nesse caso de forma positiva – onde outros segmentos econômicos encontram resistência: ageísmo (ou etarismo) e conflito de gerações são pontos que quase não se discutem. É comum ver portuários de cabelos brancos – verdadeiros baby boomers no auge de sua capacidade – trabalhando lado a lado com jovens millennials. Portos, realmente, são um mundo à parte.
E o home office? Bem, … essa palavra nem consta de nosso dicionário.
E você? Reconhece essas diferenças? Espero que nos vejamos outras vezes por aqui, discutindo esse “admirável mundo – não tão novo”.