O Dia D
As guerras, por mais “santas” que alguns argumentem que sejam, são, talvez, o maior e mais antigo exemplo da barbárie humana, de seus instintos mais primitivos, que negam reiteradamente a racionalidade do ser humano.
Querem alguma coisa que não têm ou lhe negam: guerra!
São atacados e reagem: guerra!
Precisam vender armas: guerra!
Controle populacional: guerra, que também pode ser biológica!
Eliminar concorrentes: guerra, que pode ser econômica!
Quer lucrar, vendendo armas ou quebrando a economia de países: guerra!
Tem guerra para todos os maus gostos. Não à toa, muitos governantes, empresários e investidores afirmam que “O Príncipe” e “A Arte da Guerra” são seus livros de cabeceira. Pode não ser o caso de líderes religiosos radicais, mas eles também interpretam seus livros sagrados, para justificar suas guerras, em nome de um mesmo Deus.
As guerras, mesmo entre famílias, sempre geram resultados dramáticos – na vida, na arte ou na mitologia: Romeu e Julieta, e Píramo e Tisbe que o digam. No entanto, quando as guerras são civis, entre países ou mundiais, as consequências são trágicas, e há quem as queira apocalípticas.
O desejo de dominar é um componente básico que enseja uma guerra. Porém, há quem use a guerra como um instrumento de alienação da realidade: um conflito externo pode ser a “solução” para um problema interno. Não faltam exemplos disso. Às vezes, uma guerra também pode ser a reação a um ato de violência gerado em resposta a um ato de violência, pelo qual multidões pagam pelos erros de seus líderes, sofrendo inúmeras formas de violência.
Desde as primeiras civilizações, impérios foram formados a partir de guerras, com o extermínio ou submissão incondicional dos derrotados, cujas riquezas eram expropriadas; suas colheitas, confiscadas; e sua população, escravizada, violentada ou empobrecida por pesados tributos. E tudo isso era fermento para uma nova guerra. A História mostra que isso não mudou.
O imperialismo sempre existiu, só trocando de mãos, tendo a Terceira Lei de Newton como perfeita expressão, embora em níveis de ação e reação diferentes e escalares. Poderosos impérios surgiram, tiveram seu apogeu e desapareceram em função de sua própria grandeza. Enquanto prevaleceram, o fizeram pelo poderio militar, sustentado com tributos escorchantes e butins; impondo terror ou doutrinando para a obediência cega.
Guerras religiosas, as mais estúpidas de todas, existem até hoje, mesmo entre povos da mesma fé, cujos líderes, ao contrário de buscar congraçamento, incitam ao confronto por poder temporal sobre seus rebanhos, ou puro fanatismo.
Sim, as guerras são o palco ideal para insanos, oportunistas e psicopatas! Ou eles estão no poder ou deles se servem, para perpetrar atrocidades impunemente, enquanto quem as provoca lava as mãos.
A Europa já vivenciara inúmeras guerras: tribais, entre reinos, de unificação, para formar países; entre países, para formar impérios; ou contra outras civilizações, com a desculpa da fé, mas intenções bem materiais. Egípcios, assírios, romanos, otomanos, mongóis, espanhóis, portugueses, ingleses, franceses e soviéticos – entre outros, menos significativos, mas não menos violentos – fizeram suas guerras e expandiram seus impérios, por vezes competindo entre si pelas “almas” de seres humanos, numa disputa também religiosa ou ideológica. Mas todos, mesmo quando afirmavam estar libertando povos, em verdade os estavam escravizando, impondo uma verdade e poder únicos, que não podiam ser questionados. E ai de quem…
Em outro sentido, para viverem sem serem importunados, ou defenderem seu território, povos sempre recorreram ao poderio de dissuasão. Não é diferente hoje… Para tanto, se armavam, construíam muros e fossos e criavam exércitos, que tanto serviam para defender de inimigos externos, como para reprimir insurreições ou manifestações de descontentamento ou divergência, internamente.
De tanto se armar para a defesa e tentar conter problemas internos, alguns encontraram como alternativa expandir seus domínios, em busca do que lhes faltava, quando o escambo ou a negociação não resolviam.
O resultado dessas iniciativas guerreiras, por motivos econômicos, religiosos, ideológicos ou políticos, é expresso sob forma de vários ditados e frases famosas: “Si vis pacem, para bellum”; “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”; “Quem vive pela espada, morrerá pela espada”; “combater fogo com fogo”; inclusive patrícias: “Volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”, ou “Em casa onde não tem pão, todos gritam e ninguém tem razão”. Essa “casa”, no caso, é o mundo. E sempre há quem prefira jogar combustível na fogueira do que apagá-la. É mais lucrativo…
E mesmo que não haja como evitar uma guerra, ela sempre será objeto da ação de oportunistas e temerários, que colocarão vidas de inocentes em jogo, em nome de seus interesses.
Interesses econômicos e de poder secular estão na origem de todos os conflitos! O resto, é narrativa ou desculpa para a claque, ignorantes, ingênuos e crédulos, sempre vítimas de líderes carismáticos. Mas a fome e a desesperança, por mais culto e inteligente que um povo seja, tendem a criar um ambiente propício para a insanidade coletiva.
A Primeira Grande Guerra foi resultado de uma tensão que já vinha do século XIX. Entre avanços milimétricos de trincheiras, uso de gases letais e de aviões, impérios se esfacelaram, enquanto outros se expandiram. A Revolução Russa ocorreu, enfim, o mundo virou de ponta cabeça!
Finda a guerra, os membros da Tríplice Aliança (Alemanha, Império Austro-Húngaro e Itália) foram duramente penalizados pelo Tratado de Versalhes. A Alemanha, especificamente, perdeu parte de seu território, sofreu restrições militares e teve que pagar pesados tributos aos vencedores.
O empobrecimento de um povo altivo, que precisava carregar dinheiro em padiolas para comprar gêneros alimentícios básicos, foi o cenário propício para o surgimento de líderes como Mussolini e Hitler. Não foi diferente na União Soviética, com Stalin emergindo com medidas drásticas, para impor o novo regime, eliminar qualquer reminiscência do regime anterior, ou resistência dentro de seu próprio e único partido.
Estava lançada a “flecha” de um novo conflito, que a recém-criada Liga das Nações não foi capaz de evitar. Como diz o ditado chinês: “Há três coisas que nunca voltam atrás: a flexa lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida”. No Brasil, esse ditado não se aplica, no caso da palavra pronunciada, já que até o passado tem sido incerto.
Voltando às consequências da conflagração de 1914-1918, não se podia esperar dos membros da Tríplice Entente (Grã-Bretanha, França e Rússia) a magnanimidade camoniana de: “servir a quem vence, o vencedor”; mas, foi desperdiçada a oportunidade de evitar um novo confronto, de iguais ou maiores proporções.
E foi o que aconteceu, com todas as loucuras e atrocidades cometidas de parte a parte.
Mas, e o Dia D?
A Segunda Guerra Mundial teve vários capítulos, em seus vários teatros. O Reino Unido e os países membros do Commonwealth “seguraram a barra” contra a Alemanha e o Japão, nos primeiros episódios do conflito, após a derrota acachapante da França. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e a Alemanha haviam assinado o Pacto Molotov-Ribbentrop, de não agressão, pensando em dividirem entre si países do leste europeu. Porém, o acordo não tardou a ser rompido por Hitler, abrindo o front oriental. Estavam novamente formados praticamente os mesmos grupos antagônicos da Primeira Guerra Mundial, agora denominados Aliados e Eixo.
Poucos sabem, mas a figura do leasing foi criada pelo presidente Roosevelt. Mesmo ainda não tendo entrado no conflito, os EUA vinham fornecendo armas e navios para Inglaterra e URSS. Porém, as reservas financeiras britânicas foram se esgotando. Foi quando Roosevelt – antes do ataque a Pearl Harbor colocar os EUA como participante efetivo da guerra -, propôs que, em vez de vender, passaria a alugar navios, com opção de compra.
O sucesso avassalador da Alemanha passou a ser revertido quando perdeu a Batalha da Inglaterra, e as tropas alemãs e italianas foram expulsas do norte da África. O “General Inverno” também colaborou para que o Exército Vermelho recuperasse seu território, e empurrasse de volta o, até então, invencível exército alemão. A invasão da Sicília trouxe o confronto para territórios do Eixo, mas a França ainda era ocupada pelas tropas nazistas e colaboracionistas da República de Vichy.
A Operação Overlord foi cuidadosamente preparada, incluindo estratagemas criativos para confundir os alemães sobre como, quando e onde ocorreria a tentativa de desembarcar em solo francês. Esse processo gera, até hoje, livros, documentários e filmes.
E tudo ocorreu em 6 de junho de 1944, o Dia D – que um filme clássico denominou “o mais longo dos dias” -: a maior operação bélica da História. Uma ação heroica, por parte de jovens soldados, muitos dos quais perderam suas vidas, tingindo de sangue as praias da Normandia.
Esse foi o golpe decisivo no poderio nazista, que só declinou, a partir de então, até ser definitivamente derrotado.
Tanto no caso da Alemanha como no do Japão, o aprendizado do Tratado de Versalhes serviu para mudar a forma de lidar com os derrotados, na medida do possível separando o povo e países da represália a seus líderes.
Também houve outras consequências mundialmente impactantes, no pós-guerra, incluindo: o declínio do colonialismo europeu, a expansão do comunismo, a consolidação do protagonismo dos EUA e o início da Guerra Fria, com as Américas (Central e do Sul), o Caribe, a África, o Oriente Médio e a Ásia passando a ser cenário de constantes conflitos econômico-ideológicos.
Os impérios foram reduzidos fisicamente, substituídos pela influência política e econômica. Também houve um novo diferencial em relação aos impérios existentes até a Primeira Guerra Mundial: o surgimento das potências nucleares, capazes de dissuadir ou atacar a distância. É muito mais difícil superar esse tipo de poder, sem colocar a vida na Terra em risco ainda maior.
As potências mundiais tendem a impedir que esse novo modo de insanidade seja expandido – é uma preocupação justificada, por um lado, mas, em verdade, tem por objetivo não colocar seu poder sob risco. Nesse insano processo, foram produzidos bombas cada vez mais potentes e um arsenal capaz de destruir a Terra várias vezes. Loucura que, quando do episódio dos mísseis de Cuba, fez Kennedy ameaçar Kruschev, ao afirmar que os EUA dispunham de potencial para destruir a URSS várias vezes, enquanto os soviéticos só dispunham de artefatos para destruir os EUA uma vez. Kruschev respondeu que uma vez bastaria.
Assim, EUA, Inglaterra, França, Rússia e China buscaram reservar apenas para si esse poder letal, mas não impediram que Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte o obtivessem, apenas para citar alguns países que dispõem de artefatos bélicos nucleares.
Pensando na Guerra da Ucrânia, a Rússia, volta e meia, ameaça usar armas nucleares, e o mundo vive o medo dessas bombas caírem em mãos de terroristas.
O Dia D foi decisivo para evitar a expansão de um regime cruel, que talvez não tivesse existido, se o Tratado de Versalhes tivesse o enfoque adotado pelo Plano Marshall.
A esperança é que “Dias D” não sejam mais necessários, e que também não haja o risco de um Dia Z ou Ômega…