A Amazônia das Consultorias
A democracia, liderada pela competência e voltada para o povo, parece o ícone que inspira o Brasil e outros 71 países, de acordo com índice comparativo da The Economist, publicado neste ano, que inclui as democracias completas ou falhas, em um total de 167 países estudados, que agregam as demais formas autoritárias ou híbridas. Entretanto, este “bom” certamente não é para todos. Falsos profetas, hipócritas ou fariseus (conforme a linguagem preferida pela imagem mental do leitor) costumam atrapalhar a construção do presente e entregar um futuro que parecia brilhante, mas nem era tanto assim. Há neste mundo um grande capitalismo de compadrio, tipicamente fora dos holofotes.
A facilidade e os caminhos mais curtos parecem melhores, mas dificilmente é por eles que se constrói o progresso. Há alertas em textos sagrados sobre a “porta estreita” ou nos resultados de testes psicológicos, como o “teste do marshmallow” (de Walter Mischel), que indicam que retardar um benefício, com pequenos esforços no presente, levam a uma prosperidade muito maior no futuro. Assim, as massas se movem entre o baixo esforço e um futuro que nunca chega.
Mariana Mazzucato e outros autores têm alertado sobre a importância dos governos e da regulagem pública na construção de um mundo melhor, com base em fortes evidências. Seu último livro, com Rosie Collington, “The Big Con: How the Consulting Industry Weakens Our Businesses, Infantilizes Our Governments and Warps Our Economies” (“O grande contra: como a indústria de consultoria enfraquece nossos negócios, infantiliza nossos governos e distorce nossas economias”), lançado em março, pela Penguin e ainda sem tradução, faz um contundente alerta sobre como temos infantilizado as análises com superficialidade e interesses não confessáveis também nos círculos governamentais democráticos – o título em si já diz bastante.
Noutro aspecto correlato, a grande imprensa, que produzia reflexões mais densas, está cada vez mais rendida e afastada do seu papel do passado, em troca de mais mídia, mais cliques fáceis e o agradar das mentas frágeis ou cansadas, que buscam apenas heróis e vilões, como se o mundo fosse assim simples. As reflexões mais densas saíram da “grande mídia”. Uma frase que me chamou a atenção nesta semana foi do jornalista Luiz Nassif, que classificou o momento nacional como de “crise do mercado de opinião”.
Usar o alerta de Mazzucato e Collington será muito importante, para que compreendamos qual a causa que realmente queremos apoiar na construção de um mundo mais próspero e saudável, em especial na Amazônia, com menos bases em países imaginários, onde consultorias usam efeitos sem discussão das causas. As soluções não são fáceis. Queremos riqueza apenas para nós ou será permitido para todos, com a redução progressiva das desigualdades? O que é realmente a prosperidade na Amazônia em 50 anos? Um desmatamento como do Pará ou Rondônia ou uma preservação relativa, como no Amazonas? Ou um nada fazer como em alguns parques?
A Amazônia das consultorias está muito mais próxima da construção e da reconstrução do que a história relata, seja com os Maias ou com outros povos conquistados, seja pelas crateras em meio à mata destruída. As perdas históricas estão muito mais próximas da repetição do que os pequenos ganhos. Temos tido uma repetição de ações, a custa de uma exaustiva perseguição de marshmallows no presente. Não há saída simples para o progresso, pois o jeito fácil será tipicamente errado. Não há ganhos fáceis no contemporâneo, salvo ao custo de destruição do outro ou do meio ambiente. Precisamos mudar as escolhas, para que paremos de retardar o progresso ou destruir o futuro. As buscas precisam ser mais amplas.