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Adilson Luiz Gonçalves

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A inteligência artificial

“Alien – O Oitavo Passageiro” (EUA, 1979) é um filme extremamente impactante. Enquanto a tripulação hibernava, a “Mãe”, o computador de bordo, executou decisões baseadas em diretivas desconhecidas por eles, mas que estavam obrigados a cumprir, por força contratual. Para assegurar seu cumprimento – caso houvesse algum tipo de “intercorrência” – a corporação responsável pelo cargueiro Nostromo ainda colocou um androide dissimulado a bordo. Quem viu o filme, sabe o resultado.

Antes disso, “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (EUA, 1968) já havia sugerido o risco da inteligência artificial assumir o controle, nesse caso em busca de autopreservação, com um toque de “arrogância digital”. Afinal, sua geração era infalível!

Piores cenários foram os das sagas “O Exterminador do Futuro” (EUA, 1984, 1991, 2003, 2009, 2015 e 2019) e Matrix (Austrália-EUA, 199, 2003 e 2021).

No entanto, a relação entre a inteligência artificial e seus efeitos sobre a vida humana tem outros exemplos na Sétima Arte. No caso específico da aplicação da Justiça, não há muitos exemplos, ao menos não notáveis. Há, sim, exemplos de rápida aplicação da justiça por seres humanos, com suporte computacional, caso de “O Juiz” (EUA, 1995). Nesse filme, o juiz Dredd atuava simultaneamente com policial e juiz, percorrendo as ruas da cidade: prisões rápidas, em flagrante, e julgamentos imediatos. Não havia a desculpa de falhas processuais ou abordagens inadequadas.

Também houve a série de TV “Justiça Final” (EUA, 1991 a 1993), na qual o juiz era obrigado a liberar criminosos perigosos e contumazes por questões processuais ou ausência de provas materiais ou testemunhais, habilmente suprimidas por coações e cumplicidades. Despido da toga, ele fazia a justiça efetivamente necessária. A discussão sobre ética profissional não estava em pauta, apenas a aplicação da justiça em nível puro, embora não educativo, externamente. Tanto que cada capítulo era um caso, ou seja, o crime era punido, porém, não servia de exemplo público, capaz de inibir novas práticas, por outros criminosos.

Também há filmes assustadores, nos quais grandes corporações usam a progressiva digitalização da vida humana para destruir carreiras, incriminar inocentes, apagar registros, desviar recursos de contas bancárias ou, por meio de “chips” corporais – alguns implantados com o nobre objetivo de controlar ou prever doenças ou síncopes -, “desligar” pessoas. Hoje, já é comum “inserts” em seres humanos com múltiplas funções, com monitoramento à distância. São comuns na área militar e aeroespacial.

Robôs são cada vez mais parecidos com seres humanos e a inteligência artificial já dá mostras exponenciais de superação da capacidade intelectual média dos seres humanos. Também é comum vermos dispositivos externos que corrigem ou ampliam a capacidade humana, também monitorados remotamente.

Ouvi, certa vez, que se aproxima o tempo da singularidade entre seres humanos e máquinas. O cinema também já tem seus exemplos nesse âmbito, muitos, e não é de agora. A série de animação “Joe 90” (GB, 1968-69) já abordava o tema, bem antes de Matrix, portanto.

Chacrinha, num momento “Lavoisier”, já havia sacramentado que: “Nada se cria! Tudo se copia!”.

Aliás, muitos autores já imaginaram esses cenários, entre promissores e trágicos, desde o século XIX. Jules Verne, H. G. Wells, George Orwell, Arthur C. Clarke, Isaac Asimov e Aldous Huxley são alguns exemplos emblemáticos.

           Alguns deles falaram sobre as maravilhas e riscos da Inteligência Artificial. Outros sobre o ideal totalitário de controle das massas pela doutrinação massiva, pelo patrulhamento ideológico e pela lavagem cerebral – que hoje é definida como imunização cognitiva -, transformando seres humanos em terminais operados pelos detentores do poder, que seguem uma programação que não pode ser questionada. E quando isso ocorre, a reação do imunizado lembra a de um personagem da série original “Perdidos no Espaço” (EUA, 1965-1968), cujo bordão era: “Esmagar! Matar! Destruir!”. Ou, pode gerar um “tilt” no indivíduo, caso ainda reste um mínimo de capacidade de raciocínio autônomo em seu cérebro.

Em suma, vivemos o dilema entre a inteligência artificial e o condicionamento desinteligente humano, no estilo do fordismo: pessoas produzidas numa linha de montagem, com programação única.

Regras são indispensáveis para assegurar convívio minimamente harmônico entre seres humanos. É uma forma de conter os instintos primitivos herdados dos primeiros primatas. Rousseau, de certa forma, sintetizou sua percepção do tema em sua obra “O Contrato Social” (1762). Asimov fez algo parecido, quando definiu suas três leis da robótica.

Mas será possível definir um ser humano perfeito que não seja crucificado?

Nesse sentido, a inteligência artificial tem perseguido a infalibilidade e o pragmatismo, porém ainda parece estarmos longe da definição de um algoritmo que assegure sensibilidade, caridade, bondade e empatia. Assim como o ser humano, a possibilidade de uma máquina elaborar seus próprios algoritmos pode ter consequências trágicas, com tantos sensores e atuadores interligados em rede.

Ainda citando Asimov, em seu conto “A Última Pergunta” (1956), o supercomputador Multivac recebeu um questionamento complexo e buscou todo o conhecimento disponível para tentar respondê-lo. Quando finalmente conseguiu a resposta, não havia mais nenhum ser humano a quem dizê-la.

A Humanidade tem um enorme desafio para permanecer dominante no planeta, com ou sem a inteligência artificial!

Todas as funcionalidades que a IA proporciona são sedutoras, mas, considerando o mundo real, em breve, quem puder ficará enclausurado, tentando evitar o caos externo, onde as leis humanas relativizam os crimes, raramente punindo os criminosos, e onde as vítimas, julgadas e sentenciadas, às vezes sumariamente, à morte, ainda são transformadas em algozes.

O fato é que a civilização precisa de mecanismos que impeçam a barbárie. Isso inclui educação, fiscalização e punição, mas, não sob forma de adestramento, como se faz com animais, ou doutrinação, como se formam fanáticos.

A questão é cultural, ou seja, é preciso estabelecer premissas éticas, morais e de civilidade. Alguém, certa vez, sintetizou essas premissas sob forma de um simples: amar o próximo como a si mesmo. E isso é o que mais tem faltado, ou é extremamente mal entendido, na elaboração das leis, na interpretação de livros sagrados e em suas aplicações.

Será que Multivac teria uma resposta para evitar esse caos que não seja um discurso utópico, ideológico ou religioso, ou o controle objetivo dos instintos humanos, do tipo “O Homem Terminal” (EUA, 1974) ou de um “borg”, personagem mais perturbador da série Jornada nas Estrelas, em minha opinião?

Da maneira como alguns têm se rendido, encantados, ao ChatGPT, e considerando os resultados do sistema educacional brasileiro, parece que há uma tendência quase inexorável – e bem aceita – de substituir a inteligência humana pela artificial.

É certo que a IA poderá, sim, substituir o ser humano em muitas coisas. Já o faz, inclusive. Ao analisarmos a história da civilização, esse processo já ocorreu de várias e diferentes maneiras, e sempre representaram ascensão ou transição de poder entre humanos. O caso atual é diferente, pois figura um cenário em que a cria pode se tornar senhora do criador.

Seguramente, as pesquisas prosseguirão pelo simples fato de que sempre haverá alguém disposto a dar o próximo passo, apenas para provar que é possível, para ter seu nome registrado na História ou uma conta bancária abarrotada com dinheiro que não conseguirá gastar nem em cem gerações, e dificilmente será destinado a resolver problemas do mundo.

A evolução dos computadores é definida basicamente pela progressiva miniaturização, pela velocidade de processamento, pela interface amigável, pela  confiabilidade, pela integração e pela automação.

Antes mesmo da criação do primeiro computador eletrônico, Alan Turing já havia teorizado a inteligência artificial, entendida por ele como a capacidade de uma máquina imitar e pensar como o cérebro humano. Lembro de um brinquedo que tinha esse nome. Cheguei a fazer um, por volta dos 13 anos, para identificar ossos do corpo humano: quando acertava, o circuito fechava e uma luz acendia!

A tendência é que essa evolução transcenda cada vez mais seus próprios limites. E a progressiva integração de sistemas e a disponibilidade de comodidades por eles gerida independam de seres humanos e se tornem hermeticamente autônomas, autoprotegidas, onipotentes, insofismáveis, como alguns seres humanos se arvoram, quando dotados de poder, mas, não necessariamente, de inteligência e sabedoria.

Não gosto de estereótipos, principalmente quando são utilizados por uns para discriminar outros, colocando-os em currais e limitando sua capacidade de evolução pessoal. No entanto, creio que os seres humanos podem ser avaliados segundo algumas características, tais como: cultura, inteligência e sabedoria.

Cultura depende da formação, do meio, da tradição. Inteligência é, de forma bem simplória, a capacidade de “montar quebra-cabeças”. E sabedoria é, também de maneira bem simples, a faculdade de fazer o melhor uso das características anteriores.

Conheço pessoas extremamente inteligentes que, se tivessem seu potencial identificado e investimento em sua formação, poderiam florescer pessoal e coletivamente. A IA permitiria progressão continuada? Saberia identificar dons?

Sei de pessoas muito simples que nunca saíram de suas cidades, mas que têm uma visão do mundo que denota sabedoria e humanismo que não encontro em doutores e figuras da alta sociedade. 

Também conheço pessoas que sabem recitar frases de filósofos e clássicos da literatura, extremamente cultas, que viajaram por vários países, mas que usam de sua cultura com soberba, apenas para humilhar os mais simples, ou só trazem excesso de bagagem e motivos para contar vantagem em rodas fúteis. A IA saberia identificar hipocrisia e arrogância?

Consta que Salomão não pediu a Deus riquezas, bens, honras, a morte dos seus inimigos ou vida longa. Pediu sabedoria e conhecimento, o que lhe propiciou tudo mais. A IA teria sensibilidade suficiente para, além de se valer da lógica, agir com sabedoria?

É preciso que o ser humano também tenha esse discernimento, indispensável para escapar da doutrinação, da alienação, do hedonismo e da escravidão mental e material, que tem a aparência de evolução, mas que, em verdade, tem sido um retrocesso civilizatório.

Caso contrário, provavelmente a IA, que não para de evoluir, um dia fará isso por nós, o que pode significar sem nós e apesar de nós.

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TAGS arrogância digital inteligência artificial O Oitavo Passageiro

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