O bem fazer
Roberto Campos teria proferido algumas – várias – frases de efeito, tão irônicas quanto, infelizmente, realistas. Seguem algumas delas: “Fiquem tranquilos, o Brasil não tem a menor chance de dar certo”, “A burrice no Brasil tem um passado glorioso e um futuro promissor” e “A diplomacia é como filme pornográfico: é melhor participar do que assistir”.
Amado por uns e odiado por outros, ele viveu cada momento da história recente do País e, tristemente, suas frases permanecem atuais, bem como outra, atribuída a Pedro Malan: “No Brasil, até o passado é incerto”.
Considerando os países com maior extensão territorial e população, o Brasil tem tudo, absolutamente tudo, para dar certo, inclusive a oportunidade de construir sua própria identidade, mesclando todas as culturas e etnias que o compõem.
No entanto, vivemos um infindável processo de submissão a modismos e colonialismos ideológicos importados. Temos sido o “papel carbono do mundo” por décadas, quiçá, séculos!
Paulinho da Viola, em uma de suas canções, afirmou: “As coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender”. Acredito, sim, que as coisas estão no ar, disponíveis a qualquer um que tenha a capacidade de observar, pensar e concluir autonomamente, o que não é fácil, tantos são os que buscam sequestrar as mentes de crianças e jovens, impondo-lhes suas crenças e “verdades”. Por isso, sobretudo no campo das ideias, desconfio de teorias que incorporam os nomes dos que pretensamente se arvoram “descobridores da roda ou da pólvora” e de seus discípulos, que vivem desse “culto à personalidade”.
Ideias podem ter consequências concretas, para o bem ou para o mal.
O humanismo é diametralmente oposto à eugenia, mas pode haver quem considere adotar modelos “híbridos”, os tais “fins que justificam os meios”.
Guardadas as devidas proporções, é possível ver capitalistas selvagens apoiando financeiramente organizações de esquerda, ou corporações que exploram de forma predatória recursos naturais e seres humanos, em alguns países, apoiando movimentos ambientalistas, em outros. Há quem lucre muito quebrando economias de países ou impedindo seu desenvolvimento, de formas nem sempre visíveis, não raro por meio de fundações que alegam os mais nobres motivos – altruísmo de fachada, usando o ativismo local como “braços longos” de seus interesses de poder político ou econômico.
Há exceções, é verdade. Mas no caso dos países pobres ou em desenvolvimento, o que se vê é a constante ação das nações desenvolvidas e corporações multinacionais, algumas apátridas, em nome da manutenção de sua hegemonia ou de mercados fornecedores, a baixo custo, e consumidores, que pagam caro.
Essa ação inclui vários expedientes, que incluem exigências draconianas que não cumprem, protecionismos e um discurso de globalização e ambientalismo ambíguo, pois sua definição muda de acordo com a conveniência do momento ou a quem se aplica.
A preocupação com o meio ambiente é o principal mote, tão necessária quanto apaixonante! No entanto, o que os países desenvolvidos efetivamente estão fazendo para corrigir seus erros do passado? Manter a dependência econômica e tecnológica dos países pobres em troca de recursos para manutenção de suas florestas?
No caso do Brasil, o agronegócio, principal produto de exportação e grande gerador de empregos, é demonizado interna e externamente, mas, não se vê iniciativas na França para reflorestar áreas de vinicultura ou pastos para rebanhos que resultam em seus “mais de 300 queijos”. Pelo contrário, um fazendeiro francês esteve no Brasil onde, com apoio de ativistas brasileiros, participou da depredação de uma fazenda.
O alto padrão de vida e salários dos europeus ainda têm sido suficientes para bancar o protecionismo que seus governos asseguram, evitando reações negativas de seus produtores. Porém, no caso de países em desenvolvimento, sua economia depende das exportações até para garantir um prato de comida para seus menos favorecidos, além de saúde e educação, para buscar dias prósperos.
Nos países ricos, educa-se para predominar. Nos países pobres, onde o populismo grassa, educa-se, consciente ou inconscientemente, para o conformismo e o consumismo ideológico, sob o verniz da igualdade social. E cultura do “não fazer” predomina em várias esferas, por ignorância, oportunismo ou inconsequência.
Lá como cá, as massas são manipuladas segundo os interesses do poder dominante, não necessariamente pelo bem do povo e felicidade geral da nação.
Nos países desenvolvidos, criar solo no mar é uma necessidade estratégica, que licenciamentos ambientais condicionam, mas não impedem. No Brasil, são tantas restrições e reações contrárias, que o “não fazer” virou regra, deixando de gerar empregos e recursos que fazem falta na saúde, na habitação e na educação.
Tão prejudicial quanto a falta de visão estratégica de um governo é o entendimento enviesado, proselitista e inconsequente de quem exerce sua função sustentado por recursos públicos ou por entidades estrangeiras, que hipocritamente financiam fora de seus países o que não fazem localmente.
Sim, há muita hipocrisia e interesses escusos envolvidos nas relações internacionais, o que não é de hoje.
Certa vez, ao participar de uma banca acadêmica, os alunos mostraram gráficos que indicavam a evolução do desmatamento nas décadas mais recentes. A ênfase estava na América do Sul e Ásia. Perguntei se a fonte consultada teria o mesmo gráfico relativo a períodos anteriores, sobretudo dos séculos XVIII e XIX e da primeira metade do século XX. A resposta foi negativa.
Os gráficos apresentados servem, com certeza, para mostrar o quanto isso pode afetar as condições ambientais do mundo! Mas, seu foco é tendencioso, na medida que não imputa a devida responsabilidade aos países desenvolvidos em recuperar o dano que causaram em seus territórios.
Eles são usados para condenar os países em que isso ocorre atualmente, colocando os países ricos como “paladinos da humanidade”, se propondo a investir o que lhes sobra em troca da restrição ao desenvolvimento econômico dos países “beneficiados”.
Suas atitudes bem caracterizam o ditado: “Por fora, bela viola. Por dentro, pão bolorento” ou, mais diretamente, o fato de que as aparências enganam. Pode ser, mas, só a quem aceita ser enganado ou vive e lucra com isso.
Não à toa, quem defende seus interesses é celebrado internacionalmente! Afinal, esse ativismo tem dupla utilidade: coloca esses países como defensores de nobre ideais, ao mesmo tempo em que asseguram a submissão dos países pobres aos seus propósitos.
A colonização econômica substituiu eficientemente a territorial, e o interesse dos países ricos é de manter esse status quo indefinidamente.
Assim, a falta de equilíbrio entre o idealismo e o pragmatismo, entre o bom senso e a hipocrisia, entre o radicalismo e o racionalismo continua a ser empecilho ao efetivo desenvolvimento sustentável e à autodeterminação de nações, o Brasil incluso nesse contexto.
O custo do não fazer e da submissão a interesses externos é muito superior ao do fazer sustentável.
Infelizmente, a ironia da primeira frase de Roberto Campos permanece atual, considerando todos os múltiplos meios que os adeptos do “não fazer” têm a sua disposição.
O Brasil precisa se desenvolver em todos os âmbitos e sentidos, para ter uma economia consistente e dar condições para que seu povo se livre da escravidão, imposta ou consentida, do populismo e do assistencialismo. Para tanto, é indispensável ter visão estratégica, de Estado, e consciência individual, para que o discurso sedutor do “não fazer” seja substituído pela prática do bem fazer sustentável.