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Adilson Luiz Gonçalves

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Sustentabilidade e desenvolvimento humano

Participei recentemente de um evento que teve como tema “Mudanças Climáticas”.

No primeiro painel, o destaque ficou para apresentações basicamente acadêmicas, apresentando dados preocupantes e alertas necessários. A mudança de cultura de consumo foi uma das soluções apontadas, não muito diferentes das comumente sugeridas. No entanto, embora a questão seja global, ainda prevalece uma visão cartesiana, uma tendência de cada um valorizar sua área de conhecimento, carecendo de um entendimento holístico, pleno, do sentido de sustentabilidade.

De fato, é bastante complexo conciliar equilibradamente aspectos ambientais, sociais e econômicos. O discurso ambiental tem predominado, o que é justificável. 

Recuperar manguezais, restingas, encostas, mata de jundu e dunas são soluções baseadas em ecossistemas naturais. No entanto, o que fazer com as pessoas que, por falta de meios dignos de sustento, ocupam áreas de risco e de mananciais?

Não basta transferi-las para locais mais adequados: é preciso gerar empregos, para que possam se sustentar e progredir; e tributos, para que os governos tenham recursos para fomentar e manter programas habitacionais, transporte público, saúde, educação e segurança.

E o que fazer com áreas antropizadas, urbanizadas, densamente habitadas?

As formas de enfrentamento normalmente incluem três alternativas: remoção, com restituição das condições naturais; adaptação ou obras de proteção.

Uma das palestrantes do primeiro painel ponderou que, na Praia da Enseada, em Guarujá, foi possível recuperar o sistema de dunas. Já no caso do orla de Santos, não há como utilizar o mesmo modelo, pois implicaria na remoção de toda a urbanização existente. Nesse caso, a solução fica entre a adaptação e obras de proteção costeira artificiais.

No segundo painel, o representante da Prefeitura de Santos alertou contra o catastrofismo presente em certos discursos, e a importância da educação ambiental e de ações efetivas de enfrentamento do problema, mostrando exemplos locais. Já o representante de Praia Grande informou sobre importante iniciativa de descarbonização do transporte coletivo em seu Município.

Por fim, o representante do Instituto Cidades Sustentáveis discorreu sobre o modelo adotado pela entidade, para aferição dos municípios brasileiros, com destaque para a Baixada Santista. A entidade criou o Índice de Desenvolvimento das Cidades Sustentáveis – Brasil (IDCS-BR). Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das referências utilizadas.

Todos os participantes salientaram que os 17 ODS estão interligados, pois afetam ou são afetados por questões ambientais, sociais e econômicas. Essa é a visão que deve permear qualquer ação voltada à sustentabilidade: holística e integradora, ponderando alternativas e suas consequências!

Nesse sentido, chamou atenção o fato de que, tanto o IDCS-BR, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e os ODS têm em comum a palavra “Desenvolvimento”, que tem como tradução: crescimento e progresso.

Considerando as atitudes e propostas de alguns setores radicais, públicos e privados, o desenvolvimento sustentável está sendo substituído por estagnação ou retrocesso econômico, com implicações na estabilidade social e, até, na segurança alimentar.

Infelizmente, o momento atual é de interpretação ou de atribuição aleatória, conveniente, de outros sentidos a palavras do dicionário. Isso, afora neologismos, que fariam Carlos Drummond de Andrade revirar na cova.

Curioso com os dados apresentados pelo representante do Instituto, questionei se já teriam feito uma correlação do IDCS-BR com o IDH. A resposta foi negativa, mas, gerou uma conversa e troca de contatos, pois, ele entendeu que essa comparação seria interessante, já que o motivo de minha pergunta foi a possibilidade de identificar se cidades sustentáveis também apresentam melhor desenvolvimento humano.

Seria um belo argumento, para superar certos discursos panfletários, inconsequentes, que têm mobilizado sobretudo jovens contra qualquer empreendimento ou atividade econômica que contrarie seus mentores.

O momento exige massa crítica e não de manobra!

Não contente em questionar e sugerir, resolvi buscar informações, não necessariamente acreditando numa “profecia autorrealizada”, pois, sou cético por natureza, tipo São Tomé.

Assim foi, que recorria aos dados do próprio Instituto Cidades Sustentáveis, ao IBGE e ao PNUD – Brasil (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Olha o “desenvolvimento” aí, novamente!

Não seria viável abranger todos os 5.568 municípios brasileiros, por isso, selecionei apenas os 20 primeiros classificados pelo IDCS-BR e as cidades da Região Metropolitana da Baixada Santista.

O IBGE forneceu o IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – 2010), a área territorial, a área urbanizada e a população estimada (2021) do municípios selecionados. É necessário destacar que o IDHM considera grau de escolaridade, renda per capita e saúde/longevidade.

Todos os municípios considerados 28 (Santos está bem ranqueada nesses dois índices) apresentam IDHM “Alto” ou “Muito Alto”.

A partir desses dados, calculei o percentual de urbanização e a densidade demográfica de cada município listado. Em seguida, verifiquei a correlação entre o IDCS-BR e o IDHM de cada município, e desses índices com a densidade demográfica e com o percentual de área não urbanizada dos municípios.

Já disseram que “Estatística é a arte de torturar os números até que eles confessem”. Então, torturando os números, foi possível observar que, enquanto a correlação entre o IDCS-BR e o IDHM não é tão evidente, ela é significativa, para os dois índices, quando relacionada ao % de urbanização e densidade demográfica. Isso se deve ao fato do IDCS-BR se referir a áreas urbanizadas. A primeira colocada por esse índice é São Caetano do Sul, que tem 99,99% de seu território urbanizado.

Dos 20 municípios mais bem avaliados pelo IDCS-BR, 3 (Borá, Japaraíba e Taguaí) ficaram bem distantes do topo, quando a classificação é o IDHM. Outro destaque é que 6 (Itupeva, Sertãozinho, Porto Feliz e os três anteriormente relacionados) ficarão atrás de São Vicente, que só perde para Bertioga. Mas, é curioso notar que mesmo os Municípios não tão bem avaliados pelo IDCS-BR, dentre os considerados, apresentam IDHM “Alto”. Também foi notável que as cidades que têm IDHM “Muito Alto” (lembrando que esse índice considera: Educação, Renda e Saúde/Longevidade), também são bem avaliadas pelo IDCS-BR, e têm elevados percentuais de urbanização, exceção feita a Santos.

É possível, então, relacionar sustentabilidade com desenvolvimento humano?

Dentre as 20 cidades com maior IDCS-BR, vejamos as colocações de algumas delas, filtrando por critério:

 

São Caetano (Primeira colocada em 4 dos 5 itens):

IDCS-BR:

IDHM:

% Área urbanizada: 1º, entre as com maior área urbanizada (99,99%)

Densidade demográfica: 1º, entre as com maior densidade demográfica

PIB per capita: 5º, entre as com maior renda per capita

 

Durante o primeiro painel do evento, foram utilizadas expressões do tipo: “selvas de concreto” e “ilhas de calor” associadas. Como fica São Caetano, 1º lugar em sustentabilidade e desenvolvimento urbano, nesse contexto, com praticamente nenhuma área não antropizada e uma densidade demográfica tão significativa?

 

Jaguariúna (Primeira colocada em 1 dos 5 itens):

IDCS-BR: 20º

IDHM: 10º

% Área urbanizada: 5º, entre as com maior área urbanizada

Densidade demográfica: 8º, entre as com maior densidade demográfica

PIB per capita: 1º, entre as com maior renda per capita

 

Os dados de Jaguariúna também mostram que é possível associar sustentabilidade com desenvolvimento urbano. Entretanto, é importante destacar que PIB per capita não necessariamente está associado ao desenvolvimento humano, pois depende de como a renda é efetivamente distribuída.

 

Santos:

IDCS-BR: 16º

IDHM:

% Área urbanizada: 7º, entre as com maior área urbanizada

Densidade demográfica: 2º, entre as com maior densidade demográfica

PIB per capita: 10º, entre as com maior renda per capita

Bertioga (Cidade com o menor IDCS-BR da RMBS):

IDCS-BR: 1267º

IDHM: 1021º

% Área urbanizada: 22º, entre as com maior área urbanizada

Densidade demográfica: 22º, entre as com maior densidade demográfica

PIB per capita: 19º, entre as com maior renda per capita

 

Outra curiosidade é que Bertioga, cujo território é 93,92% não urbanizado, de ocupação restrita por legislações ambientais, teve fraco desempenho das avaliações de IDCS-BR e IDHM.

 

Taguaí (Cidade com a maior diferença entre o IDCS-BR e o IDHM):

IDCS-BR:

IDHM: 1638º

% Área urbanizada: 26º, entre as com maior área urbanizada

Densidade demográfica: 24º, entre as com maior densidade demográfica

PIB per capita: 26º, entre as com maior renda per capita

 

Taguaí, das cidades consideradas, foi a que apresentou maior diferença entre os dois índices. Considerando apenas essa decalagem, poder-se-ia deduzir que o fato de ser bem avaliada, do ponto de vista de sustentabilidade, a cidade não é um ambiente propício para o desenvolvimento humano.

 

Serra da Saudade (MG) é considerado o menor município do Brasil, segundo do IBGE. Sua população estimada é de 771 habitantes (2021), dispostos numa área de 335,659 km2, sendo apenas 0,24% urbanizada. Seu IDHM é 0,677 (Médio), e seu IDCS-BR é 52,44 (1123º lugar).

 

Assim, IDCS-BR se refere fortemente às áreas antropizadas dos municípios.

 

O presente artigo não tem qualquer pretensão de rigor estatístico, mas, dando prosseguimento à tortura de dados, resolvi criar um Índice de Desenvolvimento Integrado (IDI), relacionando o IDCS-BR, o IDHM e a % de urbanização do Município. O critério de análise adotado foi, quando maior o IDI, mais a cidade concilia sustentabilidade, desenvolvimento humano e menor ocupação de território.

 

Com base nesse critério, 14 (catorze) municípios mais bem avaliados pelo IDCS-BR, permaneceriam no “Top 20”. Em contrapartida, São Caetano, Vinhedo, Valinhos e Jundiaí, que antes ocupavam entre a 1ª e a 6ª posições, iriam para o final da fila, dentre as cidades consideradas.

 

Foi deixado claro, ao longo do texto, que não se trata de um artigo científico, mas, de uma busca de aprofundamento sobre as manifestações e dados apresentados no evento.

Existem múltiplos e diversificados indicadores e índices disponíveis, cada um com seus métodos, critérios e intencionalidades.

 

A dificuldade está em encontrar um meio de efetivamente evitar que prevaleçam discursos panfletários, apocalípticos, baseados em “achismos”, “certezas absolutas”, “canetadas”, proselitismos, hipocrisia e radicalismos, impondo entendimentos enviesados ou autoritários sobre sustentabilidade. Esse tipo de ativismo nada agrega à solução do problema, preferindo combater a dialética dos argumentos com a desqualificação de quem discorde de seus dogmas.

 

É preciso ter visão holística, ainda mais considerando o cenário das mudanças climáticas.

 

São inúmeras as variáveis envolvidas e, sem dúvida, as ambientais se destacam.

 

Ainda durante o evento, foi dito que as mudanças climáticas tendem a impactar severamente a segurança alimentar do mundo. Para mitigar esse risco, ainda mais com o constante crescimento da população global, é preciso otimizar meios de produção. Isso é possível com agricultura orgânica?

 

Alguns culpam o consumismo. De fato, há pessoas que compram por compulsão e descartam sem consciência ambiental. Mas, e os empregos do setor de produção e serviços: como ficam se o consumo decair?

 

Falar de carros elétricos virou moda. Porém, o etanol é menos impactante. A matriz energética do Brasil é a mais “limpa” do mundo, mas, somos criticados por quem consome carvão, gás e energia nuclear.

As energias alternativas são necessárias, porém, ainda caras, o que pode impactar no preço dos alimentos. Isso não é problema para quem pode pagar, mas, e quanto a quem ganha pouco? Alguns dirão que cabe aos governos subsidiarem. Mas, de onde vêm os recursos dos governos? Vêm da economia!

 

O planeta tem várias limitações. O risco das mudanças climáticas é dramático, mas não é o único, as guerras, revoluções e epidemias que o digam. Esses riscos são difusos e interativos!

Assim, é preciso ir muito além da retórica, do discurso apaixonado, das palavras de ordem, de modismos e da doutrinação para enfrentar objetivamente o problema.

Adilson Luiz Gonçalves

Engenheiro, Pesquisador Universitário e Escritor

Membro da Academia Santista de Letras

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TAGS aspectos ambientais dados preocupantes e alertas necessários sociais e econômicos

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