Vida kitsch
‘Nada é o que é’, concluo agora que temos redes sociais. E mais adiante você vai entender por quê.
Antes comprava remédio pra calos na rua. Agora as soluções milagrosas são inúmeras a nos iludir, com frete grátis. Os confessionários não cobravam nada por bons conselhos, tampouco os pais e os avós. Mesmo o melhor amigo, apesar de dizerem que se conselho fosse bom, não se dava de graça. Hoje, na enxurrada midiática de coachs, mentores e coisas tal, cobram-se valores variados para monetizar a vida. De grão em grão, ganha-se dinheiro ‘ensinando’ como ganhá-lo ou como aprender a ser feliz – ou otário.
Posts poluem minha cabeça com tanta dúvida. Não falo mal das redes sociais, elas desaguaram um mundo de verdades, tirando as mentiras do armário. Tínhamos falsas informações, mas também grandes verdades repassadas por sábias gerações. Verdades agora muitas delas contraditadas por tantos experts.
Já não sei que conselhos seguir. São milhares os exemplos, como: arrumar a cama ao se levantar traz benefícios à saúde mental de quem acorda. Outro post: nunca arrume a cama. Você estará espalhando milhares de ácaros no ar que respira.
Delfim Netto, por óbvio não afeito à atividade física, gravou mensagem explicando que exercício faz mal à saúde. Nada como vida sedentária. E, homem da matemática, disse categoricamente que o coração é feito para ter 1.432.729.226 batimentos ao longo da vida. Exercitar-se significa apressar o uso dele e gastar precocemente o crédito.
Fiquei imaginando alguém vendendo nas redes sociais um contador com led indicando, feito carga de bateria, a quantas anda seu coração. Poderia ser posto no pulso do recém-nascido até que um belo dia, o cidadão, em meio a um futebol com amigos, fosse alertado com sinal sonoro e mensagem em vermelho: ‘Carga insuficiente. Troque seu coração ou se despeça’.
Você é jurássico, dirão alguns. Outros entenderão por que tenho tanta dúvida sobre ‘o que é’ de fato. Assim também com a atual existência. A vida virou fake life. O mundo fake world. Nós então…
Não somos o que realmente somos. Frequentamos nossas vidas e o mundo em viagens sem fruirmos, preocupados que estamos com o post que faremos a seguir. Ou seja: nós e nossas vidas somos apenas uma versão, não o real como sentimos de verdade.
Pior agora com a expansão da Inteligência Artificial, essa criação divina que começa a mudar tudo na vida, para o bem e para o mal. O Photoshop deixou as fotos para trás. A onda agora do instagramável é você produzir e assistir vídeos de paisagens produzidos com os olhos e os pincéis de Matisse, por exemplo. Belas imagens! Muito do que vemos hoje não é real. Muitos lugares, e muita gente, foram criados não por Deus, mas por um nerd qualquer até num celular.
Décadas atrás criticava-se o que fosse kitsch, especialmente estimulado pela moda. Kitsch era tudo não original que se espelhava em algo já existente. Como uma tela decorativa que remetia a uma obra de Cèzanne.
Kitsch não era só o pinguim de geladeira.
Hoje, tal a manipulação da realidade, vivemos uma vida kitsch. Pois além de não sabermos o que é certo comer, beber ou fazer, não sabemos se o que vemos realmente existe. Vivemos uma falsa identidade do mundo, e o que é pior, de nós mesmos, de quem somos simplesmente tosca versão.
O ser está sim virando kitsch!, nesta triste sociedade onde cada vez mais a comunicação nos transforma em lamentáveis personagens de uma imaginada vida na virtual shangrilá daqui.