Região Sudeste
“O Açu já está consolidado como uma solução logística para a importação de fertilizantes”
Entrevista
João Braz, diretor de Terminais e Logística do Porto do Açu
O Porto do Açu, no Rio de Janeiro, embarca em uma jornada de diversificação de negócios e sustentabilidade, com a intenção de se tornar um ponto de referência para soluções logísticas inovadoras. Uma dessas iniciativas inclui uma parceria estratégica com a empresa Toyo Setal para desenvolver uma planta de produção de fertilizantes nitrogenados no complexo. Essa e outras novidades foram compartilhadas por João Braz, diretor de Terminais e Logística do Porto do Açu. Confira mais detalhes na entrevista a seguir.
O Porto do Açu está diversificando seus negócios e explorando soluções mais sustentáveis. Um dos eixos explorados é atrair operações de fertilizantes, iniciativa desenvolvida em parceria com a Toyo Setal. Quando a produção de fertilizantes começará no Porto do Açu?
A parceria entre o Porto do Açu e a Toyo Setal para desenvolver uma planta de produção de fertilizantes nitrogenados no Porto do Açu (RJ) busca por investidores estratégicos para o projeto. A estimativa é que a futura planta tenha capacidade de produzir 1,38 milhão de toneladas de ureia e 781,5 mil toneladas de amônia por ano a partir do aproveitamento do gás natural, com a previsão de operação para até cinco anos a partir de decisão de investimento, que pode chegar a U$ 3 bilhões somente na construção da planta. O Açu já está consolidado como uma solução logística para a importação de fertilizantes. Este acordo com a Toyo Setal nos permite dar um passo adiante em nossa estratégia de estabelecer o Açu como um polo de produção de fertilizantes no Brasil, contribuindo para ampliar a produção nacional e balancear a nossa dependência à importação.
Como esse nicho – o de fertilizantes – foi identificado? Qual será a participação dessa unidade no mercado de fertilizantes brasileiro?
Em 2022, mais de 90% dos fertilizantes nitrogenados consumidos no Brasil foram importados. E com a guerra entre Rússia e Ucrânia, a necessidade de reduzir essa dependência ficou ainda mais latente. O Açu reúne características que tornam a localização dessa planta atraente para players nacionais e internacionais que buscam atender à urgente demanda do mercado interno por fertilizantes e à crescente demanda regional. Com 40 km² de área disponível, água de uso industrial disponível e acesso ao gás competitivo, o Porto permite construir e ativar a primeira fase (cinza, com gás natural) de uma fábrica para produção de fertilizantes nitrogenados. A parceria com a Toyo Setal, com mais de 80 projetos de amônia e mais de 100 projetos de ureia em todo o mundo, comprova que o Açu é o local mais competitivo para fertilizantes no Brasil.
Como o processo de construção da fábrica está sendo desenvolvido? O que já foi feito? Quais os próximos passos? O que falta fazer?
Neste momento, Porto do Açu e Toyo Setal estão apresentando a planta ao mercado para investidores. Em paralelo, estão sendo estudadas viabilidades ambientais e licenciamentos necessários. No Açu, já é disponível o acesso ao gás competitivo, o que habilita a operação de uma fábrica de fertilizantes nitrogenados cinza para atender à crescente demanda regional, já que a parceria com a Toyo Setal foca primeiro na tecnologia que explora o gás como matéria-prima para a produção de fertilizantes. No futuro, energia renovável e produção de hidrogênio verde no Açu viabilizam a fase da produção de amônia e ureia azul e verde. Com o início da operação das plantas de hidrogênio verde no Açu – que já possui acordos assinados e em andamento com SPIC Brasil, Shell Brasil, EDF Renewables e Linde/White Martins –, será possível produzir fertilizantes tendo o hidrogênio verde como insumo.
Quais as vantagens de ter uma fábrica de fertilizantes em uma área portuária?
O Porto do Açu possui infraestrutura portuária para receber os maiores navios do mundo e por ser o único totalmente privado do país, consegue realizar operações totalmente customizadas para os clientes, com otimização de tempo e investimento. Por meio do Terminal Multicargas (T-MULT), o Açu se consolida como a alternativa logística mais eficiente para aumentar a competitividade das indústrias e do agronegócio do Sudeste e do Centro Oeste e está investindo na expansão da capacidade do terminal para alavancar ainda mais as operações de sua área de atuação. Este ano, mais dois armazéns foram inaugurados, aumentando em quatro vezes a capacidade estática de armazenamento – 110 mil toneladas – e duplicando a área alfandegada do terminal para 360 mil m². Desde 2021, quando colocou o Rio de Janeiro no mapa do agro nacional, o porto passou a ser uma solução logística principalmente para empresas do agronegócio localizadas nos estados do Mato Grosso, Minas Gerais e Goiás, região que responde por quase metade da demanda nacional de fertilizantes. Hoje, é o gateway mais competitivo para 50% da demanda mineira e capaz de capturar uma região que consome 1,6 tonelada de uréia e deve aumentar a demanda para 2,5 toneladas até 2030.
Qual será o destino desse fertilizante?
A produção de fertilizante reduzirá a importação e dependência brasileira. O agronegócio brasileiro ainda é muito vulnerável. Em 2022, a dependência brasileira de fertilizantes importados foi mais de 90% para os nitrogenados. Os recentes desafios geopolíticos evidenciaram prioridade e urgência na mudança do altíssimo nível de dependência de importação de fertilizantes, fazendo com que iniciativas que visem reduzir a dependência tenham grande importância estratégica e de soberania para o País. O projeto permitirá atingir competitivamente um raio de influência em importantes regiões agropecuárias do país como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás, Distrito Federal, Bahia e Rio de Janeiro. A taxa geométrica de consumo anual (TGCA) de nitrogênio em fertilizantes do raio de influência do Porto do Açu, sem considerar o Rio de Janeiro, cresce 3,2% ao ano a mais que a do Brasil.
Qual a vantagem de utilizar o gás natural como matéria-prima?
A parceria focará inicialmente na tecnologia que utiliza o gás natural como matéria-prima para a produção de fertilizantes, permitindo a operação imediata da planta. A chegada de gás é uma virada de chave no Açu, porque proporciona proximidade ao ponto de conexão do gás e menos custos de transporte; preço de gás mais competitivo; e torna este o único porto no país com capacidade de crescimento industrial. Em uma primeira fase, a amônia azul será produzida no Açu com gás natural produzido nos campos de petróleo offshore do Brasil, como o do promissor projeto BM-C-33, da Equinor. Como como parte desse plano, está em andamento uma licitação para selecionar a empresa para construir um gasoduto onshore do terminal de recebimento de Cabiúnas, em Macaé (RJ). A previsão é de que o gás nacional comece a chegar até o final de 2026, com início das operações em 2027. Trata-se de um desenvolvimento concomitamente – gasoduto, molécula, demandantes – para criar no Açu o tão esperado Cluster de gás de alta eficiência e competitividade.
A unidade de fabricação também prevê produzir amônia verde a partir do hidrogênio. Com isso, o projeto de fertilizantes também entra no segmento de transição energética. Qual o potencial desse projeto de hidrogênio verde? A que mercado ele será destinado? Doméstico ou internacional?
Numa segunda etapa, a parceria com a Toyo Setal prevê também a produção de amônia verde, obtida a partir do hidrogênio via eletrólise da água. Neste ano, o Açu deu início ao licenciamento ambiental de um cluster de hidrogênio de baixo carbono no Açu com 4GW de capacidade instalada. Enquanto a amônia verde produzida no Açu poderá ser exportada, o hidrogênio produzido no Porto do Açu pode ser usado in loco para fabricação de fertilizantes para consumo interno. Isso contribuiria não só para melhorar a balança comercial brasileira, mas também para reduzir a pegada de carbono na cadeia produtiva do agronegócio – que tem se tornado uma exigência crescente de alguns mercados internacionais. E já foram feitos estudos de demanda. A hinterlândia do Porto do Açu, principalmente a área próxima de Minas Gerais, produz café, um produto premium que se beneficiaria mercadologicamente da substituição de um fertilizante com grande pegada de carbono para um fertilizante verde. Uma planta de amônia verde no porto capturaria parte dessa demanda já identificada.
E os atuais projetos de hidrogênio verde do porto, como estão o desenvolvimento deles?
O foco do Porto do Açu é a garantia de consumo industrial interno do hidrogênio de baixo carbono. Nos últimos anos, firmamos parcerias com grandes players mundiais para o desenvolvimento de novos negócios, corroborando a assertividade de nossa estratégia e o potencial do Açu como o porto da transição energética. Para isso, o porto firmou algumas parcerias para desenvolver em plantas-piloto de hidrogênio verde nas instalações do porto, com expectativa de produção em 2026. São projetos com capacidade inicial de 10 MW de eletrólise, podendo chegar a 100 MW em uma fase posterior. Parte do H2V será armazenada e enviada a potenciais consumidores no Sudeste do Brasil. E outra parte será destinada à planta de geração de amônia renovável. A planta-piloto, com caráter de projeto de pesquisa, também auxiliará na realização de testes de descarbonização para impulsionar essa indústria no país. Outras alternativas de geração de hidrogênio verde para mobilidade ou de projetos de larga escala, integrados com projetos de redução direta de minério de ferro também estão sendo estudados no Porto do Açu. Entre os memorandos de entendimento assinados com foco no desenvolvimento de projetos de hidrogênio, podemos citar as parcerias com Shell, Linde, Equinor, SPIC e Comerc Energia. O Açu é também o único porto com área de 1,2 milhão m² para licenciamento em andamento para a instalação de um hub de hidrogênio verde e derivados de baixo carbono, a ser alimentado pelas plantas de energia solar e pela chegada dos cabos de energia provenientes dos parques eólicos offshore no porto.
Que posição o Porto do Açu pretende ocupar no mercado de energia verde do Brasil? Qual o papel que deseja desempenhar?
A ambição do Porto do Açu é que até o final desta década os projetos de baixo carbono estejam implementados, sendo um dos poucos portos no mundo com industrialização fóssil e renovável atuando concomitantemente e atuando como uma plataforma de descarbonização para players globais. Para isso, o Porto-Indústria do Açu trabalha para atrair players interessados em instalar plantas de hidrogênio verde, planta solar fotovoltaica, bases logísticas para o segmento de eólica offshore e biomassa, biogás, bem como siderúrgicas que possam aproveitar essa energia limpa e reduzir a emissão de carbono. Participar de cadeia completa da descarbonização, da produção do hidrogênio verde até seu uso dentro do porto nas plantas que serão instaladas; é uma possibilidade que, hoje, nenhum porto do mundo oferece.
Os portos do Nordeste têm uma vantagem natural, que são o regime de ventos e a insolação, que garantem boa oferta de energia. Quais as vantagens do Porto do Açu para esse mercado?
Posicionado em um dos melhores pontos de vento da costa brasileira, o Açu tem potencial para ser um hub eficiente para projetos de eólica offshore, com incidência de ventos de mais de 8 m/s em águas rasas de até 50 m. Ao todo, há mais de 33 GW de projetos eólicos offshore sendo licenciados. Com de 44 km2 de área disponível, pode abrigar manufatura e serialização de pás, torres, fundações e nacelles. Mas a principal vantagem competitiva do Porto do Açu em relação ao nordeste é estar localizado no sudeste, com possibilidade de ofertar o excedente de energia eólica produzida ao sistema nacional.
E quais os planos do porto para a siderurgia de baixo carbono? O que foi feito até agora? Quais as expectativas para os próximos anos?
Este desafio é uma grande oportunidade para o Porto do Açu se transformar em uma plataforma de descarbonização para auxiliar empresas com metas globais. Responsável por 8% das emissões mundiais, o setor siderúrgico se comprometeu a zerar suas emissões até 2050. Anunciamos recentemente memorando de entendimento (MoU) com a Vale para estudar o desenvolvimento de um Mega Hub no porto, localizado na região norte do Estado do Rio de Janeiro, para fabricação de HBI (“hot briquetted iron” ou ferro-esponja). O complexo industrial deverá receber em um primeiro momento pelotas da Vale e poderá incluir uma planta de briquete de minério de ferro, para alimentar a planta de HBI, matéria-prima essencial para o processo de descarbonização da cadeia siderúrgica brasileira e internacional. A iniciativa é pioneira ao contemplar um estudo técnico coordenado pelo Porto do Açu e acadêmicos do setor, que propõem a utilização de HBI como carga parcial nos alto-fornos, o que reduz a emissão de gases de efeito estufa e aumenta a produtividade do processo siderúrgico sem a necessidade de substituição dos ativos produtivos existentes, como os próprios alto-fornos e as aciarias. Hoje, o HBI é mais comumente empregado nos fornos elétricos a arco, mas a maior parte das siderúrgicas brasileiras utiliza alto-fornos. O uso do HBI nesse tipo de forno permitirá ao parque siderúrgico brasileiro uma transição mais suave no processo de descarbonização. O projeto prevê a produção de HBI com uso de gás natural, que estará disponível no Porto do Açu, e a possibilidade de convertê-la no futuro para hidrogênio verde, produzindo HBI com emissão de carbono próxima a zero. Tendo o Porto do Açu como porta de entrada de projetos de industrialização carbono zero, todas as condições e análises apontam para que o país se transforme em um grande produtor de HBI, suprindo siderúrgicas em todo o mundo.