Sistema laboral portuário ultrapassado – Prejuízo para todos
Acompanhando um movimento mundial, o Brasil também implementou uma nova legislação para o sistema portuário em 1993, por meio da Lei 8.630/93. A denominada lei de modernização portuária, implementou um novo marco regulatório inovador, que podemos resumir em três principais pilares: a) a efetiva participação empresarial nos investimentos de instalações portuárias e na realização das operações portuárias (arrendamentos e terminais privativos); b) o fortalecimento da descentralização na gestão e administração portuária com participação da comunidade local por meio do CAP-Conselho de Autoridade Portuária; e c) um novo modelo de trabalho portuário sem comando dos sindicatos, garantindo o trabalho avulso ou com vínculo empregatício.
Decorridos vinte anos da “lei de modernização portuária”, necessitando melhorias em seu texto, a Presidente Dilma Rousseff editou a Medida Provisória 595, transformada na atual Lei 12.815 de 2013, que revisitou os três principais pilares já mencionados. Deveria ter sido uma boa oportunidade para aperfeiçoar o modelo portuário de forma integral, porém infelizmente isso não ocorreu, em especial em relação aos temas que envolvem as questões do trabalho portuário.
Em relação à participação da iniciativa privada, nos investimentos das instalações portuárias e na realização das operações portuárias, realmente a nova legislação cumpriu os seus objetivos, em especial sobre os denominados TUPs – Terminais de Uso Privado. Sobre o modelo de gestão e administração portuária, a centralização decisória no Governo Federal e enfraquecimento dos CAPs – Conselhos de Autoridade Portuária, são questões contestadas e com necessidade de revisões, porém, tem sido superados parcialmente com as atuações técnicas dos gestores em anos recentes.
Se nos dois primeiros pilares, as alterações legais foram positivas ou contaram com deficiências ainda superáveis, em relação ao terceiro pilar, relacionado ao trabalho portuário, a nova e atual legislação portuária, desafortunadamente foi e infelizmente continua sendo um retrocesso absurdo.
Em relação ao sistema laboral portuário, a MP-595 e o texto convertido na Lei 12.815/13, perderam a oportunidade de avançar, corrigindo algumas deficiências da Lei 8.630/13, e conseguiram a proeza de tornar o Brasil como detentor do pior e mais atrasado modelo legal.
A principal questão se relaciona à contratação de trabalhadores portuários com vínculo empregatício. Enquanto a OIT – Organização Internacional do Trabalho, regula tal tema com a utilização do critério de “prioridade”, conforme constante em sua Convenção 137, assinada pelo Brasil, a atual Lei 12.815/13 determina o critério de exclusividade. A anterior Lei 8.630/93 também utilizou o critério da exclusividade, porém não envolvendo a atividade de capatazias, sabidamente como a que mais necessita de empregados permanentes. Tal questão já havia sido equacionada por um Dissídio de Natureza Jurídica, postulado pela FENOP, que recebeu claro Acórdão decisório do TST – Tribunal Superior do Trabalho, conforme o seguinte texto: “A partir de 12 de agosto de 1995, data da incorporação da Convenção nº 137 da OIT ao ordenamento jurídico, a contratação de trabalhador, por prazo indeterminado, para o serviço de capatazia, deve ocorrer, prioritariamente, dentro do sistema, especificando o operador portuário a qualificação do trabalhador desejado, facultando-se às empresas operadoras portuárias a contratar, por prazo indeterminado, fora do sistema, na hipótese de remanescer vagas”. (destacamos).
Tal tema além de representar um retrocesso absurdo, ainda envolve questões não esclarecidas. Estranhamente no Parecer 014-2013-CN, o senador Eduardo Braga, relator da MP-595/12, defendeu o critério da prioridade, porém no texto encaminhado para a votação, constava o critério de exclusividade, conforme em sequência.
Relatório do senador Eduardo Braga: “Preservou-se a prioridade de trabalho conferida ao portuário avulso pelo art. 3, item 2, da Convenção nº 137 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), protegendo-se, assim, o trabalhador dos efeitos negativos que possam advir da modernização dos portos”. (destacamos) Cabe sempre destacar que essa exclusividade é de cada trabalhador com inscrição no OGMO e não se trata de exclusividade de tal órgão gestor. A exclusividade dos trabalhadores com inscrições em OGMO, tem prejudicado seriamente o setor portuário no seu desenvolvimento, o país que necessita geração de empregos e inclusive os próprios trabalhadores portuários que se imaginando protegidos por esse privilégio, não contam com desafios e incentivos para se aperfeiçoar profissionalmente.
Grande quantidade de vagas permanecem sem preenchimento em terminais portuários, por falta de interesse dos trabalhadores portuários, com inscrição em OGMOs e detentores dessa reserva de mercado, prejudicando os investimentos e elevando os custos portuários, com a “obrigatoriedade forçada pelos sindicatos laborais portuários”, de utilização de trabalho na forma de avulsos, onde as empresas também são reféns da obrigatoriedade de negociar com tais entidades as formações das equipes de trabalho. Enquanto no trabalho com portuários vinculados, as empresas contam com a natural liberdade para definir as equipes de forma de distribuição dos trabalhadores; no trabalho avulso a legislação delega esse direito aos sindicatos, que o exercem nas obrigatórias negociações coletivas.
A somatória desses dois absurdos regramentos (exclusividade na contratação e definição de equipes dependentes de negociações com os sindicatos) aprisionam os setor empresarial portuário, tornando as operações portuárias mais custosas, dificultando as evoluções tecnológicas e principalmente sonegando grande quantidade de empregos que os brasileiros tanto necessitam.
Além desses dois fatores (exclusividade e definição de equipes), o setor ainda padece com a irresponsabilidade dos Governos Federais, que de longa data, recebem anualmente vultosos valores exclusivamente pagos pelo setor empresarial portuário, para os treinamentos de seus trabalhadores, e vêm tais valores serem incorretamente contingenciados, para a geração de superávit fiscal.
Segundo os levantamentos da FENOP – Federação Nacional das Operações Portuárias, somente retorna para os treinamentos uma média anual de 5% dos valores que o setor empresarial recolhe para o Fundo do Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo, gerido pela Diretoria de Portos e Costas da Marinha do Brasil e responsável por custear também os treinamentos portuários. A própria Marinha do Brasil não consegue a liberação de tais recursos.
Mais vergonhosa ainda a irresponsabilidade do Poder Público em relação aos recursos para os treinamentos portuários, pagos pelo setor empresarial, que ocorreu em 2021 quando do saldo disponível no mencionado Fundo, de cerca de R$ 1,670 bilhão, foram retirados R$ 1,6 bilhão para o pagamento de dívidas públicas. Se restaram em 2021 apenas cerca de R$ 60 milhões, os recolhimentos de valores pelo setor empresarial são tão ativos, que atualmente tal Fundo já conta novamente com um saldo de cerca de R$ 550 milhões, porém mantendo a triste tradição de contingenciamento e falta de disponibilidade para os treinamentos de todos os que atuam no setor portuário.
Assim a exclusividade nas contratações com vínculo empregatício, a obrigação de negociação com os sindicatos para a definição das equipes e distribuição dos trabalhadores e por derradeiro da indisponibilidade dos recursos pagos pelo setor empresarial para os treinamentos do setor portuário, são exemplos flagrantes do sistema legal ultrapassado, que vem prejudicando o setor portuário e todos os envolvidos.
O Brasil não pode continuar convivendo com esse sistema laboral portuário ultrapassado. A FENOP defende a liberdade para as contratações e para as definições de equipe de trabalho e também a transferência das arrecadações para os treinamentos para um Sistema S, assim como ocorre em outras atividades econômicas e está dialogando com a CNT-SEST/SENAT sobre o tema. A FENOP está firmemente comprometida com a luta para mudar esses atrasos, quer por alteração legal ou por questionamentos judiciais e vem conclamando as federações laborais portuárias, para que se encontre um entendimento nacional.
A FENOP conclama também a todos os responsáveis pelo Poder Público em todas as esferas e a todas as entidades do setor empresarial portuário e correlato para que unamos forças para a correção dessas principais distorções.