Hidrovias e a Região Metropolitana da Baixada Santista
O tema hidrovia é recorrente no âmbito da Região Metropolitana da Baixada Santista.
Inicialmente, é importante diferenciar curso d’água, via navegável e hidrovia:
Nem todo curso d´água é navegável e nem toda a via navegável é uma hidrovia.
Uma hidrovia é uma via navegável sinalizada e regularmente fiscalizada, como a Tietê-Paraná.
A rigor, existe uma hidrovia na Região Metropolitana da Baixada Santista, constituída pelos Canais do Estuário e de Piaçaguera.
Historicamente, já houve utilização de vias navegáveis da região para o transporte de areia e bananas, e desde há muito, há o transporte de passageiros por meio aquaviário.
Ao menos desde 2010 o tema é assunto de eventos, como o realizado pelo Instituto Impacto, na sede da Associação Comercial de Santos. Posteriormente, a Associação de Engenheiros e Arquitetos de Santos (AEAS) realizou 9 (nove) eventos denominados “Hidrovia Já”, relativizando o advérbio de tempo.
Antes disso, houve a tentativa de implantação da “Hidrovia do Sal”, cujo objetivo era de transportar esse produto de terminal do Porto de Santos para a unidade industrial da Unipar (antiga Carbocloro), em Cubatão.
O transporte aquaviário tem melhor eficiência energética do que o rodoferroviário, e a proposta era de substituir cerca de 60 mil caminhões/ano, reduzindo significativamente a emissão de poluentes. No entanto, o licenciamento ambiental impôs restrições que inviabilizaram economicamente o projeto inicialmente concebido, sobretudo quanto à dragagem de aprofundamento do rio prevista.
No início da década de 2010, dois estudos, um da CODESP e outro da Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE) estudaram o aproveitamento das vias navegáveis da região para o transporte de cargas. O estudo indicou a necessidade de alteamento de várias interferências (pontes e dutos), para viabilizar acesso aquaviário aos municípios do sul da RMBS, além de obras de retificação e dragagem.
Um detalhe curioso: no final do século XIX foi feita uma retificação no Rio Branco, no trecho do atual município de Praia Grande. Talvez pela falta de conhecimentos técnicos sobre o regime hidráulico do rio, esse canal artificial hoje está assoreado, mas é visível em imagens de satélite. Como seria o licenciamento ambiental desse tipo de obra, atualmente?
Em 2011, a Prefeitura de Santos pleiteou junto ao CONDESB a criação da Câmara Temática Especial do Sistema Hidroviário Regional da Baixada Santista. Ela passou a atuar em 2012. Posteriormente, ela foi incorporada à Câmara de Mobilidade e Logística do Conselho. Essa Câmara chegou a providenciar um Termo de Referência para a contratação de estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental específico para o transporte de passageiros, posto que a questão de cargas já estava em processo, pelos dois estudos anteriormente mencionados.
No entanto, o CONDESB alegou não dispor de fundos para financiar esse estudo.
Em 2016, o DH-SP se propôs a financiar esse estudo, por meio do IPT. Ao final dos trabalhos houve conclusão pela viabilidade econômica do transporte hidroviário de passageiros também para Bertioga e Cubatão. São Vicente também foi considerada, mas a navegação seria prejudicada pelo gabarito aéreo das pontes dos Barreiros, da Via Anchieta e da Via Bandeirantes, além dos dutos da SABESP e Transpetro, no Mar Pequeno e Rio Casqueiro.
O estudo ficou limitado, por questões financeiras, à definição de linhas, locais para instalação de terminais e tarifas. O licenciamento ambiental, as obras necessárias e a definição do gestor do sistema hidroviário ainda seriam necessários, mas não houve continuidade no processo.
É importante lembrar que já houve transporte aquaviário de passageiros entre Santos e Cubatão, com destino à então COSIPA, nos anos de 1980, ao que consta desativado por questões técnicas e de aceitação dos usuários.
No final da década de 2010, a CODESP chegou a criar um regramento para o transporte hidroviário, que também não prosperou, por falta de interessados na exploração do serviço.
Atualmente, persiste a secular travessia entre as margens do Canal do Estuário, por balsas, barcas e catraias.
As travessias operadas pelo DH-SP (anteriormente operadas pela DERSA) são deficitárias. O Governo Estadual anterior tencionou privatizar o sistema, para reduzir esse déficit. No entanto, esse processo foi prejudicado basicamente por dois fatores: o custo estimado das passagens seria proibitivo, o que gerou críticas dos governos municipais de Santos e Guarujá, além que incorporar riscos ao futuro concessionário, na hipótese de concretização da ligação seca entre as margens do Canal, agora incluída do PAC. Esse processo de privatização das travessias aquaviárias foi descontinuado.
Consta haver uma proposta de implantação de transporte hidroviário de passageiros pela iniciativa privada, que inclui a RMBS em seu escopo, mas ainda sem definição prática. Já houve outras iniciativas, mas nenhuma prosperou até o momento.
Atendo-nos à questão do transporte de cargas, as restrições relativas às interferências (pontes e dutos) e aos licenciamentos ambientais das obras necessárias são condicionantes da implantação de uma hidrovia que atinja municípios ao sul da RMBS, incluindo São Vicente e Praia Grande, os mais próximos do porto. Bertioga também tem restrições no acesso ao canal de mesmo nome, além das restrições ambientais à ocupação econômica de seu território. Também há questões logísticas a serem consideradas, pois utilizar o transporte hidroviário para transbordo de cargas vindas do interior do país seria mais um custo.
Salvo engano, o ideal para viabilizar o transporte hidroviário de cargas na RMBS seria ter produção local, o que pode ocorrer por meio de um processo de industrialização sustentada da região, como ocorre nas proximidades dos principais portos do mundo.
A Prefeitura de Santos tem feito gestões para viabilizar a implantação de uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE) na área continental de Santos. Esse complexo poderia favorecer a utilização do modal hidroviário, o que será avaliado quando da elaboração de estudo de viabilidade econômica do empreendimento.
O Governo Federal recentemente incluiu no PAC investimentos em hidrovias. Porém, não consta que sejam destinados recursos para a Região Metropolitana da Baixada Santista.
Adilson Luiz Gonçalves
Engenheiro, Pesquisador Universitário e Escritor
Membro da Academia Santista de Letras