As portas do inferno
Abriram as portas do inferno!, disse o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres. Não se referia ao fogo que o calcina estes dias por conta do que disse sobre a horrenda guerra na Palestina, que até nos fez esquecer da Ucrânia. Guterres falava do que começa a acontecer com o planeta e a nossa vida.
A um mês da COP23, a conferência do clima que vai acontecer em Dubai, relatório dos cientistas me assusta ainda mais. Não quero ser alarmista, mas não dá para desconhecer tudo que está acontecendo na Terra. Sucessivas barbaridades individuais e coletivas parecem confirmar a tese de que surgiria uma crise na saúde mental pós-Covid.
Mas o prognóstico mais devastador é, sem dúvida, o do moribundo planeta. Estamos conseguindo acabar com essa massa cósmica que vive há milhões e milhões de anos, sucumbindo agora, neste século XXI, quando o homo sapiens parece ganhar asas.
Entramos no antropoceno, nova era geológica surgida após a tecnologia, a revolução industrial e o consumo. Pela primeira vez na História, as coisas pesam mais que nós. O que produzimos – estradas, prédios, carros, lixo etc – estão pesando na crosta terrestre mais do que os seres vivos, e olha que só de humanos somos mais de sete bilhões!
Esse cálculo por si mostra como invertemos a lógica da vida. As coisas deveriam ser apenas acessórias, como eram as peles e as machadinhas de pedra que serviam nas cavernas. Claro que não estou sugerindo que voltemos ao mundo primitivo, mas será que precisamos disso tudo que está aí?
Produzimos para consumir e quem é consumido é o planeta. A água nos propiciou a vida e agora se revolta. O degelo na Antártida corre solto, se acentuou neste novo século e, segundo os especialistas, nem a meta de 1,5 grau no clima será suficiente para conter a fúria dos mares, e se antevê aumento do nível do mar de até cinco metros, o que fará da lendária Atlântida símbolo do que acontecerá com muitas cidades.
E a água subterrânea, que viabiliza o sustento e a agricultura em muitos cantos, começa a acabar. E não era pouca. Se toda a água debaixo da crosta emergisse, o mundo todo ficaria onze metros abaixo da superfície. Pois não é que a Arábia Saudita já não dispõe mais desse líquido sagrado e a Índia vai pelo mesmo caminho?
Não me abalam só as guerras entre nações e grupos atrozes. Mas também a que travamos com a natureza, filhos ingratos que somos, destroçando a nossa vida e a dos demais. O desmatamento faz perdermos 13 milhões de hectares por ano. Hoje 35.500 espécies animais, o que corresponde a 28 por cento delas, estão em extinção. Avizinha-se uma sexta extinção. O detalhe é que as cinco primeiras foram causadas por meteoritos e erupções vulcânicas. A de agora por nós.
Não, não sou apocalíptico, apenas um leitor do que dizem nossas melhores cabeças, até agora dispondo de um arsenal que permite as projeções e nos alerta para as condições climáticas. Mas por pouco tempo. Afinal, não satisfeitos em acabar com o que está sobre a Terra, estamos em vias de acabar também com o que está na esosfera. O volume de aparatos orbitando em torno do planeta é tão crescente que já se prenunciam choques entre tantos satélites e lixos cósmicos, inviabilizando essa estrada no céu.
Guterres foi dramático sim, como eu estou sendo agora. É que penso nos nossos filhos que um dia lembrarão que céu e inferno eram apenas imagens da crença na vida. Urge fecharmos com determinação as portas das trevas.