Princesa em tempo de bruxas
A doçura de Leonor despertou-me o sonho de ver o mundo governado por princesas. Mas o mundo estava nestes dias mais preocupado em festejar o Dia das Bruxas. A suave princesa Leonor de Bourbón ganhou a maioridade jurando sobre a Constituição espanhola e conclamando seu povo: “Peço que confiem em mim”.
Não sou monarquista, mas respeito quando monarcas desempenham suas funções com honradez e, mais que isso, quando dão luz ao simbolismo de amar e servir ao seu povo. Ainda que seja só por simbolismo mesmo, mais ou menos como acontece na Espanha de monarquia parlamentar.
Os símbolos são faróis a iluminar o caminho. Criamos as culturas antes de inventar os alfabetos. Símbolos são os alicerces do que pensamos, do que acreditamos e de como agimos em nossa passagem da vida. Às vezes seguimos estrada errada. Talvez seja o caso do Halloween, festa que se dissemina no Brasil. Sua origem celta, do festival Samhain, firmou-se na Irlanda, emigrou para os Estados Unidos no século XIX e cada vez mais nos contagia, como contagiados ficam todos nesta época no Magic Kingdom, onde imperam princesas.
É o sincretismo se firmando cada vez mais no mundo globalizado. Múltiplos significados compõem essa festa que a pretexto de saudar a colheita de outono em sua origem, derivou para vampiros e bruxas orientados por abóboras fantasmagóricas iluminando o caminho dos mortos.
Prefiro o simbolismo das princesas que sugerem a fantasia de um mundo em que prevalece o bem sobre o mal, sempre, não obstante feitiços de malvadas bruxas encarnadas em madrastas.
Quem dera o mundo real fosse governado por princesas e vivêssemos todos em castelos. Não como vassalos, que ninguém merece ser, mas súditos da esperança. Porém, sei que é ingenuidade pensar que as princesas possam se sobrepor aos tiranos!
Temo que Halloween tenha começado mais cedo nos últimos tempos, com essas guerras atrozes a qualquer pretexto, despertando os sentimentos mais primitivos de ódio.
A esplendorosa Espanha se curvou ao discurso de Leonor, apesar da cara feia de separatistas gauleses, bascos e catalães. Pois não há como não ser sensível à doçura da pequena Leonor, que cumpre compenetrada seu desígnio, iniciado com três anos nas fileiras militares, já que a ela caberá o supremo comando das forças armadas. É nesse ponto que atiça meu sonho, imaginando Leonor enfrentando déspotas com o brilho dos seus olhos. “Travessuras ou gostosuras?”, perguntaria ela.
A ascensão de Leonor contém importante simbolismo. Jovem e mulher, sugere aos esperançosos que um dia tudo poderá ser diferente. Aparentemente sua formação e a firmeza de seus propósitos apontam nesse sentido. E então essa menina poderá simbolizar naquele Velho Mundo a ressurreição do ser criado para ser feliz e não para sofrer tantas agruras.
Só espero que a querida princesa siga o exemplo da czarina Katarina da Rússia que despachou para um posto avançado da Sibéria seu amante que almejava tornar-se general. “Meus generais são forjados no campo de batalha, não na cama”, teria dito. O que me faz lembrar outra rainha ibérica que disse à sua prima e rainha também: “Nossa diferença é que sou uma estadista antes de ser uma mulher”.
A pequena Leonor, que abdicou de salário até que assuma efetivamente funções reais, ao discursar solenemente no Parlamento espanhol, arrancou efusivos aplausos nas praças de Madri. Era seu primeiro ato como sucessora, para orgulho estampado nos olhos do rei e da rainha. Vi o orgulho de pais mortais diante de sua cria. Foi-se o tempo em que monarcas, que também geravam princesas, eram figuras taciturnas e sobrenaturais, como vampiros e bruxas ainda hoje.