quarta-feira, 18 de dezembro de 2024
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Luiz Dias Guimarães

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O prenúncio  de Musk

Adormeci com a voz de Elon Musk afirmando em vídeo no Instagram que a maioria de nós perderá o emprego para os robôs. Ele falava em palestra para árabes, cujos turbantes não os impediam de ouvir o assustador prenúncio desse homem excêntrico mas inquestionavelmente à nossa frente. Musk costuma saber o que diz e está na vanguarda em vários campos.

De repente me vi perambulando no que fora o maior jardim de orla do mundo, agora, em 2044, uma espécie de condomínio de barracas, caixas de papelão, restos de comida e ratos. Meu espírito minimalista e o sonho de ser  nômade digital não chegavam a tão triste cenário quando, em 2024, começava a ver essas cenas em avenidas de Los Angeles, Paris e São Paulo.

Meu estômago doía, lembrei que não comia há mais de um dia. E a água disponível no meu percurso era escassa e atraía multidões, apesar dos robôs perfurarem incessantemente a terra atrás de aqüíferos que já não existem mais.

No dia em que ouvi Musk sugerir que o Estado teria que subsidiar as pessoas para compensar o desemprego, eu imediatamente pensei que não daria certo. O Estado precisa de recursos de impostos, e estes dependem do consumo. As corporações agora dominadas pelos robôs estão em pânico porque conseguem altos índices de produção mas praticamente não há mais sociedade de consumo e os produtos empilham-se nos galpões como antes só se via em cemitérios de carros, aviões e pets inservíveis.

Naquela fatídica palestra de Musk,  essa pitonisa contemporânea questionava, talvez cinicamente, o sentido da vida sem o trabalho, que começamos a perder quando nos encantamos com os monstrengos de aço, fios e chips, mas dotados de inteligência.

Agora não temos trabalho. Há nas ruas legiões de desesperados, contra os quais trombo enquanto tento caminhar arrastado, entre carrinhos velhos que um dia serviam às fartas compras em supermercado.

Paro um instante para observar uma família – ou o que restou dela – com um casal cujo único prazer na vida é gerar filhos sem saber quantos sobreviverão ao nefasto tempo. Musk prenunciou naquele vídeo que não sai da minha cabeça a maior mudança na relação homem-sociedade da história. O primitivo Neandertal trabalhava para alimentar a família pescando, caçando e assando a carne em tosca fogueira na caverna. Depois o homem aprendeu a cultivar a terra e criou uma sociedade agropecuária. E acabou tratando por vezes de escravizar etnias para plantarem por nós. Até que a revolução industrial levou-nos para os galpões onde muitas vezes  fomos nós os escravos. E tão seduzidos pelos apelos de consumo, acabamos sendo reféns de nossos desejos, subjugados a trabalhar mais.

De uma maneira ou outra, trabalhamos em demasia. Vimos trabalhando cada vez mais até que implantamos na segunda metade do século XX a semana de cinco dias úteis. Saudade das experiências com semana de quatro dias – pensei – quando uma pandemia chamada covid despertou em todos ideias inovadoras do home-office e do nomadismo digital. Viver, pensávamos nós, não é só trabalhar, defendendo uma sociedade de lazer. Há sutil diferença entre o trabalho só por necessidade e aquele que nos realiza e dá sentido à própria existência.

Agora, diante de um velho edifício que insiste em vender viagens para ninguém na enorme tela de leds, vejo a ironia da nova sociedade do ócio. Ah, Musk, você tirou-me mais que um sono tranqüilo. Quisera eu poder voltar algumas décadas e gritaria aos quatro cantos das redes sociais “parem com essas máquinas malditas!”, ou ao menos estabeleçam limites como um dia regulamentaram os experimentos genéticos com humanos.

Mas agora é tarde e meu estômago geme com uma espécie de cãibra quando me agacho para apanhar um sujo smartphone que ainda funciona com restinho de bateria. E me deparo com um senhor de 80 anos fazendo um apelo numa assembléia de robôs  para que tenham paciência pois a carga de trabalho está prestes a ser reduzida graças ao plano das corporações de contratarem humanos para cobrirem  folgas dos robôs.

Então um smartphone disparou o alarme, abri os olhos e vi que o som não vinha do aparelho em que assistia a reunião com os robôs desse excêntrico ancião chamado Elon Musk.

 

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