A síndrome do elo perdido
O admirável mundo novo traz inovações. E às vezes apenas realimenta o sonho e a esperança. Leio boas novas estes dias. O espírito viking, sempre à frente, corre para concluir um túnel para navios vencerem o tenebroso Mar de Stad, com ventos fortes, correntes oceânicas e ondas imprevisíveis, na Noruega. Será 1,7 km dentro de uma montanha em que a Noruega pretende servir em breve a cargueiros de até 16 mil toneladas e também a exóticos cruzeiros. Há séculos o povo nórdico domina os desafios e as inovações no mar.
A engenharia hoje vive as asas da imaginação. Já circulamos por baixo das águas em carros e trens, como no Canal da Mancha e até no latino Rio Paraná. Meu otimismo e meu reconhecimento aos esforços atuais alvoroçam minhas lembranças. O túnel entre Santos e Guarujá, idealizado há tantas décadas, ganha nova esperança e torço para que se realize. O aeroporto em Guarujá também, cujas obras devem começar logo. Ao dar o start para implantação do trem São Paulo-Campinas, a euforia do governador o levou a falar até na linha Santos-São Paulo.
Esse sonho me fez voltar no tempo, quando, ainda menino de colo, embarcava de férias subindo a Serra do Mar até Ribeirão Pires, onde mergulhava em lúdicas aventuras no meio de pereiras, galinhas, lagoa e até escorpião, em sítio da família. O que se quer agora já se fez um dia. Eu partia da estação Santos-Jundiaí, a São Paulo Railway, no Centro de Santos, e havia outra linha de trem que do Gonzaga levava passageiros até o Litoral Sul do Estado.
Agora voo na esperança de voar como já voei um dia. A primeira vez foi aos nove anos, quando desembarquei na Base Aérea de Santos, o mesmo aeródromo que se quer agora, a bordo de um Electra da linha regular Cruzeiro do Sul, em 1961, vindo do Rio de Janeiro. Nos anos 80, fiz o mesmo percurso em Cessna operado regularmente entre Santos e a Baía da Guanabara pela Rio Sul, fazendo escala em São José dos Campos.
Agora falam em voos para o Rio e para Campinas, em pequenas aeronaves. Para quem parte da praia ou nela quer chegar, uma alternativa. Espero também dentro de uns sete anos poder viajar no trem-bala ligando Sampa ao Rio em 1 hora e meia, o que me faz lembrar o extinto Trem de Prata que até a década de 90 levava passageiros da Estação da Luz às proximidades de Copacabana.
Parece que nossa sina é recomeçar sempre. Talvez essa seja uma síndrome ainda não catalogada nos manuais, a síndrome do elo perdido. Rompemos a corrente para sonhar e voltar um dia a fazer uma corrente. Lamento sermos fadados a isso, desfazer o que temos e somos para recriar-nos um dia.
Por isso saio cantando ‘começar de novo’, como eternizado por Ivan Lins para, apesar de tudo, me animar com a cura um dia dessa maldita síndrome que nem os vikings, senhores dos mares, imaginaram um dia e só se preocuparam em inovar e avançar em mares nunca antes navegados.