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Adilson Luiz Gonçalves

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Portos marítimos e as mudanças do clima

É fato que existe alguma controvérsia quando se fala dos efeitos das mudanças do clima. Ela transita entre o alarmismo e a racionalidade, dependendo da fonte, mas uma coisa é inequívoca: cenários precisam ser estudados para assegurar medidas mitigadoras com implantação em tempo hábil.

Iniciativas mundiais têm buscado acordos para a redução das emissões de gases de efeito estufa, de maneira a refrear e, se possível, reverter o aquecimento global. Porém, essas tratativas têm sido utilizadas por algumas nações desenvolvidas como forma de compensar externamente o que deveriam fazer internamente, resultando em cobranças de ações de países emergentes, que tendem a evitar seu desenvolvimento, por mais sustentado que seja. Não sei se a expressão é aplicável, mas trata-se de um “colonialismo ambiental” travestido por uma retórica ambientalmente eloquente, mas que atende basicamente aos interesses e protecionismos dos países mais desenvolvidos.

O Brasil tem o agronegócio como protagonista nas exportações, e os portos marítimos como seu principal meio de escoamento. Aliás, sempre é bom lembrar que o sistema portuário nacional é responsável por cerca de 95% da corrente comercial brasileira. Também não podemos esquecer que os portos são apenas um elo da cadeia logística, embora sua importância seja destacada e inequívoca.

O agronegócio continuará a ter relevância na economia nacional, mas a reindustrialização está em voga, com foco inclusive em exportação, o que agregará diversidade e valor à nossa carteira de produtos.

Mas onde entram as mudanças climáticas nesse escopo?

Bem, uma das constatações recentes é de que as mudanças no clima estão sendo evidenciadas pelo aumento de intensidade, frequência e duração de eventos climáticos extremos, como: temporais, ventanias e ressacas. Além disso, projeções apontam para a elevação do nível do mar, potencializando esses efeitos.

Nesse contexto, portos marítimos e estuarinos são particularmente mais susceptíveis, o que pode prejudicar sua produtividade e competitividade, sem falar em questões relativas à segurança de navegação e operação.

No entanto, não podemos esquecer que toda a costa dos continentes obviamente será afetada pela elevação do nível do mar e ressacas. A erosão costeira tem sido dramática em alguns locais, alterando a conformação de praias e comprometendo estruturas urbanas e portuárias.

As alternativas para o enfrentamento dos efeitos das mudanças do clima incluem várias alternativas, desde a reconstituição de zonas costeiras à sua condição natural até a implantação de obras de proteção artificiais. Lembremos que os Países Baixos lidam com esse problema há séculos, o que não impede a Holanda de sediar o Porto de Rotterdam, o mais importante da Europa.

Costumo dizer que problemas são a matéria-prima da Engenharia, mas é importante enfatizar que, para que as soluções propostas sejam efetivas, é fundamental que todas as variáveis, constantes e cenários sejam cuidadosamente coletados, para que os projetos considerem cenários previsíveis tanto quanto possível.

Segundo o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), o nível do mar deve aumentar entre 24 e 32 cm até 2050, podendo chegar a cerca de um metro até 2100, e até dois metros no final do século XXI.

Estudo desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), em parceria com a agência Climate Impact Lab, alerta que: “As cidades de Santos, no litoral paulista, e Rio de Janeiro poderão ter, respectivamente, 7,57% e 7,35% de seus territórios cobertos pelas águas do mar até 2100, se o planeta aumentar as emissões de gases de efeito estufa”.

A cidade de Santos é sede do principal complexo portuário do País, responsável por cerca de 30% da corrente comercial do Brasil.

Não à toa, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), em parceria com a empresa GIZ, do governo da Alemanha, elaborou estudo sobre os impactos das mudanças climáticas em 21 portos brasileiros, concluído em 2022. É importante destacar que esses estudos foram sugeridos pela Prefeitura de Santos ao Ministério do Meio Ambiente e ao GIZ, por meio da Comissão Municipal de Adaptação à Mudança do Clima (CMMC), por considerar que não há como dissociar cidade e porto nesse âmbito, como em outros também. Esse é a base da relação porto-cidade.

Mais uma vez, os cenários servem para nortear ações, e cito novamente o caso dos Países Baixos.

No caso específico da Cidade e do Porto de Santos, a elevação do nível do mar, associada ao aumento de intensidade, frequência e duração de efeitos climáticos extremos, demanda soluções que devem ser implementadas de forma progressiva, sob forma de um plano diretor, até porque serão obras de grande porte e custo elevado.

Uma elevação do nível do mar pode ser interessante para aumentar o calado do canal de navegação, mas as ressacas podem ter impacto em seu assoreamento. Entretanto, obras de proteção costeira permitirão reduzir o impacto das ressacas na orla, bem como processos erosivos. Já há um projeto-piloto utilizando geobags na Ponta da Praia, cuja extensão deve ser ampliada, por força de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) celebrado entre a Autoridade Portuária de Santos e o Ministério Público Estadual.

No caso de Santos – o que também deve ser o caso de outras cidades portuárias -, o sistema de drenagem urbana é interligado com o sistema de drenagem portuário, ou seja, o aumento do nível do mar pode gerar inundações nas áreas urbanas, se a forma de escoamento for por gravidade. Assim, cenários mais dramáticos de elevação do nível do mar, mesmo sem a ocorrência de precipitações pluviométricas, tendem a demandar a implantação de sistemas de bombeamento similares aos existentes na Holanda, caso seja definida a preservação das áreas urbanas consolidadas. Isso já ocorre na Zona Noroeste de Santos, que teve sua primeira estação de bombeamento inaugurada em 2022, no escopo do Programa Santos Novos Tempos.

Sempre há solução! O problema é quanto vai custar e quanto tempo levará para licenciar e licitar, o que está sujeito a “chuvas e trovoadas” que nada têm a ver com as mudanças do clima.

Segundo o estudo da Antaq, num cenário de médio prazo, ainda não são previstos impactos significativos nas estruturas portuárias. Já num horizonte de longo prazo, obras serão necessárias e não está descartada a alternativa de um porto mar adentro (offshore), solução que já vem sendo estudada há algum tempo, ainda que de forma conceitual.

O Porto de Santos tem a vantagem de ser estuarino, naturalmente abrigado. Mas os efeitos de ressacas afetam a navegabilidade e o nível de assoreamento do Canal do Estuário. A dragagem de aprofundamento prevista para -17 m também terá que considerar eventuais reforços de cais e além da proteção de infraestrutura urbana em Santos e Guarujá. Ao menos desde 2010 se discute a implantação de um molhe guia-corrente na embocadura do canal, cujo objetivo é de reduzir o nível de assoreamento, mas também favorecerá a proteção costeira.

Em resumo, não há como tratar a questão de mudanças climáticas sem considerar a relação porto-cidade.

Para citar um exemplo histórico, que nada tinha a ver com as projeções atuais, a construção do Porto de Mucuripe/CE provocou erosão na Praia de Iracema, em Fortaleza. Ou seja, a complexidade de uma obra de proteção costeira, seja para um porto, seja para uma cidade, exige estudos aprofundados, simulações virtuais e modelos reduzidos. E essas obras geralmente demandam cronogramas extensos.

Não se pode esquecer que o agronegócio, principal item de exportação do Brasil, é particularmente suscetível a fatores climáticos, sobretudo vento e chuva. Assim,  além de obras de Engenharia, é necessário avaliar alternativas operacionais, bem como diversificar a carteira de produtos de exportação do País, incorporando itens menos susceptíveis às condições climáticas, normalmente de maior valor agregado. É o caso de cargas de projeto e conteinerizadas, por exemplo.

Em se tratando do Porto e da Cidade de Santos, a Ilha de São Vicente inclui, além das porções insulares de dois municípios, as instalações portuárias da margem direita do complexo portuário. Desta forma, há que se considerar todo esse conjunto, o que não descarta, num horizonte de longo prazo, não apenas obras de proteção costeira, como a implantação de um sistema similar, uma vez mais, ao utilizado há séculos nos Países Baixos: bombeamento.

Não está descartada a utilização de molhes até no acesso à baía, desde que sejam considerados aspectos ambientais, geotécnicos, estruturais… Enfim, todas as variáveis necessárias à elaboração de projetos que sejam menos sujeitos a licenciamentos demorados e judicializações protelatórias.

Isso tem que ser simulado e avaliado desde já, racionalmente, sem alarmismos, conscientemente avaliando aspectos ambientais, sociais e econômicos.

Isso vale para qualquer porto marítimo e cidade costeira do Brasil e do mundo.

 

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