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Adilson Luiz Gonçalves

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Entrevista com o ministro

“Se o Brasil é visto internacionalmente como uma “janela de oportunidades”, é preciso que essa janela esteja aberta, caso contrário, continuará a ser um obstáculo ao desenvolvimento sustentado do país. Para tanto, é fundamentalmente que haja investimentos em infraestrutura, logística, produção industrial, pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico, que efetivamente contribuam para o fortalecimento da economia nacional”

O ministro Sílvio Costa Filho foi entrevistado no Programa Roda Viva, da TV Cultura, exibido em 18/03/2024.

Político experiente, apesar de jovem, demonstrou habilidade em contornar perguntas “espinhosas”, se bem que os entrevistadores não demonstraram interesse em constranger o entrevistado, preferindo focar mais em questões estratégicas da pasta do ministro. Isso foi uma opção acertada, considerando a importância dos sistemas portuário e aeroportuário do país para o desenvolvimento do país.

Logo na abertura do programa, a apresentadora destacou que os R$ 78 bilhões de investimentos públicos e privados previstos para o MPor, como parte do novo PAC, enfatizando que estão entre os mais vitais para o desenvolvimento econômico do Brasil em longo prazo. Essa afirmação é verdadeira há pelo menos 40 anos, mas alguns setores ainda não entenderam a importância de uma economia forte até para atender seus próprios objetivos e interesses.

A consciência holística do que efetivamente é desenvolvimento sustentado talvez permita que esses investimentos sejam realizados sem tantas protelações e judicializações, gerando empregos e recursos para programas sociais e ambientais.

Sílvio Costa confirmou essa tese, quando disse uma frase que já foi dita por políticos brasileiros e internacionais em várias oportunidades: “Não tem maior programa social no país do que a geração de empregos e renda!”. Essa frase “conversa” com outra: “O sucesso de um programa social deve ser medido pelo número de pessoas que deixam de precisar dele, e não o contrário“. E isso só é factível quando há uma economia forte, que depende de condições adequadas, físicas e legais, para sua viabilização.

O ministro destacou que o Porto de Santos, ao longo dos próximos 10 anos, receberá investimentos da ordem de R$ 20 bilhões, com destaque para a ligação seca Santos-Guarujá e a dragagem de aprofundamento para -17m. Em adendo, as obras das Avenidas Perimetrais, a implantação do VTMIS, investimentos em startups e TI e segurança também são relevantes.

Se o Brasil é visto internacionalmente como uma “janela de oportunidades”, é preciso que essa janela esteja aberta, caso contrário, continuará a ser um obstáculo ao desenvolvimento sustentado do país. Para tanto, é fundamentalmente que haja investimentos em infraestrutura, logística, produção industrial, pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico, que efetivamente contribuam para o fortalecimento da economia nacional.

Sílvio Costa foi questionado sobre a exclusão do Porto de Santos do processo de desestatização. Respondeu lembrando que o sistema portuário brasileiro é o landlord, mas que as operações portuárias são feitas pela iniciativa privada.

A expectativa do processo de desestatização era de tornar mais ágil contratação de serviços e obras, com destaque para a gestão do canal de navegação, inclusive dragagem, e a ligação seca Santos-Guarujá.

O atual Governo Federal descartou a privatização, optando pela concessão do canal, tendo o Porto de Paranaguá como primeira experiência; e a parceria entre os Governos Federal e Estadual para a elaboração de uma PPP para a construção da ligação seca.

A recente delegação de competências à Autoridade Portuária de Santos também tende a dinamizar decisões e licitações, ao menos reduzindo em um nível da burocracia existente. Ou seja, mantendo a condição de porto público, buscar tudo o que seja simplificável, mantendo o rigor instrumental. Mesmo assim, o setor de infraestrutura nacional merece e precisa de um regime de contratação bem mais ágil, sem perder o rigor do trato com a coisa pública.

Ele também mencionou, mesmo que indiretamente, o Parque Valongo, associando-o à transferência do Terminal de Cruzeiros Marítimos para a região. Essa obra de reurbanização talvez seja a mais emblemática no âmbito da relação porto-cidade, não apenas em Santos, como em nível nacional. Ela contribuirá para a revitalização do Centro Histórico de Santos e para o turismo nacional e internacional, que tem no Porto de Santos a principal operação de cruzeiros do Brasil.

O ministro também salientou a busca de “novas operações portuárias, para aumentar a competitividade” do porto. Contribuindo com esse intuito, está estudo a viabilidade de implantação de uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE) na área continental de Santos, que tem potencial para viabilizar novas operações portuárias de maior valor agregado, alta tecnologia e baixo impacto ambiental. Independentemente de se configurar como uma ZPE, as atividades do tipo porto-indústria são frequentes e estratégicas nos principais portos do mundo. São produções que podem ser acondicionadas em contêineres ou como cargas de projeto, diversificando e ampliando a carteira de exportações do Porto de Santos, com implicações positivas na geração de empregos qualificados e em iniciativas de P&D, reduzindo a dependência do agronegócio e dos impactos das mudanças climáticas.

Após ponderar sobre cenários e expectativas, o ministro elogiou o “Porto sem Papel”. Em 1994, quando comecei a trabalhar como Conferente de Carga e Descarga do Porto de Santos, nenhum sanitário do porto tinha papel…

Brincadeira à parte, esse programa reduziu, de fato, os tempos portuários. A atuação da ABTRA tem um importante papel nesse processo, mas ainda há muito o que melhorar no que se refere à atuação dos vários intervenientes no setor.

Recentemente, tivemos tratativas relativas à implantação de um Port Community System (PCS) em Santos. Ainda aguardamos cenas dos próximos capítulos, mas todo kaisen é sempre bem-vindo.

Sílvio Costa afirmou que pretende fortalecer outros portos brasileiros. Bem, que não seja às custas do enfraquecimento de outros.

Há muitos fatores que podem contribuir para esse fortalecimento: o escoamento do agronegócio por portos do Arco Norte; ZPEs com foco nos potenciais regionais; e incremento dos Arranjos Produtivos Locais (APLs), entre outros.

No entanto, é fundamental investir em “time que está ganhando”, caso dos portos melhor estruturados, transformando-os em concentradores regionais. Há espaço para isso em 8.500 km de linha costeira, sem falar nos portos lacustres e fluviais.

A função dos instrumentos de planejamento do setor portuário podem analisar vocações, mas não podem nem devem limitá-las a uma visão hermética e centralizadora. É preciso que haja espaço para a busca autônoma de novos mercados e mercadorias.

É preciso assegurar que portos como o de Santos possam expandir suas instalações, atrair cargas de maior valor agregado e aumentar sua eficiência e competitividade.

Nada de nivelamento ou “freios de arrumação”! É preciso assegurar a plena realização de potencialidades de cada porto.

Nos países desenvolvidos, os setores de portos e infraestrutura são planejados com antecedência mínima de dez anos, e são via de regra cumpridos!

Enquanto isso, por aqui, não faltam planos, mas permanecemos correndo atrás do prejuízo, país de um futuro sempre adiado, em parte em função de interesses externos, mas muito por iniciativa própria.

Outro entrevistador comentou sobre gargalos logísticos apontados pela Confederação Nacional do Transporte (CNT): insegurança jurídica e regulatória, precariedade das infraestruturas de acesso, pluralidade de órgãos e excessiva burocracia.

De fato, não faltam impedâncias que impliquem em atraso na entrega de obras – como mencionou uma das entrevistadoras – e até as inviabilizem, sejam públicas ou privadas.

Não li o relatório da CNT, mas considerando o resumo feito pelo entrevistador, faltou relacionar a legislação ambiental brasileira, que nenhum país desenvolvido possui similar nem consta que queira reproduzir. Mesmo assim, o Brasil é alvo de críticas externas, por quem não faz sua “lição de casa”, e internas.

Essa legislação é uma das responsáveis pela precariedade de acessos terrestres e, até, aquaviários, também compondo o arcabouço da insegurança jurídica.

Obras de infraestrutura de transportes e expansão de portos europeus e asiáticos dificilmente seriam aprovadas no Brasil, com base em nossa legislação.

Lá, obras como novas ligações rodoferroviárias entre o planalto e o Porto de Santos seriam tratadas como assuntos estratégicos, com impactos negativos convertidos em compensações. O mesmo vale para hidrovias, no que se refere a obras de dragagem e retificação, pois uma barcaça com capacidade para 3 mil toneladas equivale a 85 caminhões com capacidade individual de 35 toneladas, reduzindo significativamente a emissão de poluentes e o risco de congestionamentos em rodovias. Mas não basta incentivar o transporte hidroviário: é preciso racionalizar a matriz de transportes nacional, conciliando multimodalidade e intermodalidade.

Assim, se a legislação ambiental não for objeto de uma revisão baseada no conceito moderno de sustentabilidade, os avanços pretendidos serão incipientes.

Volto a lembrar a manifestação do ministro Chefe da Casa Civil, Rui Costa, por ocasião do lançamento da Consulta Público do túnel Santos-Guarujá, quando ele relatou a um potencial investidor estrangeiro qual o processo de viabilização de um empreendimento de infraestrutura no Brasil: licenciamento demorado, às vezes por medo de quem deva assinar; risco de questionamento por parte dos Ministérios Públicos; tramitação no Poder Judiciário, que podem gerar vários recursos, podendo alcançar várias instâncias… Uma via crucis que o empreendedor não é obrigado a trilhar, bastando desistir de seu intento, com prejuízos ao país que não recaem sobre quem protela ou inviabiliza.

Ainda sobre a questão dos acessos terrestres, o convênio firmado entre os Governos Federal e Estadual pode abrir espaço para outros, afinal todos os acessos rodoviários entre o planalto e o Porto de Santos são concessões estaduais.

Desta forma, o Porto de Santos deve ser encarado como regional, estadual e federal, com esses três entes e a iniciativa privada devendo atuar de forma convergente, em nome do pleno desenvolvimento dos potenciais desse complexo portuário: o principal do Brasil.

Isso vale para todos os portos públicos brasileiros!

Por isso, mais uma vez considero necessário um pacto pelo desenvolvimento sustentado, que permita a concretização de obras de infraestrutura indispensáveis ao crescimento socioeconômico do Brasil!

É uma questão estratégica, de Estado, acima de interesses político-partidários ou corporativos.

O ministro Sílvio Costa foi coerente, fluente e bem fundamentado em suas manifestações sobre assuntos inerentes à sua pasta. Os números e projetos que apresentou são auspiciosos, mas sua concretização depende de uma perfeita sintonia e convergência com outros Ministérios e Poderes Constitucionais, o que é sempre esperado, quando o assunto é o desenvolvimento do Brasil.

Então, sucesso ao ministro, que será o sucesso do Porto de Santos, do setor portuário e do país!

 

Adilson Luiz Gonçalves

Engenheiro, Pesquisador Universitário, Escritor e membro da Academia Santista de Letras

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