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Luiz Dias Guimarães

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De tulipas e pantufinhas

Os velhinhos do Alto de Coimbra ficaram eufóricos quando, há algum tempo, a companhia de transporte colocou três micro-ônibus elétricos para levá-los regularmente da Portagem até a Rua da Alegria. Mas a alegria durou pouco. As baterias não estão aguentando. Pesquisadores da Universidade de Coimbra debruçam-se em firmar um protocolo de reabastecimento que permita vida longa aos veículos, apelidados carinhosamente de pantufinhas.

Esses velhinhos não entendem esse assunto. São do tempo ainda do primeiro ciclo da energia, se podemos dizer assim sobre a descoberta do fogo, primitiva fonte de energia que perdura até hoje às custas de combustíveis fósseis. Certamente viajaram muito em trens a vapor e em calhambeques queimando derivados de petróleo.

Mas eles presenciaram também o segundo ciclo energético, da época em que Edison e Tesla se estapearam ao desenvolverem as correntes contínua e alternada. Edison, genial e ousado empresário, quis impor a corrente contínua ao mercado. Mas pelo visto não conseguiu à época. Também, na sua disputa implacável, se deu mal ao usar cadeira elétrica para provar o perigo da alternada e até eletrocutou um elefante em praça pública. Tesla, ao contrário, cientista genial também, aplicou a energia alternada em seus inventos. O mesmo Tesla cuja imagem Elon Musk resgatou, se bem que Musk está mais para o agressivo Edison, dono de mais de mil patentes de inventos, muitos dos quais criados por seus funcionários. 

Os velhinhos de Coimbra saborearam por décadas tantas traquitanas, sem perceber que estavam contribuindo para o aquecimento global. Agora, meio confusos, tentam acompanhar o turbilhão de estudos, projetos e empreendimentos que a comunidade mundial desenvolve para correr do efeito estufa. Uma verdadeira salada físico-química está em curso.

O fogo, neste terceiro milênio, virou bandido. Porque provoca a emissão de dióxido de carbono. Neste terceiro ciclo, o da energia renovável, o íon de lítio dominou a produção, do smartphone ao automóvel. José Bonifácio, o patrono da Independência, além de tudo era geólogo e ambientalista, e descobriu o minério que fez do lítio a salvação. Até que os velhinhos ficaram esquecidos nos pontos das pantufinhas. 

Musk e um batalhão de gente tentam de tudo para achar uma solução para que as baterias durem mais e sejam mais eficientes. E ao mesmo tempo, mais baratas. Além de escasso, o lítio talvez não seja a solução ideal para os velhinhos de Coimbra pegarem a pantufinha e falarem no telemóvel com seus netos.

A indústria global corre contra o tempo com dois desafios: como gerar energia, fazendo o elétron saltar do anodo para o catodo, e como armazenar tanto elétron. O setor de navegação, responsável por 3% das emissões de carbono, parece estar à frente junto com o automotivo. Tenta chegar em 2050 com emissão zero, como quer a ONU. As fábricas de embarcações, tendo à frente os nórdicos, as estruturas portuárias e as companhias marítimas têm  gostado do hidrogênio. Sim, aquele que junto com o oxigênio forma algo conhecido por H2O, ou simplesmente água. Um símbolo tão elementar e famoso que até virou marca de refrigerante.

O hidrogênio, promovido agora a H2V (hidrogênio verde), é o preferido na navegação, de maneira associada à amônia, ao metano, entre outros, ou simplesmente na forma pura. O detalhe é que para produzí-lo, às custas da eletrólise que separa o H do O, é preciso energia, e aí entram em cena a eólica e a solar. Ou seja, não dá para usar o hidrogênio sem depender de outras fontes. 

Ainda há dúvidas. Valerá a pena esse processo de eletrólise que desperdiça 75% da energia? E mais: o quanto é seguro o H2V em forma líquida? Tenta-se transformar o hidrogênio em forma sólida, ou ao menos semi-sólida, o que é muito vantajoso para inúmeras aplicações, além de mais seguro.

Mas a salada físico-química não para aí, para desespero dos velhinhos de Coimbra que tentam entender essa revolução. Afinal, há o grafeno, o borofeno, o nióbio…e até o diamante nuclear! É isso mesmo, o processamento do carbono que forma o diamante utilizando-se resíduo nuclear.

A solução, sem dúvida, está na Natureza, e as respostas surgirão em alguns anos. Até o sal está convocado para essa revolução. O sódio não é tão potente quanto o lítio, mas é uma fonte inesgotável. E está no mar, que domina 75% da superfície terrestre. Se o sal vai vingar ainda não se sabe. Mas em caso positivo quem se dará bem é Israel, com sua capacidade empreendedora à margem do Mar Morto, que contém 300 gramas de sal por litro, ao contrário dos demais com 35 gramas apenas.

De qualquer maneira, o mar se apresenta como boa solução. No mínimo para armazenar energia em tanques submersos gerados por sol ou vento. O primeiro já se disseminou no uso doméstico e também em escala industrial. E o segundo brota cada vez mais nas pradarias e offshore. O Nordeste brasileiro, onde não faltam sol e vento, se apresenta no pelotão de frente da corrida energética com muita competência.

 Aí que surgem as tulipas do título. As imensas estruturas eólicas com suas hélices para desgraça dos pássaros, se bem que belas, têm alto custo e requerem grandes áreas, ao contrário das tulipas e similares, cujo design é infinitamente menor, mais elegante e com capacidade de geração 50% maior que as hélices. Chamam de tulipas por seu formato lembrando a flor ou a taça.E podem revolucionar esse segmento.

Moral da história: esse terceiro ciclo da energia trará a reboque muitas outras inovações e inevitáveis mudanças de comportamento, especialmente no campo da mobilidade, onde o carro particular perderá lugar para outros meios, inclusive cápsulas subterrâneas como metrô ou na superfície como o VLT.

São inúmeras as possibilidades até o final do século para salvar a vida do planeta e dar mais conforto. Mas certamente não servirão aos velhinhos do Alto de Coimbra, que querem apenas poder passear nas suas pantufinhas.

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TAGS eletricidade energia hidrogênio verde Portugal

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