O empinador de pipas | BE News
quarta, 03 de julho de 2024
Dolar Com.
Euro Com.
Libra Com.
Yuan Com.
Opinião

Artigos

Luiz Dias Guimarães

Clique para ver mais

Articulista

O empinador de pipas

“Como os ventos são inevitáveis e surpreendem a cada momento, o simples fato de um velho avô construir com suas mãos um papagaio, mostrou à criança que para voar era preciso antes construir, e para flamular, havia de se concentrar no vento e dominar as intempéries do tempo”

Era uma das primeiras primaveras – ou talvez fosse verão – daquele astuto menino. O avô, senhor geralmente atento às dificuldades da vida, acordou determinado a fabricar uma pipa para o menino. Que o vento noroeste daquela manhã levasse suas preocupações. Foi ao bazar, comprou quatro folhas de papel seda, cada uma de uma cor, carretel de linha branca e cola. Caminhou alguns quarteirões até achar um bambu no terreno baldio para as varetas. E se pôs a construir o papagaio.

Depois do almoço, orgulhoso de seu feito, o senhor foi à casa do menino e o levou para a praia. O tio do menino tirara um tempo para testemunhar aquele momento em que avô e o pequeno neto desbravariam o vento, desfraldando ao céu o artefato lúdico multicolor.

O pequeno mal podia esperar para tomar às mãos o carretel tão logo a pipa ganhasse altura. Até que o maldito vento noroeste surpreendeu na decolagem, rompeu a linha e levou o lindo papagaio para a terceira laje do prédio em construção.

Surpresos e contrariados, avô, tio e o menino correram uns cinqüenta metros, transpondo a avenida, para invadir a obra e, tomando cuidado para não despencar no fosso do futuro elevador, procurar a pipa cujas glórias foram perdidas pelo vento e agora por alguns vergalhões perfurantes que deram cabo a uma tarde de prazer.

Os três voltaram para casa frustrados mas ao mesmo tempo orgulhosos da aventura. Primeiro pelo avô ter empreendido uma tarefa manual à qual não era afeito; depois por terem ido à praia, os três juntos naquela tarde ensolarada da primeira infância do menino.

Não era fato único fazerem um programa ao vento. Por anos, nas tardes de domingo, saíam de carro ao deus dará caçando bandeiras ao vento. O pequeno era verdadeiramente obcecado por encontrá-las tremulando em seus mastros. Especialmente a mais bonita, verde e amarela, diante da qual o prazer da descoberta era invariavelmente acompanhado de um ‘utah!’, expressão que repetia desde quando ainda não aprendera a falar. Ele gostava de vento e da bandeira do Brasil. É como se observá-la lhe ensinasse como empinar, já que o caso da pipa só viria a acontecer mais tarde quando, talvez devido à obsessão do menino, seu avô tenha planejado dar-lhe asas de papel.

Momentos assim iam forjando o futuro homem que, sempre determinado, logo cedo pôs em prática o que lhe ensinaram bem como suas próprias experiências. O menino parecia ter-se especializado em empinar pipas e dominar o vento, que não lhe cabia criar, mas que poderia dominar encontrando os caminhos no céu. Afinal, de bandeiras do Brasil e de vento ele adquirira precoce ensinamento.

Como os ventos são inevitáveis e surpreendem a cada momento, o simples fato de um velho avô construir com suas mãos um papagaio, mostrou à criança que para voar era preciso antes construir, e para flamular, havia de se concentrar no vento e dominar as intempéries do tempo.

Um dia seu avô partiu, um dia seu tio foi por outros caminhos. Mas aquele menino, agora adulto, tornou-se um empinador de pipas. Sonha, constrói e faz voar, como as bandeiras que Fabrício, o pequeno audaz, gostava de admirar ao vento.  

Compartilhe:
TAGS

Leia também