Não se doma um rio
Nos idos de 1960, falava-se em abrir um canal na Lagoa dos Patos até Oceano Atlântico, não para a proteção de enchentes, mas como alternativa de escoamento de cargas do ou para o exterior, o que implicaria em um novo porto no litoral norte. A ideia não prosperou.
Agora, em face das cheias, se cogita essa hipótese de ligação da lagoa-mar como forma de enfrentar novas enchentes. Nesse caso, é fundamental levar em conta as manifestações dos cientistas e técnicos, especialmente dos integrantes do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) e do Instituto de Biociências (IBIO) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), entre outros, que realçam os efeitos negativos – caso se abra esse canal – notadamente sobre o ambiente, a sociedade, a economia, a navegabilidade, a produção agrícola, etc.
Dizem que o referido canal não garantirá o escoamento da água, não diminuirá a vazão e vai assorear o canal do Porto de Rio Grande, bem como irá salinizar a água da lagoa …
Pois bem, não sou cientista e nem técnico, mas tenho o conceito do assunto.
O momento é dramático e confuso aqui no RS. Isso requer que se elejam prioridades, considerando a urgência e a escassez de recursos. Como muitos estão se manifestando que se deve centrar as ações no sistema de controle de enchentes, tais como os serviços de dragagem, proteção das margens de rios e da mata ciliar, manutenção das barragens, inclusive das eclusas; e, nas cidades, corrigir as falhas desse sistema (diques, comportas, motores, etc). Obs: não basta promover todos os consertos e reparos se não houver a permanente manutenção de todo o sistema de controle. Sem isso, voltaremos à estaca zero.
Outra providência que é notória diz respeito à adoção de critérios de ocupação de territórios, que deverão evitar as margens de cursos d’água.
Enfrentadas essas prioridades, é preciso que se estudem (todas) as alternativas de possíveis soluções, inclusive a do multireferido canal. E deve-se ter cuidado ao descartar propostas. Não me refiro às falas de cientistas e técnicos que se manifestam contra o canal, pois são profundos conhecedores do tema, mas aqueles outros que identifico como “matadores de ideias”. Estes adoram dizer NÃO, geralmente por não conhecerem o assunto; outros, por preferirem a zona de conforto. Sabe-se que toda ideia pode assustar. Maquiavel já dizia que a coisa mais difícil era implantar mudanças. Se dependêssemos desses “matadores de idéias”, estaríamos ainda usando velas…
Estão certos os cientistas: um projeto desses requer inúmeros estudos em várias áreas, a avaliação de suas múltiplas consequências e dos investimentos, sabidamente elevados. Não se pode precipitar as ações, como alguns pretendem. Cabe, de forma inexorável, o estudo e a busca das experiências bem sucedidas. Alias, Da Vinci já aconselhava no Século XV: “Se tens que lidar com a água, consulte primeiro a experiência, depois a razão”. Guardadas as proporções e as diferenças, importante será voltar-se para conhecer a experiência internacional, especialmente para entender como foram vencidos enormes desafios como o Canal de Suez, o Canal do Panamá, o Eurotúnel (que liga o Reino Unido com a França), a ponte d’água do Rio Elba (Alemanha), as obras do Rio Tennessee (EUA) e o fantástico empreendimento da Tennesse Valley Authority (TVA) – esse modelo caberia como luva para o Vale Taquari, pelas semelhanças da região, dos desafios e da potencialidade para se reerguer -, e outros tantos.
Os especialistas, quando tratam desses notáveis empreendimentos, dizem uma grande verdade: não se “doma” um rio, se negocia com ele. E nós, brasileiros, não respeitamos os nossos rios. As mudanças climáticas continuarão. E a cobrança está vindo. É hora de mudar nossa mentalidade e nossas estruturas estatais ou privadas que respondem pela segurança da sociedade. Para mim, a questão passa por certas mudanças, como a descentralização, a autonomia e a redução da burocracia desses setores.