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quarta, 03 de julho de 2024
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Adilson Luiz Gonçalves

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O Brasil de Caminha

Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infindas.
E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.

Pero Vaz de Caminha

 

Esse é um excerto da carta escrita em 1500, relatando a “descoberta” de uma “nova” terra ao Rei de Portugal.Seu autor entendeu desde cedo o que depois foi resumido em relação ao Brasil: ”[…] em se plantando, tudo dá!”.

Os ciclos econômicos históricos do País confirmam essa máxima: pau-brasil, cana-de-açúcar e café; e a inegável importância do agronegócio para a economia nacional e segurança alimentar mundial a ratifica de forma veemente.

No entanto, o agronegócio tem detratores baseados em vieses ideológicos e proselitistas, que também afetam outros setores econômicos, prejudicando o desenvolvimento sustentado do Brasil, alegando um pretenso discurso progressista. Mesmo assim, graças à Embrapa e a institutos de pesquisa acadêmicos especializados, a agricultura brasileira se tornou uma referência internacional de produtividade.

Obviamente, isso incomoda outros países, sobretudo os mais desenvolvidos, que vivem inventando restrições e exigências às nossas exportações, camuflando o protecionismo que praticam, lá, e lançando mão de outros meios de defesa de seus interesses, aqui.

Vi, recentemente, uma manifestação da ex-ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Kátia Abreu, na qual ela discorreu sobre a questão dos fertilizantes, elemento basilar da agricultura. Lembrei que uma publicidade de empresa produtora de fertilizante, que terminava com a afirmava: “Com […], adubando, dá!”.

Não entrarei no mérito político-ideológico, que é uma seara que não tem trazido resultados muito positivos, pelo contrário. Busquei, sim, verificar alguns dos dados que ela mencionou, sendo que não encontrei divergência notável. Mas merece destaque que, no evento, não parecia haver quem discordasse de sua fala, pelo contrário.

Vamos a alguns deles:

Ela comentou que há três macronutrientes indispensáveis ao processo produtivo, os quais impressionantes cerca de 85% são importados, com destaque para o potássio (94%), oriundo de Canadá, Bielorrússia, Rússia e Israel. A Ucrânia, que também exporta esse tipo de produto, não foi mencionada.

Curioso: ser uma potência na produção agrícola, mas depender da importação de fertilizantes.

Guardadas as devidas proporções, seria como ter um avião supersônico de quinta geração, mas depender de fornecimento de combustível importado para abastecê-lo.

Kátia argumentou, com razão, que esses quatro últimos países relacionados não primam pela estabilidade política interna e externa, o que traz insegurança às importações, além de impactar negativamente no preço dessa “commodity”.

A surpresa, ao menos minha, ficou por conta da menção aos 35% importados do Canadá, extraídos em área de uma reserva indígena, mediante o pagamento de “royalties” aos seus habitantes, algo que é possível lá, mas não é permitido aqui.

Segundo ela, graças a isso, os índios canadenses são ricos. É, em tese, uma solução mais apropriada do que a adotada em algumas reservas dos EUA, onde  indígenas podem explorar cassinos.

Aldo Rebelo vem defendendo há muito tempo a necessidade de utilizar as riquezas da Amazônia como meio de sustento dos indígenas locais, mas setores “engajados”  talvez aleguem que ele não tem “lugar de fala” nesse contexto. Mas esse não seria um argumento aplicável à deputada Silvia Waiãpi, que tem discurso semelhante ao de Rebelo.

Ambos criticam a condição de vida atual de parte da população indígena do País, caracterizada por indigência, doenças e outros problemas.

Os meios de comunicação social trazem notícias recorrentes, que evidenciam que não se trata de uma narrativa populista, mas de um fato grave e crônico.

Após fazer essa analogia, Kátia passou a ponderar sobre questões energéticas, obviamente para dar suporte à sua tese. Ela afirmou que, para transportar o potássio do Canadá ao Porto de Paranaguá ou Santos, e depois, por via terrestre, até o Mato Grosso do Sul, o percurso é de 11 mil km, o que gera uma quantidade significativa de emissões de poluentes na atmosfera.

Uma reflexão: será que material de compostagem, fezes de animais ou outros meios considerados orgânicos teriam a mesma produtividade?

O filme “Perdido em Marte” (EUA, 2015) apresentou outra alternativa, mas creio que não seria bem aceita pelo público em geral, salvo em última instância.

Após construir o cenário adequado, Kátia mencionou uma mina de potássio existente na cidade de Autazes, no Amazonas, a 8 km de uma reserva indígena, cuja licença de exploração estaria suspensa há mais de 9 anos pela Justiça,  por conta de ação do Ministério Público Federal. A ex-ministra mencionou não ter conhecimento de nenhuma ação do MP que tentasse impedir a importação de potássio extraído da reserva indígena do Canadá, ou questionasse a poluição ambiental decorrente dessa logística.

A jazida de Autazes teria potencial para a extração de aproximadamente 170 milhões de toneladas de cloreto de potássio, podendo ser economicamente viável por 200 anos. É considerada uma megajazida!

Não é novidade a estratégia utilizada pelo poder corporativo para alcançar seus objetivos, sobretudo em áreas menos povoadas. O interesse mundial pelas reservas minerais e biológicas da Amazônia é igualmente notório, o que torna alguns discursos internacionais em defesa do meio ambiente alheio pura falácia: “ideias que não correspondem aos fatos”.

Consta que a empresa Potássio Brasil, subsidiária do grupo canadense (vejam só!) Brazil Potash Corp, já investiu cerca de USD 230 milhões nessa mina.

No território de Autazes, vive o povo indígena Mura, com uma população de cerca de 12,5 mil, espalhada por bairros. Seus líderes postulam reagrupar o povo numa área em que possam recuperar suas tradições e cultura.

Na Cabanagem, revolta ocorrida entre 1835 e 1840, os Mura, juntamente com pobres livres e negros, lutaram contra a situação de miséria da região hoje formado pelos estados do Pará e do Amazonas.

Isso mudou? Parece que não. Poderia mudar? Sempre! Mas como? Temos o exemplo do Canadá.

Mas também existem extremos opostos, que querem impedir a qualquer custo qualquer exploração vegetal ou mineral na região, mesmo que licenciamentos ambientais e fiscalizações rigorosas ocorram. Falta um pouco de sensibilidade para entender as consequências de forma holística, o que implica considerar aspectos socioeconômicos.

Em 2023, a Funai e o Ministério da Justiça passaram a estudar a criação de duas reservas indígenas na região de Autazes, em áreas que incluem a jazida de potássio e produção agropecuária, principal atividade econômica da cidade.

Seja o quadro demográfico atual:

A população brasileira é estimada em cerca de 203,1 milhões, sendo que, segundo o IBGE, aproximadamente 1,7 milhão se identificam como indígenas (0,8%). A mesma fonte informa que as terras indígenas correspondem a 991.498 km2 de extensão (11,6% do território nacional), “maior do que o território da França (543.965 km2) e da Inglaterra (130.423 km2) juntos”. Outra fonte afirma que esse percentual é ainda maior, da ordem de 13,9%.

Porém, nem todos os indígenas vivem em reservas e a maioria da população brasileira se concentra em cidades (56,95% em apenas 319 dos 5.570 municípios brasileiros). Mas, considerando uma distribuição homogênea, teríamos 26,78 hab./km2 fora de reservas indígenas, e 1,71 hab./km2 nelas, ou seja, 15,7 vezes mais.

De um lado ou de outro sobram interesses, direitos, falta de percepção sobre consequências e de empatia.

Chamem o Rei Salomão, por gentileza! Mas ele vai ter muito trabalho para conciliar “gregos e troianos” que, no final das contas, são brasileiros, apesar da crescente presença de estrangeiros na Amazônia, entre empresas e ONGs.

Ah, os números…

Alguns dirão que eles podem ser torturados segundo o interesse da tese defendida. Mas os dados sobre pobreza no Brasil são preocupantes. No caso dos povos indígenas, são alarmantes, pelas limitações de recursos e falta de opções de prosperidade nas regiões onde vivem. Não fosse a ação humanitária das Forças Armadas, seria ainda pior, lembrando que a presença delas também é fundamental para a manutenção da soberania nacional sobre o território.

Os licenciamentos ambientais incluem compensações financeiras que podem auxiliar na superação de alguns dos problemas que afetam os povos indígenas. Mais uma vez, “mirem-se no exemplo” do Canadá.

Além disso, considerando as iniciativas de ESG tão em voga, e o compromisso de atingimento de metas no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os empreendedores tendem cada vez mais a investir na melhoria das condições socioeconômicas e ambientais, com foco em populações em situação de risco, qualquer que seja sua etnia.

Temos vários ODS que se aplicam no caso (1, 2, 3, 8, 10 e 16, ao menos)!

O que não pode prevalecer é o assistencialismo baseado em discursos vitimistas que, mesmo quando bem-intencionados, tendem a impor uma condição que nem sempre é a ideal para enfrentar os reais problemas. Quando o populismo ou o extremismo ideológico entram em campo, então, a tendência é a manutenção da condição ao nível do interesse político, da dependência de “salvadores da pátria” e de líderes carismáticos.

Winston Churchill teria dito que: “Não há nada que o governo possa lhe dar, que não tenha tirado de você antes”.

E como diz aquela canção de Erasmo Carlos: “Proteção desprotege, e carinho demais faz arrepender”. Tampouco se pode confundir defender interesses com parir o destino, tirando a liberdade de opção e prosperidade. É preciso proporcionar condições para integrar, e não segregar. 

Kátia Abreu afirma que é possível explorar a jazida de potássio sem afetar significativamente a superfície. De fato, há técnicas que permitem extrair um material do subsolo e preencher o espaço com outro, mas também há histórico de acidentes quando esse processo não ocorre ou é mal-executado.

A exploração dessa jazida pode pagar “royalties” aos indígenas, que precisarão aprender como gerir e aplicar esses recursos em nome de melhores condições de vida para os que querem manter suas tradições, e também educação e oportunidades externas para os que preferirem outras opções.

Explorá-la de forma sustentada, o que vale para outras riquezas naturais, também tende a reduzir nossa dependência de importações de fertilizantes, o que favorecerá ainda mais a competitividade do agronegócio nacional.

Já disseram que, sob a imensa diversidade e exuberância da Floresta Amazônica, é possível encontrar toda a Tabela Periódica, em quantidades que podem ser o verdadeiro interesse dos que alardeiam querer preservá-la ou, até, internacionalizá-la.

É importante lembrar que a legislação brasileira já prevê “royalties” para a exploração mineral, assim como para o uso energético da água e extração de petróleo e gás.

Kátia Abreu, Aldo Rebelo e Silvia Waiãpi podem ter interesses e ideologias diferentes, mas não totalmente divergentes, pois ambos defendem que a solução dos problemas dos povos indígenas, sobretudo da Amazônia, depende da exploração racional das riquezas naturais da região. Isso também inclui a noção de cidadania, de pertencimento ao País.

Muitos preconceitos e extremismos precisarão ser superados, sem dúvida, e a função do Estado é de cuidar para que não ocorram abusos ou violências contra populações atualmente vulneráveis, nem radicalismos inconsequentes; e que a soberania e autodeterminação nacionais prevaleçam sobre interesses ideológicos, corporativos ou políticos internacionais.

Quem sabe, assim, o Brasil levante do berço esplêndido, lembre de Caminha e caminhe!

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