Modernidade líquida ou moral fluida? Você decide
“Os tempos são líquidos porque tudo muda tão rapidamente. Nada é feito para durar, para ser ‘sólido’”
Zygmunt Bauman, filósofo e sociólogo polonês
1984 não é apenas o título de um dos livros de George Orwell. É também o ano de lançamento de um dos comerciais mais inteligentes produzidos no Brasil. O título é “Bonita camisa, Fernandinho”. Quem tiver curiosidade de vê-lo, pode acessar o link https://youtu.be/lMVj-FZSY0U.
Sugiro, inclusive, que assista antes de ler o artigo. Não só você vai ajudar a entender o que quero dizer, mas vai se divertir também. Perceberá que Fernandinho e seu chefe não são os personagens principais. Os protagonistas de verdade são os demais participantes.
Para quem não assistir, uma breve descrição: é uma cena em três atos. Três inícios de uma reunião de trabalho. O cenário, uma sala sem nenhum detalhe, dezesseis homens ao redor de uma mesa, todos vestindo camisas brancas e gravatas escuras. Fernandinho, sentado na ponta da mesa, o mais longe possível do chefe, é o único usando uma camisa azul e gravata. O chefe entra – camisa branca e gravata – dá uma parada atrás dele, observa com ar sério. Senta-se em sua cadeira na ponta da mesa e, com ar de poucos amigos, dispara: “Que novidade é essa, Sr. Fernando?”. Ele responde: “É da nova coleção da marca tal”. O chefe devolve, com um sorriso leve: “Bonita!”.
Nova reunião, todos com a camisa azul, igual à anterior de Fernando, que agora usa, novamente, um novo modelo. Um detalhe: não está mais à ponta da mesa. Senta-se agora no meio, bem mais próximo do chefe. Nova entrada do chefe, ainda de branco. E faz uma nova observação detalhada e pergunta: “Modelo novo, Fernando?”. “Sim, senhor!”.
Terciro Ato. Fernando sentado na ponta da mesa, colado ao chefe, os dois com – exatamente – a mesma camisa e gravata. Diz o chefe: “Bonita camisa, Fernandinho!” Todos respondem em coro: “A sua também é linda!”.
Uma voz em off conclui: “O mundo trata melhor quem se veste bem.”.
Óbvio que não estamos falando de moda. Nós, que vivemos no mundo corporativo, sabemos que Fernandinho está usando a estratégia de inovador de mercado, enquanto seus colegas a de seguidores. Ambos sabedores dos riscos e vantagens de adotar uma postura ou a outra, oposta, frente ao mercado em que atuam.
Essa é a questão. Os dois lados conheciam bem o ambiente no qual estavam inseridos e os riscos de mudar. Havia estabilidade, previsibilidade e durabilidade das estruturas sociais e das relações humanas.
Hoje, no mundo do trabalho e na vida pessoal, estamos enfrentando os graves efeitos do que o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman chamou de “Modernidade Líquida”. O resumo da ideia é: “as relações e acontecimentos não são feitos para durar, são rápidos, estão em constante mudança e não conservam sua forma por muito tempo”. Difícil, não?
Sim, mas, ao mesmo tempo, uma realidade da qual não podemos fugir, que estamos enfrentando quando tratamos com nossos filhos ou de membros de nossas equipes de trabalho. Eu gostaria de dizer que esse fenômeno acontece apenas quando tratamos com as novas gerações, mas, sinceramente, não é o que vejo.
No contato diário com pessoas de todas as idades e formações, sinto que, na prática, as relações se fazem e desfazem com rapidez, não conhecemos de verdade o outro e cresce a procrastinação, afinal, porque fazer ou decidir-se por algo, se tudo pode mudar daqui a pouco. Quer mais? Individualismo e a queda acentuada da saúde emocional passam a imperar no dia a dia de muitos.
Sem parâmetros, fica muito difícil lidar com assuntos que até então conhecíamos bem, como contratar e dirigir pessoas. Avaliar produtividade, desempenho e remunerar, então, nem se fala.
Então, a ferramenta mais eficaz e eficiente que recomendo para tratar esse contexto é: monitorar. Como se os comportamentos fossem pacientes numa UTI. Os sinais vão mostrar o que fazer a cada minuto. Os efeitos de nossas ações vão definir se o “tratamento” está correto – e o paciente voltará a ter saúde – ou não. Como monitorar? Atenção e feedback todo o tempo, mais o desejo genuíno de se importar com o melhor para cada pessoa e o grupo como um todo.
Um ponto adicional. No limite dessa situação, temos um efeito ainda maior e mais prejudicial à sociedade, que é o que chamo de “Moral Líquida”. O rol das coisas que vêm e vão rapidamente traz consigo uma permissividade de conduta que nos torna reféns do desejo de desculpar tudo o que acontece à nossa volta. Ou, pior, nem percebermos que algo está mal conduzido. É uma premissa errada acharmos que orientação, resgate de valores e princípios são desnecessários, pois, afinal, tudo pode mudar. Ao contrário. Equipes de trabalho e a sociedade ficam enfraquecidas quando deixamos as mudanças – que reconheço serem inevitáveis e algumas, muito boas – correrem sem controle.
Perceba que, no texto todo, usei o verbo “estar” para definir o contexto. Nunca o verbo “ser”. Não somos obrigados a aceitar como boas, ideias e situações com as quais não concordamos, só porque “as coisas são assim mesmo”. Ao contrário, devemos ter as nossas e, respeitosamente, discordar quando acharmos necessário.
E você, está pronto para ser moderno?