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Adilson Luiz Gonçalves

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Bagres “ensaboada”

“Bagre ensaboado” é uma expressão muito utilizada para qualificar pessoas esquivas, numa analogia com o peixe referido, que já é arredio, e quando ensaboado, então, tende a escapar de forma ainda mais fácil e rápida das mãos de pescadores.

É certo que não consigo imaginar alguém ensaboando um bagre, até porque os ferrões do bichinho são um sério problema. Porém, a expressão é adequada em múltiplos aspectos. Daí o título deste texto, uma referência ao histórico recente da Ilha dos Bagres, extensão de terra existente do Canal do Estuário do Porto de Santos.

Por que “ensaboada”?

A Poligonal do Porto Organizado de Santos de agosto de 2002 não definia vértices. No geral, ela incluía, em sua porção terrestre, área lindeiras ou com conexão com a linha d’água, várias delas já configuradas desde os tempos da Companhia Docas de Santos – CDS. Isso incluía até o terreno da antiga pedreira da CDS, que se conectava ao porto por meio de linha férrea.

No caso da margem direita, ainda era possível identificar geometricamente o traçado. No entanto, a definição da margem esquerda foi ainda mais subjetiva, limitada ao paralelo 23⁰ 54′ 48″S.

O curioso dessa poligonal é que incluía parte da Ilha do Bagres que, além de cercada de água por todos os lados, é igualmente envolvida em estudos, propostas e indefinições quanto à sua destinação e, sendo área da União, tem sido objeto do desejo de vários interessados, públicos e privados. Afinal, está localizada no principal complexo portuário da América Latina.

A Ilha dos Bagres tem área de 124,02 ha (1,24 km2), sendo caracterizada pela atual lei municipal de uso e ocupação do solo como Zona Portuária e Retroportuária – ZPR. A revisão dessa legislação prevê seu enquadramento como Zona Portuária, Retroportuária e de Processamento de Exportação II – ZPRE II, o que só aumenta sua condição atrativa. Antes mesmo dessas definições, em 2008, a CODESP anunciou um projeto de expansão portuária denominado “Barnabé-Bagres”, com potencial para triplicar a capacidade operacional do Porto de Santos de então.

A Prefeitura de Santos chegou a minutar um projeto de lei complementar que criaria o Plano Macroviário da Área Continental, que considerava a implantação de acessos à Ilha dos Bagres. Infelizmente, a iniciativa não prosperou, mas se tivesse sido implementada, estaríamos mais tranquilos em relação à capacidade do Porto de Santos, e mais focados em resolver as questões como a melhoria da acessibilidade terrestre entre o planalto e a Baixada, e porto-indústria.

Aí, em 2010, foi apresentado um projeto privado específico para ela, prevendo investimentos da ordem de R$ 2 bilhões, tendo em seu escopo um estaleiro de reparos navais e um terminal multiuso, também prevendo atividades de apoio “offshore”. Apesar de ainda estar parcialmente situada na Poligonal do Porto Organizado de Santos, a Secretaria de Patrimônio da União – SPU autorizou o aforamento da área à empresa.

Porém, como estamos no Brasil, em 2012 o aforamento foi cancelado, como consequência das investigações da Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, que apurava a concessão fraudulenta de licenciamentos federais.

A partir daí, passou a ocorrer um “entre e sai” da Ilha dos Bagres na Poligonal do porto:

A Poligonal de junho de 2020 a retirou integralmente da área do Porto Organizado. Então, duas empresas privadas protagonizaram uma disputa por sua ocupação, sem que houvesse evolução, posto que estava em andamento o processo de desestatização da Autoridade Portuária de Santos.

Quando não é uma coisa, é outra…

A Poligonal de janeiro de 2022 a inseriu totalmente. Por fim, a de outubro do mesmo ano a retirou “in totum”.

Em 2022, a nova gestão do Governo Federal descartou a desestatização, e uma das empresas privadas que disputara a cessão da Ilha dos Bagres, reiterou junto à SPU proposta de ocupação da Ilha dos Bagres, prevendo oito berços de atracação, sendo três para contêineres (1,5 milhões de TEUs/ano), dois para granéis sólidos vegetais (16 milhões de toneladas/ano), um para importação de fertilizantes (2,5 milhões de toneladas ano), e dois para granéis líquidos (4 milhões de m3/ano). Ela obteve Certidão de Disponibilidade da área da SPU, em 2023. Em seguida, assinou Contrato de Adesão com a ANTAQ, ficando de tomar as providências necessárias à obtenção de cessão de uso oneroso com a SPU.

Quando tudo parecia encaminhado para a implantação de mais um Terminal de Uso Privado no Porto de Santos, aquela empresa de 2012 passou a questionar formalmente todo o processo, que, por ocasião da elaboração deste texto, permanece em análise.

A revisão da Poligonal do Porto Organizado de Santos, ora em curso, mantém a Ilha dos Bagres fora dos limites propostos.

Pois bem, desde o Projeto Barnabé-Bagres, posterior ao PDZ de 2006, a capacidade de operação de contêineres vem sendo abordada. Nesse meio tempo, a Libra Terminais deixo de operar, e entraram em operação o Terminal da BTP e o TUP da DP World, o que impactou as operações de contêineres do Terminal Ecoporto.

O PDZ de 2020, em fase de revisão, estimava para 2026 uma demanda de 5,2 milhões de TEUs. Essa marca foi atingida em 2012.

A previsão é de uma demanda de 7,9 milhões de TEUS para 2040, considerando um crescimento anual de 3%.

Ora, considerando que a movimentação ocorrida em 2022 antecipou 2026, a demanda passaria para 8,9 milhões de TEUs em 2040.

Qual seria a capacidade dinâmica atual do Porto de Santos?

Considerando os dados disponíveis nos sítios dos terminais que operam contêineres no Porto de Santos, teremos as seguintes capacidades dinâmicas até o fim de 2024: Santos Brasil, 2,6 milhões de TEUs/ano; BTP, 1,5 milhão de TEUs/ano; DP World, 1,7 milhão de TEUs/ano; e Ecoporto, 524 mil TEUs/ano, totalizando aproximadamente 6,3 milhões de TEUs/ano.

Projetando com base no efetivamente operado em 2022, 6,3 milhões atenderia até 2029. Porém, consta que a BTP já teria operado 2 milhões, em 2022. A Santos Brasil projeta ampliação de sua capacidade para 3 milhões até 2031, com potencial para chegar a 4 milhões, com adensamentos de área.

Para 2031, a estimativa seria de 7,2 milhões de TEUs/ano, o que atenderia a demanda até 2033, mas ainda longe da capacidade estimada pela APS para 2030, prevista para 8,7 milhões de TEUs/ano.

O STS10 previa capacidade mínima de 2,3 milhões de TEUs/ano, numa área de 601.101 m², que inclui a atualmente ocupado pelo Ecoporto, ou seja, há que se descontar 524 mil TEUs/ano.

Com sua inclusão, a capacidade aumentaria para 9 milhões de TEUs/ano, superior aos 8,7 milhões de estimados para 2040, considerando uma demanda projetada de 7,9 (ou 8,9), ou seja, no limite.

Então, vem a discussão atual sobre o renovação e remanejamento, com unificação de áreas, do Ecoporto, e a realocação do Terminal Marítimo de Passageiros para o Valongo.

Sejam os seguintes cenários projetados de capacidades:

  1. Com o STS10: 9 milhões de TEUs/ano (atenderia até 2040);
  2. Sem o STS10, com os remanejamentos de Ecoporto e Terminal Marítimos de Passageiros para Valongo/Saboó, com a área remanescente destinada a adensamento de operação de contêineres: (9 – 2,3 + 0,5 + 0,4) = 7,6 milhões de TEUs/ano (atenderia até 2035); e
  3. Sem o STS10, sem o Ecoporto e com o remanejamento do Terminal Marítimos de Passageiros para Valongo, com a área remanescente destinada a adensamento ou licitação de operação de contêineres: (9 – 2,3 + 1,2) = 7,9 milhões de TEUs/ano (atenderia até 2036).

Agora, seja incluir a Ilha dos Bagres nesse escopo, considerando os 3 cenários anteriores, e utilização exclusiva para contêineres, com ou sem o STS10:

  1. Com o STS10: (9 + 4,5) = 13,5 milhões de TEUs/ano;
  2. Sem o STS10, com os remanejamentos de Ecoporto e Terminal Marítimos de Passageiros para Valongo/Saboó, com a área remanescente destinada a adensamento de operação de contêineres: (7,6 + 4,5) = 12,1 milhões de TEUs/ano; e
  3. Sem o STS10, sem o Ecoporto e com o remanejamento do Terminal Marítimos de Passageiros para Valongo, com a área remanescente destinada a adensamento ou licitação de operação de contêineres: (7,9 + 4,5) = 12,4 milhões de TEUs/ano.

Em qualquer um desses três cenários, se fosse hoje Santos estaria entre os 20 (vinte) principais portos do mundo em movimentação de contêineres. Ainda que, em vez de 4,5 milhões de TEUs/ano, limitássemos a estimativa de operação na Ilha dos Bagres à previsão feita pela empresa privada responsável pela proposta mais recente (1,5 milhão de TEUs/ano), o cenário de 2040 seria atendido, já providenciando novas expansões.

Só que outros portos seguramente já estão planejando suas expansões de forma bastante objetiva, até preditiva, em países em que o desenvolvimento sustentado é uma questão estratégia, assim considerada por todos os setores envolvidos, com ideologias, disputas político-partidárias e vaidades menos determinantes do que aqui.

Escusado salientar que as projeções feitas nesse texto são assumidamente simplórias, passíveis de muito melhor elaboração.

Obviamente, nenhum desses cenários está definido, alguns deles sequer foram cogitados até o momento. Isso sem falar no potencial de implantação de atividades de porto-indústria na região, cuja produção local tende a incrementar ainda mais a operação de contêineres.

Nesse universo de possibilidades, uma coisa me parece suficientemente clara: sendo um terminal de contêineres arrendado ou um TUP, a Ilha dos Bagres é fundamental para a expansão do Porto de Santos, parte integrante de qualquer equação. Desta forma, é imprescindível que haja definição quanto ao destino dessa importante área, cuja vocação é inequívoca, estratégica, inserindo-a nas projeções do Plano Mestre e do PDZ do Porto de Santos, sob pena da Ilha dos Bagres continuar “ensaboada”, escorregando entre nossas mãos.

É sabido que terminais portuários de grande porte levam cerca de 5 (cinco) anos para entrarem em operação, ainda mais quando se trata de área “greenfield”. Infelizmente, problemas com licenciamentos e judicializações são constantes, atrasando ainda mais esse cronograma.

Tempo é uma coisa que tem sido muito mal administrada no Brasil, quando se fala em desenvolvimento sustentado. Quando dizem que estamos “a pleno vapor”, outros países estão na velocidade da luz.

Oremos para que, nesse caso, lavar as mãos seja apenas para tirar o sabão que faz escorregar, e então segurar firme as rédeas do futuro do Porto de Santos, que o da região, de São Paulo e do Brasil! 

 

Adilson Luiz Gonçalves é escritor, engenheiro, pesquisador universitário e membro da Academia Santista de Letras

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