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Luiz Dias Guimarães

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Peter, venha me salvar!

“Peter, o menino herói da Holanda, salvou seu país tapando com seu dedinho gordo um furo no dique que há tempos protege aquele povo de trágico destino. Situada abaixo do nível do Mar do Norte, a sabedoria daquela gente providenciou diques com comportas para resistir e driblar a fúria das águas. Sistema que, aprimorado ao longo dos séculos, permitiu que florescessem tantas tulipas”

Busco um menino de oito anos para salvar o meu mundo. Seu nome é Peter, também conhecido por Hans Brinker, não importa. Nem o fato de que esse menino nunca existiu, mas salvou a vida na Holanda, região dos Países Baixos. Se não salvou da inundação, ao menos salva da desesperança. Por isso busco esse menino para me salvar diante do prenúncio da inexorável morte de tudo que vivi. E rezo para meus descendentes terem a chance de viver.

Organismo da ONU já alertou, e agora também a Climate Central, organização não governamental, que nossas costas com paradisíacas praias estão com seus dias contados. Minha terra, a cidade de Santos, é a mais visada na América do Sul. Porto Alegre já mostrou que o vaticínio da tragédia não é ilusão.

Se os prognósticos estiverem certos, com o crescente aumento da temperatura, até 2050 o que mais temo acontecerá. A orla será invadida pela inclemência do mar. Não haverá mais praia, tampouco vida debaixo da minha janela, da qual não mais vislumbraria o majestoso jardim. No lagamar submergirão as palafitas, levando junto, aos poucos, muitas vidas sofridas.

Certamente não estarei vivo, mas minha filha e seus futuros rebentos sim! E familiares, amigos e muita gente desconhecida com direito a usufruir a experiência da vida. E com direito a sonhar. Fico imaginando tudo que se perderá. As peladas na praia, o mate à beira-mar, o olhar nas meninas em flor de fio dental…

Peter, o menino herói da Holanda, salvou seu país tapando com seu dedinho gordo um furo no dique que há tempos protege aquele povo de trágico destino. Situada abaixo do nível do Mar do Norte, a sabedoria daquela gente providenciou diques com comportas para resistir e driblar a fúria das águas. Sistema que, aprimorado ao longo dos séculos, permitiu que florescessem tantas tulipas.

Porto Alegre, já acometida pelo furor em outros tempos, também havia providenciado sua proteção. Mas por descaso ou infortúnio não resistiu ao rigor do mar. E deu no que deu. Em Santos, nossos governantes e especialistas estão atentos e buscam soluções que preservem meu jardim cheio de girassóis, nosso porto e os manguezais. Temos vinte e cinco anos para nos salvar. Parece muito, mas é uma fração de tempo neste planeta de bilhões de anos que por vezes já vivenciou civilizações hoje perdidas no fundo do mar ou soterradas por mato e terra.

Li que recentemente especialistas holandeses estiveram na capital gaúcha para aplicar sua expertise. Espero que venham a Santos também. E tragam Peter na comitiva. E o deixem aqui enquanto eu viver, só para alimentar minha vela de esperança que não morrerão minhas lembranças.

O perigo, eu sei, é muito maior que o abuso do mar no meu jardim. Preocupa-me o quanto está doente. Seus corais estão esbranquiçando e suas águas esverdeadas cada vez mais. Fora a mudança cromática, essas mudanças põem em risco o equilíbrio da vida, pois é lá que é absorvido o terrível carbono, é lá que brota o oxigênio que nos sustenta.

Mas no momento estou ensimesmado é com a praia e meu jardim. Sei que Peter nunca existiu. Foi criado por uma escritora norte-americana em 1865 em ficção cujo pequeno herói se chamava Hans Brinker. Mas foi tão bem-vindo nas terras da Holanda que, mudado seu nome, transformou-se em produto turístico e símbolo da resistência.

Não entendo do assunto que envolve geologia, climatologia, engenharia e outros ias. Mas confesso minha apreensão, e por isso, tal qual a gente holandesa, quero crer que um simples e pequeno menino de dedinhos gordos possa salvar ao menos a história que vivi por tantos anos diante do meu imenso jardim.

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