Que o fracasso na Copa América, dessa vez, não seja em vão!
Mais uma vez demos adeus à Copa América precocemente: nessa não chegamos nem à semifinal. O consolo é que não foi outro 7X1, vexame de 2014 que remoemos até hoje.
Em 18 dias iniciam-se as Olimpíadas de Paris: o futebol masculino brasileiro, entretanto, estará ausente. E pior: sua presença na Copa do Mundo de 2026 corre riscos pois, quase ao final do 1º turno das Eliminatórias, amargamos um 6º lugar, atrás, inclusive, de países sem grandes tradições: Equador e até Venezuela, país que nunca participou de uma copa.
Ao longo dos próximos dias, podemos esperar muita discussão em locais de trabalho, mesas de bar, redes sociais e nos programas esportivos. Como sempre, o futuro do treinador deverá estar em pauta. Mas também a dificuldade de saída de bola do Brasil, excesso de passes laterais e recuos de bola para o goleiro, imprecisão do “último passe”, atitudes injustificáveis de jogadores (algumas das quais quase infantis!), displicência na batida de pênaltis, etc. E, claro, a patética cena pouco antes da disputa decisiva: o técnico brasileiro quase que pedindo licença para entrar na roda de jogadores, querendo falar algo; cena que ganhou relevo ante o contraste com o conhecido treinador uruguaio (na mesma tomada do vídeo). Este, no centro de uma roda de jogadores atentos, indicava os batedores e dava suas últimas instruções!
Para além dos aspectos específicos do jogo desclassificatório, em si, há uma constatação (ironia? paradoxo?) que não pode passar despercebida se o objetivo é tirar-se lições e promover uma inflexão nesse inaceitável quadro: o plantel brasileiro contou com Rodrygo e Vini Jr (candidato a melhor jogador do mundo este ano!), dupla de atacantes que levou recentemente o Real Madrid ao título da Champions League de 2024. E, como se não bastasse, contou também com Endrick que, por recente transação milionária, se juntará à dupla e ao clube com maior número de títulos mundiais (8).
Esse trio, claro, é o crème de la crème. Ele é, apenas, o mais cintilante destaque de uma “indústria” bilionária que coloca o Brasil, aí sim, em primeiro lugar no podium de países exportadores de jovens promessas: segundo o “CIES Football Observatory”, referência para o “mercado da bola” com relatórios mensais sobre ele, mesmo com a Pandemia no período, mais de 1.200 jogadores brasileiros foram exportados entre 2020-24 (alguns precisando esperar o 18º aniversário para deixar o País, como Endrick). Negócios de €1 bilhão em 10 anos. Ou seja, talentos não faltam; e o mundo tem interesse neles.
Inevitável, pois, a pergunta: como explicar/justificar que no exterior jogadores brasileiros cheguem a ter grande destaque, ajudam seus clubes a conquistar os principais títulos do Planeta, mas na seleção não rendem o mesmo? Por que não temos conseguido estruturar equipes vencedoras mesmo com tantos talentos? E pior: em alguns momentos vemos jogadores habilidosos que mais parecem um bando perdido em campo; alguns até transmitindo a impressão de estarem indiferentes às derrotas, aos vexames da “canarinha”!
É visível, pois, que há uma distância entre jogador e equipe, entre o individual e o coletivo, entre a motivação, disciplina, comportamento, desempenho do mesmo atleta, quando atuando na seleção nacional ou no seu time estrangeiro. O que seria? Qual o busílis?
Esquema de treinamento? Ambiente? Conjuntura? Liderança? Modelo de Governança? Que papel têm os esquemas políticos, apostas online e redes sociais nisso?
O futebol não é caso isolado na evolução do nosso País. Essa dicotomia, infelizmente, pode ser também observada em outros setores da vida nacional: p.ex, o extrativismo do pau-brasil, borracha e ouro, e a agricultura da cana e do café permitiram acumularmos capitais e, dialeticamente, impulsionaram infraestruturas (portos, ferrovias, rodovias, energia, etc). Daí a perspectiva que foi se firmando do “país do futuro” abandonar o “berço esplêndido” passo a passo em direção à indústria de transformação, de semimanufaturados; de bens e serviços de consumo de massa, de alta tecnologia (ainda que em nichos específicos). Um pouco depois, minério de ferro, soja, etanol e o petróleo do pré-sal robusteceram tais esperanças.
Só que, após evoluções relevantes no Século XX, o modelo tradicional foi paulatinamente se reestabelecendo – agora, claro, em patamares bem superiores: aumento da participação de commodities na pauta exportadora (pois, ainda bem, sempre fomos competitivos na produção delas!), e de serviços e bens industrializados na pauta importadora (incluindo “bugigangas”).
Curioso é que muitos desses bens, na verdade, são commodities brasileiras voltando de uma viagem internacional, agora unitariamente mais valorizadas pelo valor a elas agregado em termos de processamento, design, marca e marketing específicos; atividades que certamente geraram emprego e renda, e/ou viabilizaram investimentos no exterior. O café é um típico exemplo: compare os valores dele em grão, torrado e em cápsula!
Metaforicamente, será que, sem percebermos, também nosso futebol, após títulos gloriosos, foi aos poucos caminhando em direção à “commoditização? Adolescentes talentosos surgem a cada ano (“extrativismo”). Já sabemos “plantá-los”, “semimanufaturá-los” e exportá-los. Alguns, aliás, após período de imersão em times estrangeiros, já chegaram a n°1 do mundo.
Entretanto, da mesma forma como temos encontrado dificuldades para nos inserirmos competitivamente no mercado mundial de produtos industrializados e serviços, também passamos a ter dificuldades de lograr seleções vencedoras e títulos.
Isso é uma evidência de que talento, tanto quanto matéria-prima, não é suficiente nesse mundo do Século XXI. Ou seja; novos padrões de educação, capacitação, tecnologia, disciplina, ética e, sobretudo, liderança, cultura da qualidade, planejamento e governança são necessários para mudanças de patamar; tanto no futebol (no esporte, em geral), como na economia e na organização social.