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segunda, 15 de julho de 2024
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José Geraldo Vantine

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Infralogística e a geografia da Amazônia e do Norte do Brasil

Embarquei em comboio de balsas (rota Belém-Manaus), sobrevoei o Rio Amazonas de Belém até Santarém, passando pelo Estreito de Óbidos em direção à Mineração Rio do Norte, no afluente Rio Trombetas. Isso para entender as operações fluviais, a fim de elaborar e implantar um projeto “Ro-Ro” para abastecimento no Porto Trombetas, no município de Oriximiná (PA)

Começo minha resenha criando um neologismo não técnico com o termo “Infralogística” para tratar da região mais complexa e plural do Brasil: o Norte, composto por estados tão díspares que vai do Acre ao Amapá, do Tocantins a Roraima, passando por Rondônia e emendando os dois maiores estados do País – Amazonas e Pará. Com cerca de 3,9 milhões de quilômetros quadrados e enorme diversidade de apenas 18,5 milhões de habitantes, na Região Norte temos a linha do Equador, que cruza a capital Macapá (além do Amazonas, Roraima e Pará), e por isso uma parte está no hemisfério norte e outra no hemisfério sul. 

Ao adicionar o estado do Mato Grosso e do Maranhão, temos a chamada “Amazônia Legal” (criada pelo Governo Federal em 1953, com foco no desenvolvimento regional), com de 5,2 milhões de quilômetros quadrados, equivalente a 60% do território nacional, com apenas 12% da população brasileira. Essa região concentra a maior diversidade do bioma global. A Amazônia Legal é dividida em duas partes: Amazônia Ocidental (Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima) e Amazônia Oriental (Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso).

Para finalizar a análise situacional do cenário geográfico/político da Região Norte e da Amazônia Legal, acrescento a Zona Franca de Manaus, instituída em 1967 com o objetivo de impulsionar a ocupação do território amazonense, com a criação da “área de livre comércio” e “incentivos fiscais”, que originou o Polo Industrial de Manaus (em 1968 os benefícios foram ampliados para os estados do Acre, Rondônia, Roraima, além do Amazonas, e incluindo as cidades do Macapá e Santana no Amapá). Portanto, ignorar essa realidade ou querer mudá-la é, no mínimo, ignorância de neófitos e acadêmicos. Afirmo isso com base na minha experiência em muitos estudos e projetos nos últimos 25 anos que conduzi para a Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus), o Governo do Estado do Amazonas e o Cieam (Centro da Indústria do Estado do Amazonas). 

Embarquei em comboio de balsas (rota Belém-Manaus), sobrevoei o Rio Amazonas de Belém até Santarém, passando pelo Estreito de Óbidos em direção à Mineração Rio do Norte, no afluente Rio Trombetas. Isso para entender as operações fluviais, a fim de elaborar e implantar um projeto “Ro-Ro” para abastecimento no Porto Trombetas, no município de Oriximiná (PA), onde vivem mais de 8 mil pessoas (em um projeto de extração do minério de alumínio, a bauxita).

Depois, fechei o foco no Polo Industrial de Manaus (PIM) e, no Cieam, criei o Logam – Comitê de Logística do Amazonas, com a participação de 30 a 40 empresas, porque delas deveriam nascer as demandas e soluções para uma realidade da natureza onde “estradas são rios”. Rios navegáveis que não são hidrovias. Assim, para quem depende, por exemplo, do Rio Amazonas e do Rio Madeira, há muito tempo já deveria ter solução para as operações regulares tanto nas cheias como nas vazantes. Não existe o fator surpresa.

Um dos estudos que fizemos por solicitação da Suframa foi o que denominamos “Corredor de Contêiner Santana -Manaus”, pelo qual (a exemplo de Manzanillo, transhipment port no Canal do Panamá, no lado Atlântico) os navios oriundos do hemisfério norte (Ásia, EUA e EUR) fariam o transbordo em terminais privados em Santana (AC) e, dali, seguindo em comboios de balsas até Manaus. E os navios cada vez maiores seguindo sua rota oceânica para o Nordeste, o Sudeste e o Sul. Engavetado! Aí percebi a discrepância entre prazo de governo e prazo de projeto.

Embora façam parte da mesma macrorregião, aprendi que cada estado é um ecossistema específico com solução de “Infralogística” adequada à cada realidade. No entanto, tendo o Polo Industrial de Manaus como eixo da produção industrial, desenvolvemos alguns dos seguintes estudos ou projetos contemplando a integração entre eles.

1.) Saída para o Caribe: Utilização da BR-174/432 de Manaus a Boa Vista e daí para Georgetown (Guiana), que se mostrou inviável, mas essa rota tinha uma variante de Boa Vista até Santa Elena (Venezuela), podendo seguir até Colômbia. Esse tramo foi muito utilizado pela Transportadora Michelon, transportando insumo para a Coca-Cola Company da fábrica de Manaus;

2.) Saída para o Pacífico: Desenvolvido em conjunto com a Secretaria do Planejamento do AM, o estudo foi baseado na integração do Rio Solimões, que após a fronteira com o Peru, chama-se Marañon, com um sistema hidroviário até Iquitos (Peru) e, daí, um rodoviário até o Porto de Paita (700 km de estrada a ser construída). Zero viabilidade econômica, com elevado investimento e muito baixa demanda para o fim a que se propunha, que era a ligação com a Ásia sem usar o Canal do Panamá, nem o sul da América do Sul ou o sul da África;

3.) Ligação Manaus – Porto Velho via rodoviária pela BR-319: Afora os clássicos problemas ambientais (que a engenharia moderna sabe como resolver), os estudos “origem-destino” como “Infralogística” não se justificaram, prevalecendo o Rio Madeira com balizamento e batimetria – atualmente em fase final de concessão, o que é muito bom. Assim, a BR-319 se faz necessária para a ligação terrestre Manaus-Porto Velho-Cuiabá pela tradicional rota da BR-364. Projeto pendente para decisão do Governo Federal;

4.) Ligação rodo-fluvial via Santarém: Estudos mostraram redução de 3 dias em comparação à via Belém para São Paulo. Não aprovamos o projeto pois a rota rodoviária a partir de Santarém usando a BR-163/BR-364 não apresentava condições de tráfego seguro. É uma boa solução para ligar o Polo Industrial de Manaus com o Sudeste, mas tem uma infralogística deficiente que não viabiliza – ressalto aqui que o escoamento de grãos até Miritituba tem ocorrido com alto volume e, com futuro incerto, poderá existir o Ferrogrão;

5.) EIZOF – Entreposto Internacional da Zona Franca de Manaus: Concebemos como conceito de central de trânsito com 3 diferentes operações: a) Entrepostagem de insumos importados; b) Armazenagem de matéria-prima e insumos para o PIM de origem do Brasil com suspensão do ICMS até “importação” e c) Armazenagem de produtos acabados da ZFM para consumo no Brasil e para exportação. Foi transformado em lei e instalado no porto público. A Suframa, responsável pela operação, vendo o potencial de crescimento, solicitou projeto para utilização da Siderama (antiga siderúrgica) numa região estratégica tangente ao Rio Amazonas, conhecida como Porto da Ceasa, onde a BR-319 para às margens do rio, em frente do “encontro das águas do Rio Negro com o Rio Solimões, para ser um mega entreposto similar ao existente em Miami. Com mudança de governo, o projeto foi engavetado;

6.) CLAD – Centro Logístico de Abastecimento e Distribuição: Um projeto que incluiu a instalação de um entreposto da Zona Franca (com produtos de todos os estados a ela pertencente) dentro do Porto Everglades, na Flórida; a criação de voo direto, três vezes por semana, Manaus/Fort Lauderdale/Manaus, e a criação da rota marítima Manaus/Porto Everglades, “píer to píer”, sem escala, incluindo uma integração ferroviária com os portos da Costa Leste (LA), com alternativa multimodal (aéreo-ferroviário-marítimo). O projeto foi completamente estruturado, incluindo a busca de companhias aéreas e armadores. Houve interesse grande da VarigLog e de um NVOCC de Miami. Novamente, mudança de governo e da superintendência da Suframa e, como esperado, infelizmente foi para a gaveta;

7.) Logística Integrada: Projeto exclusivamente dedicado às empresas, com apoio do Cieam e foco no modelo compartilhado de contratação de transporte “door to door”, contando ainda com gerenciamento de risco integrado e uma plataforma de gestão que chamei de “Sislog”. Fizemos ampla pesquisa “O/D”, inúmeras reuniões com as empresas, chegando até o ponto de lançar no mercado uma concorrência para contratação de operador logístico. Tal qual as mudanças de governo alteram os planos e ações, o mesmo ocorreu com esse projeto. Em decorrência de mudanças de alguns executivos (diretores locais) e má compreensão do sistema, houve esvaziamento e cada empresa continuou “tocando a vida” de forma independente. Importante destacar que, durante os estudos desse projeto, chegamos a repensar no sistema “rodo-aéreo” muito utilizado principalmente pelo Grupo GPT-Tecnocargo, com frota própria de aviões cargueiros com sua companhia Beta Cargo, e muitas vezes também utilizando aeronaves da Skymaster. Usamos duas rotas: Manaus-Cuiabá (aéreo) / Cuiabá-SP (rodo) e Manaus-Brasília (aéreo)/Brasília-SP (rodo). Esse modelo só funciona com fretamento de aeronaves ou mesmo com companhias dedicadas a cargas como a Modern Logistics. Mas aí é assunto de mercado.

Reflexão final: Minha geração viveu acreditando no slogan “Brasil, país do futuro”. O futuro chegou e os problemas de gestão oficial só cresceram, em especial na infraestrutura de transporte que foi transformada em Logística (daí o neologismo “Infralogística”). Por quê? Ora, cada estado tem seu governador, seus deputados federais, seus senadores, e cada município tem seu prefeito e seus vereadores. Então por que os projetos não evoluem? Por que não saem do papel? Mais do que intrigante para minha experiência na região (mais de 25 anos), a causa maior está no “longo prazo” de maturação dos projetos de “Infralogística”, que não resistem aos mandatos eletivos de presidentes e governadores. E na sucessão, tudo muda. São projetos de governo e não projetos de Estado, o que aliás acontece também em outras regiões do Brasil. Há atualmente um grande alento para mudar essa realidade, através do exaustivo e producente trabalho desenvolvido pelo Fórum Brasil Export e seus conselhos.

Importante registrar que, na estrutura privada, temos ótimos exemplos de soluções operacionais na região. No fluvial, Bertolini e a Linave no Rio Amazonas e a AMaggi no Rio Madeira, com o projeto de transbordo de grãos em Itacoatiara. Nas atividades portuárias, enquanto o porto público bem no centro de Manaus não é mais utilizado para cargas, temos os portos Superterminais e o Chibatão com ótimas soluções de operação fluvial flutuante.

Afinal, do auge do ciclo da borracha ao status atual, com foco apenas em “Infralogística” (afora os complexos problemas ambientais e indígenas), se eu tivesse poder, reduziria cinco ministérios atuais de pouca expressão e criaria o “Ministério da Amazônia Legal”, com foco na convergência de projetos e ações integradas para o desenvolvimento da “Infralogística”. Hidrovias, portos, rodovias, aeroportos regionais, bem como diretrizes de gestão e operação logística, resultando num “Plano Estratégico de Estado para Infralogística da Amazonia Legal”.

 

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