A mentira é uma opção?
“Ousa dizer a verdade: nunca vale a pena mentir.
Um erro que precise de uma mentira, acaba por precisar de duas.”
George Herbert (1593 – 1633), poeta e orador inglês.
Essa semana tive duas surpresas interessantes. A primeira: um usuário do Linkedin fez um “comentário sobre um comentário” que fiz num post dessa rede. Por que o espanto? Comentei há três anos!! Perceba o poder dessa (e de qualquer) rede social. O que se escreve ou fala, fica registrado para sempre.
A segunda, foi o teor do post original e dos comentários que se juntaram ao meu. Gostaria que você lesse o post. Uma pena eu não poder ver sua reação ao terminar a leitura do próximo parágrafo.
Era assim: “Coloquei no meu currículo que fui responsável por lidar com transações diretas com o cliente final em uma multinacional do top 10 de empresas mais valiosas do mundo. Fui atendente do mcdonalds” (sic).
Essa “peça literária” era seguida de mais de vinte comentários os quais, à exceção do meu, concordavam com a abordagem usando expressões como: “Perfeito!”, “Marketing pessoal criativo”, “Sensacional! Uma pessoa que realmente entende a sua importância no resultado da empresa.”. Outro foi além: “Só li verdades.”.
Fique muito à vontade para discordar de mim (www.linkedin.com/in/hudson-carvalho-diretor-rh/), mas chamar essa declaração de VERDADE é no mínimo irresponsável, como é irresponsável consigo próprio o autor do post. Imagine que esse cidadão – continuando nessa linha de construir mentiras com pedaços de verdade – fosse adiante no processo e, ao final, admitido. O que aconteceria com ele e sua carreira quando fosse chamado a fazer suas primeiras “transações diretas com o cliente final”? Um desastre, que poderia colocar em risco a reputação da empresa e os resultados da equipe, para deixar barato.
Digo mais, tremendamente desrespeitoso com o profissional de Recrutamento e Seleção que vier a ler esse currículo, talvez investir algum tempo fazendo contato, até descobrir que estava falando com um, farsante.
Aproveitando a oportunidade, sinto dizer que essa tática talvez viesse a enganar o algoritmo dos robôs que atualmente leem currículos, procurando apenas por palavras-chave que estejam também escritas no texto do perfil da vaga em questão. Robôs movidos por Inteligência Artificial não entendem o que “leem”. Não são capazes de avaliar o contexto. Apenas fazem contas: quanto mais palavras encontram, maior a probabilidade de localizarem o que seria o candidato adequado. Não há problema, pelo contrário, de procurar as palavras que definam adequadamente sua experiência, desde que sejam expressão do profissional que você realmente é.
Fico triste em constatar também, que essa técnica de “anabolizar” currículos é comum. Cerca de setenta por cento dos recrutadores (fonte: Revista Forbes), afirmam já ter eliminado candidatos por detectarem que eles deram maior valor ou dimensão a uma formação acadêmica ou experiência profissional, do que ela realmente teve.
Curioso para conhecer os itens mais presentes na lista dos inflados? Nível de proficiência em idioma estrangeiro (usar o verbo to be não torna ninguém um Shakespeare), participação em projetos com nível de responsabilidade maior que o verdadeiro (eu auxiliava, mas sinto que gerenciava), motivo de saída de empresas anteriores (na minha Carteira consta que fui demitido, mas fizemos um acordo) e inclusão de habilidades técnicas as quais não possui.
Meu amigo, como executivo e posteriormente consultor em Recursos Humanos, li milhares de currículos. Posso afirmar a você, com total certeza: não faça isso!
Por várias razões que irão comprometê-lo demais no futuro, mas para ficar no mínimo, mentir (ou “inflar”) dá trabalho.
Da mesma forma que age um mentiroso patológico que se vê obrigado a usar senhas cada vez mais complicadas para proteger seus celulares e computadores, quem infla seu currículo ou inventa fatos em entrevistas de emprego (sim, isso também acontece), necessita de “fatos criativos novos” sempre maiores que os anteriores, para dar continuidade à história. Isso torna o profissional refém da sua própria narrativa, drenando tempo e energia que ele poderia usar para tornar-se verdadeiramente um profissional e ser humano cada vez melhor. É péssimo uso do tempo e da capacidade. Não faça.
Uma curiosidade adicional para desestimular quem adota essa linha: o Artigo 482 da C.L.T., define as situações em que o empregado pode ser demitido por Justa causa. Entre elas estão a quebra de confiança e a improbidade. Mais: o Artigo 299 do Código Penal diz que incorre em crime de falsidade ideológica quem “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”. Pena de reclusão de um a três anos, se o documento for particular, como é um currículo.
Nesse momento, você pode estar pensando: “Nunca vi ninguém ser preso – ou sequer acusado – por uma coisa dessas”.
Eu também não! Mas preciso te dizer: pareceu que estávamos falando apenas de inflar currículos?
Não é verdade. Nos currículos, como na vida, competências podem ser desenvolvidas, caráter, não.
Hudson Carvalho é Consultor em Gestão de Pessoas e Estratégia Empresarial, Diretor Executivo da Elabore Online – Resultados Através das Pessoas e Diretor da WISDOM – Gestão Organizacional (Desenvolvemos Pessoas e Processos) – Baixada Santista e ABCD
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