As variações no clima da fronteira Amazônia-Cerrado poderão comprometer até 74% das terras agrícolas do país até 2060, segundo estudos publicados na Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES). Foto: Freepik
Mudanças climáticas
Clima pode comprometer 74% das terras agrícolas brasileiras, diz estudo
Documento aponta também soluções para o agronegócio; estudo foi feito por mais de 100 pesquisadores
As variações no clima da fronteira Amazônia-Cerrado poderão comprometer até 74% das terras agrícolas do país até 2060, segundo estudos publicados na Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES). O documento Sumário para Tomadores de Decisão do Relatório Temático sobre Agricultura, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos foi elaborado por centenas de pesquisadores brasileiros de mais de 40 instituições, entre eles, membros da Embrapa.
“Modelos projetados estimam, por exemplo, que na fronteira Amazônia-Cerrado as variações no clima regional vão comprometer a viabilidade de 74% das atuais terras agrícolas até 2060”, afirma uma das pesquisadoras, Rachel Brady Prado.
A publicação pretende compatibilizar os interesses das áreas da conservação ambiental e da produção rural no Brasil, mostrando como o agronegócio – agricultura, pecuária e silvicultura – se beneficia e depende da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. O documento foi lançado nesta terça-feira (16), no Rio de Janeiro.
“O modus operandi do setor tem se mostrado insustentável, aumentando a pressão sobre o capital natural e originando grandes impactos ambientais. Isso compromete a saúde humana e afeta inclusive os serviços ecossistêmicos dos quais a atividade depende”, explica um dos pesquisadores, Gerhard Overbeck.
Uma versão resumida do Relatório Temático, o Sumário foi elaborado por 35 pesquisadores que sintetizaram o conteúdo principal com linguagem simplificada e em formato didático. O documento visa influenciar gestores e lideranças das esferas pública e privada na tomada de decisões com foco na sustentabilidade e no equilíbrio da tríade agricultura, biodiversidade e serviços ecossistêmicos.
Benefícios gerados pela natureza que sustentam a vida no planeta, os serviços ecossistêmicos são essenciais para garantir a capacidade da produção agrícola. Água limpa, regulação do clima, manutenção da fertilidade e da estrutura do solo, polinização de culturas e controle biológico de pragas e doenças são alguns exemplos.
O Relatório Temático, coordenado por Rachel Bardy Prado, pesquisadora da Embrapa Solos (RJ), e Gerhard Overbeck, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é um diagnóstico minucioso que compila informações científicas e casos exitosos acerca das interações entre os usos do solo e a biodiversidade no Brasil, sob a ótica do bem-estar humano e levando em conta os saberes tradicionais. O estudo mobilizou ao longo de três anos 100 profissionais de inúmeras áreas, pertencentes a mais de 40 instituições distribuídas por todos os biomas brasileiros, sendo que aproximadamente um quarto dos autores são da Embrapa. Além da síntese de conhecimento sobre a temática, o texto traz propostas para um melhor manejo do capital natural no meio rural nacional.
Desafios de uma potência agroambiental
Topo do ranking das nações megadiversas e detentor de um vasto e rico território que abriga 20% das espécies do planeta, o Brasil também tem solo fértil, água abundante e clima favorável para a produção de alimentos. Considerado por muitos o “celeiro do mundo”, o país é um dos maiores produtores e exportadores de produtos agropecuários, como grãos, carnes, frutas e fibras.
Segmento crucial para a economia nacional, o agronegócio é responsável por cerca de 20% dos empregos formais e por mais de um quarto (27%) do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil – R$ 403,3 bilhões em 2020. Em grande parte, como aponta a publicação da BPBES, é caracterizado por monoculturas em larga escala, com sistemas de irrigação intensivos e uso excessivo de insumos, fertilizantes e agrotóxicos.
Rachel Prado reforça que a escassez de recursos naturais em algumas partes do país e os efeitos sobre o clima colocam em xeque a própria abundância da agricultura brasileira. A pesquisadora aponta que as principais cadeias de valor de alimentos estão susceptíveis às mudanças climáticas, e certas regiões poderão sofrer quedas de produtividade e alterações na aptidão para determinadas culturas.
Nesse sentido, de acordo com a pesquisadora, ferramentas de ordenamento territorial e de suporte ao planejamento regional como os sistemas de aptidão agrícola das terras e de aptidão para irrigação, zoneamentos e outros mapeamentos com base na informação dos solos terão que ser adaptados, incluindo a abordagem dos serviços ecossistêmicos, visando fomentar paisagens rurais multifuncionais.
Segundo os pesquisadores, o simples cumprimento da Lei de Proteção da Vegetação (norma federal, instituída em 2012) evitaria, entre 2020 e 2050, a perda de 32 Mha de vegetação nativa no país. Além disso, “o aumento na produtividade das pastagens brasileiras permite atender a demanda futura de áreas para a produção de carne, culturas agrícolas, produtos madeireiros e biocombustíveis, sem a necessidade de converter mais hectare algum de vegetação nativa e ainda liberando terra para restauração em larga escala, por exemplo, na Mata Atlântica”, diz o texto.