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Adilson Luiz Gonçalves

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Os Andradas: uma epopeia ainda a ser escrita

Bonifácio José Ribeiro de Andrada (1726-1789), nascido em Santos, era um personagem e tanto. O mesmo vale para sua mulher, também santista, que era bárbara até no nome, Maria Bárbara da Silva (1740-1821). Juntos, tiveram dez filhos, todos santistas! Não contente, Bonifácio completou o “time misto” com um décimo primeiro, fora do casamento, Adelindes Urcezina de Andrada (1765-1836). Ah! Os nomes de antanho…

Na época, ainda não existia o futebol, é certo, mas três de seus descendentes deixaram seus nomes eternamente marcados na história do Brasil, atuando em todas as posições do campo, da defesa, de um país em formação, ao ataque, em nome de sua soberania.

Sua família era uma das mais abastadas, distintas e protagonistas da então Vila de Santos, onde exerceu a função de escrivão da Junta da Real Fazenda, também recebendo outras importantes honrarias.

Seus filhos e filhas tiveram diferentes histórias, nem sempre felizes, como foram os casos de Bonifácio José de Andrada (1769-1840) que, apesar de longevo, teve graves problemas de saúde; e de Úrsula de Andrada (1776-1789), de vida efêmera. Mas, quatro deles tiveram destaque especial, a começar por Adelindes, que teve 15 rebentos, entre filhos e filhas, e ainda viveu 71 anos naqueles tempos em que Santos não era uma cidade adequadamente saneada. O demais tiveram fundamental papel na história do Brasil.

Foram eles: Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773–1845), juiz de fora, desembargador e político; Martim Francisco Ribeiro de Andrada (1775—1844), naturalista e político; e José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), naturalista, estadista, poeta e, simplesmente, um dos principais responsáveis, juntamente com Leopoldine Caroline Josepha von Habsburg-Lothringen ou, em bom português, Leopoldina (1797-1826), arquiduquesa da Áustria, então casada com o Príncipe Regente do Brasil, Dom Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim (1798-1834). Com um nome assim, não duvido que faltasse fôlego aos mestres de cerimônia e tinta, para assinar os éditos e documentos.

Os três irmãos estudaram na Universidade de Coimbra, uma das mais antigas e prestigiosas da Europa, e tiveram atuação de relevância exponencial desde os tempos do Vice-Reino do Brasil, passando pelo Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, culminando no Império do Brasil, que ajudaram a criar, cada um de seu modo.

Todos exerceram importantes funções, tanto na Metrópole, como no Império do Brasil.

Antônio Carlos destacou-se em funções da magistratura, e também como tradutor. Como membro das Cortes, em Portugal, defendeu a manutenção das conquistas políticas e econômicas obtidas pelo Brasil a partir de 1808, o que o fez rejeitar a Constituição portuguesa de então, e retornar a sua terra natal. No Brasil Império, teve importante participação na Assembleia Constituinte de 1823, também tendo liderado o Movimento da Maioridade de D. Pedro II. Além de sua atuação nas Cortes de Portugal, foi deputado e senador, no Império do Brasil, recebendo várias distinções em vida.

Martim Francisco foi filósofo, financista e naturalista, com destaque em mineralogia, tanto em Portugal como no Brasil. No âmbito da política, foi protagonista no movimento de independência do Brasil, principalmente na Província de São Paulo. Após a independência, foi titular do Ministério da Fazenda e um dos articuladores do Movimento da Maioridade de D. Pedro II. Também atuou na Assembleia Constituinte de 1823, chegando a exercer a presidência do Legislativo de então, onde foi eleito deputado em mais de uma legislatura.

Tanto Antônio Carlos como Martim Francisco tinham personalidades aguerridas e polêmicas, no que não diferiam de seu irmão mais velho, José Bonifácio. Atuaram tanto na defesa como no ataque em diferentes escalas e intensidades. Como políticos, também eram ótimos meio-campistas. Nesse sentido, poderiam tranquilamente atuar no “Time dos Sonhos” do Santos Futebol Clube, ao lado de Zito, Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. E como eles, também despertaram tanto admiração como ódio de seus antagonistas.

Mas foi José Bonifácio o ápice da prole de Bonifácio José, que não pôde presenciar os feitos de seus famosos filhos, mas deve ter ficado orgulhoso, em espírito, pelo tanto que fizeram em prol de Portugal e Brasil. Aliás, essa dualidade demonstra o quando é importante estar “dentro do sistema” para viabilizar mudanças, ao contrário de certos “revolucionários”, que com seu proselitismo querem mudar tudo, mas, ao se instalarem no poder, repetem os mesmos erros que criticavam, além de negarem, na prática, seus discursos. Foi Millôr Fernandes que disse, certa vez, que desconfiava de todo idealista que lucra com seu ideal. E são tantos…

Contrariamente aos idealistas de ocasião, carismáticos com segundas intenções, e outros mistificadores, José Bonifácio, ao que consta, viveu para seus ideais, e não deles.

Nos tempos de hoje, em que políticos agregam apelidos a seus nomes – para parecerem mais simpáticos aos eleitores que, normalmente, ludibriam ou só os procuram em tempos de eleição, para prometerem o que não têm a mínima intenção de cumprir -, talvez ele fosse conhecido como Zézinho, Zeca, JB ou Boni.

Formado em Filosofia Natural e Leis, foi sua atuação como naturalista, mais especificamente em mineralogia – assim como a de Martim Francisco -, seu primeiro destaque na Metrópole e no mundo científico de seu tempo, sobretudo em países com tradição em estudos científicos. Nessa área, complementou seus estudos em vários centros e excelência europeus, como Alemanha, França, Suécia e Noruega, entre outros, obtendo conhecimentos de próceres de seu tempo, como Lavoisier, Volta e Humbolt, entre outros, e reconhecimento e consagração como cientista de escol. Nessa área, identificou quatro minerais: petalita, espodumênio, criolita e escapolita. A petalita, posteriormente, levou à identificação do lítio, um dos principais elementos químicos do presente.

José Bonifácio era, acima de tudo, um homem prático, que via a ciência com foco em sua utilidade, tanto que seu lema era: “Nisi utile est quod facimus, stulta est gloria” (A menos que o que fazemos seja útil, a glória é tolice). Consta ter sido o primeiro autor a utilizar o termo tecnologia, na língua portuguesa.

Pena que a noção de praticidade esteja em falta no Brasil, onde predominam: problematização e teorização, com muita intencionalidade político-ideológica e pouca solução ou aplicação efetivas.

Bom de briga, em todos os sentidos, foi um dos comandantes, com patentes militares, do “Batalhão Acadêmico” que guarneceu Coimbra e, depois, os arredores de Lisboa, entre 1808 e 1814, durante as investidas napoleônicas na Península Ibérica, a partir de 1807. Lembrando, foi em 1808 que a família real portuguesa deixou a Metrópole em direção ao Brasil.

O fato de ter-se casado com uma irlandesa, Narcisa Emília (O’Leary) de Andrada e Silva (1770-1829), também deve ter contribuído para “incendiar” sua verve política e contestadora, mais fiel a ideais do que a pessoas.

José Bonifácio, que também integrou a Academia Real, chegando à condição de seu Secretário Perpétuo, só pode retornar ao Brasil em 1819. E foi aqui, em 1811, responsável pela implantação da primeira usina siderúrgica do Brasil. Não à toa, mais de um século depois, a usina da então Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), em Cubatão (SP), recebeu seu nome.

A importância de José Bonifácio para o Reino de Portugal era inequívoca, tanto que, enquanto a família real permaneceu no Brasil, ele ocupou funções prestigiosas. No entanto, a intenção das Cortes em retornar o Brasil à condição de mera colônia exacerbaram seu sentimento nacionalista. A partir daí, com Antônio Carlos e Martim Francisco, passou a agir pela independência do Brasil. E o fez de forma pública e privada, com a cumplicidade da então Princesa Leopoldina, mediante “embargos auriculares” ao Príncipe Regente, D. Pedro.

Sua carta a D. Pedro, em janeiro de 1822, contribuiu decisivamente para o “Dia do Fico”, que prenunciou o ato inexorável seguinte, a Proclamação da Independência, em 7 de setembro do mesmo ano. Também foram cartas de José Bonifácio e Leopoldina, comunicando as ameaças da Corte à permanência de D. Pedro no Brasil, que teriam sido a “gota d’água”, às margens do Ipiranga, para a emancipação nacional. E a cidade de Santos, berço dos irmãos Andradas, era de onde regressava o Príncipe Regente, mostrando, uma vez mais, a importância que a terra que tem por insígnia: “Patriam charitatem et libertatem docui” (À pátria ensinei a caridade e a liberdade) teve e ainda tem na história do Brasil.

Os irmãos Andradas atuaram juntos, em atos, discursos e textos, pela independência do país, encontrando numa austríaca de nascimento uma consciência de nacionalidade ímpar, vinda de quem conhecera e gozara de todas as benesses de uma Europa mundialmente predominante e dominadora. Junto com tantos outros, viram o nascer de uma nova nação como uma oportunidade única.

José Bonifácio foi Ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros, multilíngue que era, transitando do governo português ao recém-instituído Império do Brasil. Participou ativamente da Assembleia Constituinte, onde defendeu, desde 1823, a extinção da escravidão no Brasil, a incorporação dos índios à sociedade, a miscigenação como forma de superar preconceitos, a reforma agrária, a preservação e renovação de florestas, a integração nacional e o aproveitamento racional de recursos naturais.

Um político contemporâneo, sem mistificações ou populismo! Um homem de seu tempo e muito além dele!

É importante destacar que, num momento em que a América Espanhola se esfacelava em estados republicanos, muitos dos quais permanecem em conflito até hoje, José Bonifácio concluiu que a única forma de preservar os territórios definidos desde o início da colonização, inclusive com as Entradas e Bandeiras, seria a transformação do novo país em império, evitando movimentos separatistas.

Homem de lutas verbais e campais, também comandou a supressão de resistências à independência, ao longo do país.

Também foi dele a primeira proposta de interiorização da capital do país, que só foi efetivada quase um século e meio depois, com a transferência da capital do Rio de Janeiro para Brasília.

Seu compromisso com o Brasil era tão grande que, de defensor de primeira hora ao reinado de D. Pedro I, passou a seu opositor, ainda em 1823, o que resultou em seu banimento e exílio.

  1. Pedro I, sem os conselhos de seu mentor, viu sua popularidade declinar e o império em risco, o que o levou a abdicar do trono em favor de seu filho, D. Pedro de Alcântara, ainda criança, em 1831.

Retornado ao Brasil e reconciliado com D. Pedro I, este lhe pediu que assumisse a tutoria de D. Pedro de Alcântara, o que durou até 1833, quando foi destituído da função pela Regência, por questões políticas.

Cansado de guerra, se é que isso seria possível, José Bonifácio retirou-se da vida pública, passando a viver recluso em Niterói/RJ, onde faleceu em 1838, aos 75 anos, muito bem vividos.

Seus restos mortais foram trasladados para sua cidade natal, Santos, no mesmo ano e, desde 7 de setembro de 1923, repousam no Panteão dos Andradas, na Praça Barão do Rio Branco nº. 16, no Centro Histórico, junto dos de seus irmãos mais famosos: Antônio Carlos e Martim Francisco, e do nem tão conhecido Patrício Manuel Bueno de Andrada.

Consta que deixou poucos bens, ao contrário da maioria dos políticos. No entanto, legou uma biblioteca de mais de 6 mil volumes! Em verdade, José Bonifácio nos deixou uma enormidade de bens e, não á toa, recebeu o epíteto de “Patriarca da Independência”, embora saudado oficialmente como herói nacional apenas em 2007, e como Patrono da Independência do Brasil, apenas em 2018.

Costumo dizer que, em minha opinião, as três personalidades mais importantes da história de Santos são: Brás Cubas, que fundou a vila, em 1546; o engenheiro Saturnino de Brito, que a saneou, no início do século XX; e José Bonifácio, cuja importância extrapolou os limites da cidade e do país.

Muito mais do que Giuseppe Garibaldi, José Bonifácio foi herói de dois mundos!

Pelé e o Santos FC pararam guerra entre países, mas José Bonifácio ajudou a construir uma nação “tijolo por tijolo”, como distinto maçom que também foi.

Além disso, de todos os mencionados, ele foi o único nativo da terra. Como outro conterrâneo, Bartolomeu de Gusmão, também vou, todavia, muito mais alto!

Ele não foi mártir, nem contam lendas ou fantasiam sobre ele, somente fatos de uma vida profícua de múltiplas formas, registrada oficialmente, deixando marcas indeléveis por onde passou.

Não há camisetas com sua imagem, nem imagens fixadas em paredes de templos outrora religiosos, para que sua personalidade seja cultuada. Tampouco mobiliza legiões de fanáticos que o cultuam e seguem como se fora um deus.

Ao que consta, nunca se arvorou “pai da pátria” ou seu “salvador”, embora tenha sido um dos principais articuladores de sua formação. Foi apenas pai de suas filhas.

Assim, a vida dos irmãos Andradas, sobretudo a de José Bonifácio, em muito se assemelha a uma saga, uma epopeia, rocambolesca que foi, em muito semelhante à “Ilíada” e à

“Odisseia”, de Homero; à “Eneida”, de Virgílio; e, principalmente, a “Os Lusíadas”, de Camões, pois eles também tiveram que enfrentar seus “adamastores”. Facilmente poderia ser escrito “Os Andradas”, que não faltariam versos, ainda mais sabendo que José Bonifácio, além de cientista e estadista, também foi poeta.

Um homem da ciência que fazia poesia: simbiose perfeita entre a razão e o sentimento!

A Independência do Brasil deve muito a ele, que nunca cobrou seus contemporâneos e gerações posteriores por isso! Mas cabe a cada um de nós agir para que ela não seja apenas um registro histórico ou um simulacro, mas um fato consumado e aprimorado a cada dia!

Nota: O presente texto não é um artigo científico. Caracteriza-se mais como um ensaio literário, que aglutina informações históricas obtidas de várias fontes, e associadas a manifestações de cunho pessoal.

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