Municípios e Segurança pública
“A questão da segurança pública está hoje muito mais relacionada com o crime organizado, o tráfico de armas e de drogas e com os cartéis internacionais – que atemorizam a sociedade – do que com os crimes comuns. E as Prefeituras, além de estarem muito distantes desta temática, não dispõem dos meios institucionais, financeiros nem tecnológicos indispensáveis ao seu enfrentamento”
A questão da segurança pública, ou mais precisamente a sua falta, assume proporções cada vez mais alarmantes em nosso país, fazendo com que a população recorra a toda e qualquer autoridade para que a socorra. Vive-se, no entanto, o risco de um desvio institucional que precisa ser evitado.
A segurança pública é, por definição constitucional, responsabilidade dos estados, no que diz respeito ao policiamento ostensivo e à preservação da ordem pública. Aliás, quase a única competência que lhe é expressamente atribuída com exclusividade.
Na medida em que os Estados não deram conta do seu recado e perderam o controle da segurança pública, fracassando nesta missão, não é ao município que os cidadãos devem recorrer, mas à União. Somente o governo federal poderá evitar que o país caminhe para o caos.
A questão da segurança pública está hoje muito mais relacionada com o crime organizado, o tráfico de armas e de drogas e com os cartéis internacionais – que atemorizam a sociedade – do que com os crimes comuns. E as Prefeituras, além de estarem muito distantes desta temática, não dispõem dos meios institucionais, financeiros nem tecnológicos indispensáveis ao seu enfrentamento.
Nos termos da Constituição, às guardas municipais incumbe apenas a proteção dos bens, serviços e instalações municipais. A lei regulamentadora, de forma descabida, ampliou o escopo dessas atribuições. Hoje, o lobby das guardas municipais busca a aprovação de emenda constitucional que legitime efetivamente esse avanço indevido.
É o corporativismo em ação. Legitimada a ampliação da competência e o porte de armas, a próxima demanda será deixar de ser servidor civil para transformar-se em militar. O roteiro do filme é sempre o mesmo.
Para a população, contudo, não mudaria nada, porque os municípios não têm como combater o crime organizado. Esperemos que o Congresso Nacional não cometa este desatino.
É um engodo querer atribuir responsabilidade com a segurança pública às guardas municipais, inclusive armando-as. Estas são guardas civis, destinadas apenas à proteção do patrimônio público – edifícios, praças, parques etc. Isto é um equívoco sem tamanho.
Convém poupar os prefeitos deste tipo de demanda porque, justamente em ano de eleições municipais, os prefeitos e candidatos a prefeito, claro, para atender à pressão da opinião pública, tendem a assumir compromissos crescentes nessa área, seja por demagogia ou por ignorância. Aliás, convém lembrar, opinião pública não é sinônimo de interesse público. É preciso, sempre, conferir antes.
Felizmente ainda são poucos os municípios no país que têm guarda municipal. E sugiro aos demais que não as criem, porque são despropositadas e onerosas. Elevam o custeio e não dão resultados. Não porque não queiram, mas por absoluta disfuncionalidade.
É melhor que as prefeituras se preocupem com a Educação – onde nem mesmo o 10 no IDEB corresponde ao aprendizado necessário, como demonstram as notas do Brasil no PISA; com a infraestrutura e a urbanização das cidades – onde faltam em quantidade e qualidade; com a saúde pública – onde a atenção básica deixa a desejar; e, melhor incorporar – isto sim – preocupações com a economia, o meio de vida do município, para gerar oportunidades de trabalho e renda para a população.
Em relação à Segurança Pública, o que o Município pode e deve fazer é cuidar da qualidade do ambiente urbano. Triste é saber que o festejado “urbanismo social” de Medellín – cidade que já apresentou o mais elevado índice de mortes violentas do mundo – se inspirou no abandonado “favela-bairro” do Rio de Janeiro, cidade que também já contou com as Unidades de Polícia Pacificadora.
São dois exemplos que demonstram, entre nós, a falta de compromisso com as políticas públicas, com a continuidade administrativa, com a persistência nas boas iniciativas, enfim, com a sorte da população.
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.