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Adilson Luiz Gonçalves

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Para o bem de nossos ouvidos

Deve ter sido uma surpresa para os europeus quando Carlos Gomes apresentou suas obras na Itália, no século XIX. Creio que não foi diferente com Heitor Villa-Lobos na França, no século XX.

Música clássica não tinha “cara” de Brasil, e mesmo depois, quando estrelas brasileiras, como Madalena Tagliaferro, Nelson Freire, João Carlos Martins, Bidu Sayão, Haroldo Lara e Arthur Moreira Lima, entre outros, por lá brilharam. Por aqui, não tem sido muito diferente, com raras exceções.

Meu gosto pela música clássica começou na infância, sob várias influências familiares e externas, mesmo sendo de uma família numerosa, de poucas posses, porém, em absolutamente nada medíocre ou vitimista.

Eu gostava de assistir “Concertos para a juventude”, nas manhãs de domingo, em preto e branco. Foi paixão imediata!

Na escola pública, Dna. Édia, professora de música, organizou uma agenda que incluiu concertos da Osesp, regidos por Eleazar de Carvalho, e de Eudóxia de Barros, entre outros. Agora era ao vivo e em cores, em clubes e na areia da praia do Gonzaga!

“Contaminados” por essas experiências musicais, eu e meus colegas resolvemos aprender a tocar violão. Infelizmente, meus dedos não se entenderam bem com as cordas, o que não me impediu de ter “bom ouvido”, além de curtir boa música com os demais sentidos.

Como nós, muitos dos que ouviram música clássica na infância e adolescência se viram motivados a aprender a tocar instrumentos musicais, e a cantar com um mínimo de afinação e senso crítico. Isso não nos impediu de também curtir samba, rock e outros estilos musicais com o mesmo prazer, pois rádio e TV possuíam uma programação variada e de boa qualidade.

Havia músicos de alto nível em toda parte, de formação erudita ou popular, acadêmica e autodidata, alguns deles merecidamente tendo seus instrumentos como sobrenomes.  

Alguns dos ícones do jazz, rock e outros gêneros tiveram sólida formação erudita, o que só agregou valor às suas composições e desempenhos.

Aprendi a apreciar a excelência de um instrumentista, de um cantor, de um coral, e que, além do dom, muitos anos de estudo e prática fazem parte da busca pela perfeição técnica.

Ser um bom instrumentista ou cantor dá trabalho!

No entanto, para mim, o fundamental é gostar do que ouço. Às vezes, uma composição pode ser extremamente complexa, exigindo máxima destreza do artista. Porém, se não for prazerosa aos ouvidos, dificilmente será memorável.

Música clássica não é chata, como afirmou desdenhosamente um “funkeiro”, talvez crendo que suas composições sejam uma referência de boa qualidade. Tampouco deve ser tachada de elitista, com base na atitude arrogante de alguns “prima donnas” e “cultos”.

Na Milão dos séculos XVIII e XIX, populares se aglomeravam frente ao La Scala para ouvirem novas óperas. Se gostavam, saíam pelas ruas cantando e assobiando. Carmina Burana, de Carl Orff, foi composta a partir de manuscritos profanos medievais, alguns deles poemas cantados em tabernas. O clássico virou popular e o popular virou clássico!

Aliás, arrogância, elitismo e, até, fanatismo também no âmbito de artistas “populares”.

O curioso é que alguns censuraram a execução de obra de Richard Wagner num evento, alegando que ele era um ícone do nazismo, mas nada objetam sobre “músicas” que têm como tema violência, promiscuidade e drogas, que são tocadas até em festas infantis.

Infelizmente, a mídia, que tanto fala em diversidade, governos e iniciativa privada, parece ter deixado a música clássica de lado.

Assim, o ideal é dar mais opções a todas as idades, principalmente à juventude, sobretudo nas escolas, como as que tivemos.

Quem sabe novos grandes instrumentistas e vocalistas surjam nas novas gerações, para o bem de nossos ouvidos!

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