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Mario Povia

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Os portos que queremos

Resiliente, o setor portuário nacional insiste em reportar recordes sucessivos na movimentação de cargas, resultado provavelmente alcançado pela tomada de decisões acertadas no decorrer dos últimos anos, desde a edição da Lei nº 8.630, de 1993, que equacionou positivamente a relação entre capital e trabalho e ainda tratou de retirar o setor público das operações portuárias.

Mais adiante, a Lei nº 10.233, de 2001, brindou o setor com uma agência reguladora para chamar de sua, sendo que em 2007, ao reconhecer o real protagonismo dos portos, o aludido segmento foi guindado ao status de ministério.

Por fim, a Lei nº 12.815, de 2013, longe de ser uma unanimidade, tratou de resolver uma indesejada polêmica que rondava há anos o setor, ao definir expressamente a possibilidade de instalações portuárias privadas habilitarem-se a movimentar cargas próprias e de terceiros indistintamente.

Celeiro de boas oportunidades, o setor portuário nacional tem se mostrado atrativo apesar do sofrível ambiente de negócios em nosso país, patrocinado por decisões administrativas e judiciais sem o menor critério técnico, desprestigiando políticas públicas vigentes e legítimas e uma refinada regulação sempre precedida de agendas regulatórias, análises de impacto regulatório e controle social. Segurança jurídica e estabilidade regulatória ainda nos faltam, como também não andaram a contento as parcerias público-privadas federais ensaiadas anos atrás.

Se nosso olhar no retrovisor aponta para relações pouco republicanas entre parceiros públicos e privados em passados recentes e remotos, o fato é que nossa visão no para-brisas não nos deixa escolha alguma em alternativa.

Os baixos investimentos em infraestrutura que historicamente nos condenam a correr atrás de projetos quando verificamos a demanda gritar em nossos ouvidos, sem a menor possibilidade de recorrermos a planejamento de médio e longo prazos, bem representam a ausência de recursos orçamentários públicos suficientes para fazer frente às nossas necessidades, não nos deixando outra opção senão a de buscarmos o capital privado para atender essa demanda.  

Paralisamos inexplicavelmente um necessário programa de concessões da gestão portuária, enquanto fortalecemos este mesmo mecanismo em aeroportos, ferrovias, rodovias e, muito provavelmente, nas hidrovias atualmente em estudo.

De toda forma, ainda que parcialmente, devemos retomar alguma agenda próxima àquela anteriormente desenhada, ao iniciarmos estudos para passar à iniciativa privada a gestão dos canais de acesso de alguns portos que demandam por contratação de dragagens de forma mais perene, mas que nos deixa pendente e presente a missão de então resolvermos o problema de governança que assola a administração dos portos.

Faz-se necessário um novo desenho que permita a gestão eficiente de nossos portos organizados, evitando-se a cumulação de controles intrínsecos às empresas públicas com aqueles que se prestam à administração direta e autárquica, passando também por se respeitar os períodos de mandatos dos dirigentes.

A alta rotatividade dos gestores portuários tem provocado a perda de foco e objetivos. Os planos de negócio e o planejamento estratégico dos portos não têm conseguido manter as metas de curto, médio e longo prazos dessas estruturas essenciais para o país, deixando-nos muito distantes de uma política de Estado para a infraestrutura portuária nacional.    

Tenho defendido a celebração de uma espécie de contrato de gestão para os portos organizados, baseado “nos portos que temos” e “nos portos que queremos”, cuidando de elencar, individualmente porto a porto, as necessidades de cada um deles em um plano de ação ao longo do tempo, vinculando inclusive parcela considerável da remuneração dos gestores ao atingimento das metas previstas. E nada mais justo do que colocar o Conselho de Autoridade Portuária (CAP) e a agência reguladora setorial (Antaq) para fiscalizar com lupa o fiel cumprimento do quanto for estabelecido.

Com isso, quaisquer que sejam os gestores de plantão, estarão diretamente vinculados a uma política pública de Estado materializada no conteúdo dos contratos de gestão.

Viria, portanto, em boa hora um freio de arrumação que possibilitasse às autoridades portuárias rezar em outra cartilha, mas acompanhado da retomada na sua plenitude das competências que lhe foram subtraídas quando da edição do último marco legal setorial, qual seja, a Lei nº 12.815, de 2013.

Será preciso a adoção de tais medidas para o enfrentamento com êxito de um cenário desafiador que se descortina para o setor portuário nacional nos próximos anos.

O choque de oferta ocorrido a partir da legislação de 2013 começa a dar sinais de esgotamento, a indicar que o acréscimo de capacidade oferecido nos últimos anos tem se mostrado insuficiente para fazer frente às demandas que já se encontram em pleno curso. 

As capacidades dos pátios dos terminais, o nível de ocupação dos berços de atracação e o período de espera das embarcações nas áreas de fundeio estão a ratificar tal constatação. 

Não bastasse isso, inexiste suficiência nas instalações portuárias atualmente em construção que sinalize que estamos nos preparando adequadamente para os desafios que se avizinham.

Verifica-se, ademais, o agravamento acerca da qualidade em termos de mobilidade urbana em razão do aumento da movimentação de cargas nos principais portos brasileiros, em que pese os esforços com agendamentos, automação de gates e viabilização de pátios de triagem nas adjacências dos complexos logísticos.

Há que se reconhecer, portanto, que o cenário de curto prazo para a infraestrutura portuária demanda por ações urgentes e pontuais, na medida em que gargalos existentes no passado voltam a rondar o setor.

Nos próximos anos o Brasil deverá experimentar níveis de produção de óleo e gás equivalente aos países que integram a Opep, o que irá demandar infraestrutura portuária para apoio de atividades offshore, operações de transbordo, pátios adicionais de tancagem, além de uma série de atividades envolvendo o aproveitamento de gás oriundo dos campos de exploração de hidrocarbonetos.

Encontram-se em pleno curso investimentos relevantes nas principais ferrovias que cortam o país de norte a sul e de leste a oeste, sendo certo que todas as cargas movimentadas naquele modal irão se destinar a algum porto da costa brasileira.

A iminente entrada do Brasil para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) fará com que o país efetivamente aumente suas trocas com o mercado internacional, sobretudo em produtos com maior valor agregado, o que demandará ainda mais os portos brasileiros.

A atual política pública para o setor de cabotagem, também conhecida como “BR do Mar”, tende a incrementar a movimentação de cargas pelo modal aquaviário, o que demandará as estruturas duplamente, já que os portos de origem e destino das mercadorias encontram-se em território nacional.

A geração de eletricidade envolvendo uma matriz mais limpa como é o caso do hidrogênio verde a partir de energia fotovoltaica, eólica ou térmica a gás, demandará infraestrutura portuária em larga escala, competindo com instalações portuárias em sentido estrito por espaços em áreas secas e molhadas.

A retomada do processo de industrialização do país, que passa inclusive por incentivos à indústria de construção e reparação naval e conteúdo local nos projetos de exploração de óleo e gás, tende a aumentar os níveis de ocupação dos estaleiros brasileiros, alguns deles atualmente atuando na movimentação de cargas.

E mais, espera-se que o Brasil passe a reportar um maior crescimento econômico, eis que o Produto Interno Bruto (PIB) tem andado de lado ao longo dos últimos anos, o que promoverá um expressivo incremento de cargas nos portos brasileiros, lembrando que a cada 1% de crescimento do PIB, o setor aquaviário movimenta em média 2,5% a mais de mercadorias.

Caso o indigitado cenário venha a se materializar não há dúvida de que teremos gargalos significativos no setor portuário nacional, mesmo que tomemos medidas imediatas no sentido de promover as ações necessárias, sendo que o primeiro passo seria reconhecer a preocupante situação que atualmente nos encontramos.

A ocupação de áreas e instalações portuárias, paralelamente, deve ser revista para além das licitações dos arrendamentos em curso, estabelecendo-se um modelo mais célere que permita, a partir do Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ) do porto, a disponibilização de áreas ociosas aos interessados, contemplando uma metodologia de precificação da outorga mais expedita. 

No mesmo sentido, novos investimentos no âmbito dos contratos de arrendamento vigentes devem ser apreciados em curto espaço de tempo, privilegiando-se os fins pretendidos (provisão de infraestrutura portuária) e não os meios (Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental – EVTEA). Cabe destacar que os investimentos em arrendamentos existentes tendem a surtir resultados mais rápidos em termos da efetiva disponibilização de capacidades adicionais. 

Há muito o que se fazer no que tange ao estímulo à produtividade mediante a absorção de novas tecnologias e inovação, diminuição da burocracia, ajustes de procedimentos com órgãos anuentes, desenvolvimento de um programa de dragagem e de políticas de acesso terrestre, provisão de infraestrutura para recepção de navios verdes e um plano que contemple cada cluster portuário com as políticas de reindustrialização e geração de valor agregado aos nossos produtos e serviços, como por exemplo a criação de Zonas de Apoio Logístico (ZAL) e de Zonas de Processamento de Exportação (ZPE).

Seria de bom tom a retomada de antigas ferramentas de planejamento orientadoras das ações das Autoridades Portuárias e de investimentos setoriais, tais como o Plano Geral de Outorgas (PGO) nos termos desenvolvidos pela Antaq há uma década e do Programa de Arrendamentos Portuários (PAP).

O Brasil será constantemente desafiado em termos de infraestrutura de transportes dadas as suas condições geográficas e as características dos produtos e serviços que produz e consome, portanto, é necessário que estejamos sempre atentos na busca pelo aumento de provisão de infraestrutura e na melhoria de nossos índices de produtividade, não permitindo que a burocracia estatal se contraponha aos fins almejados. Para isso precisamos retomar imediatamente a capacidade de planejamento do setor público, buscando os licenciamentos ambientais a partir de uma visão de cluster e trazer os parceiros privados para este importante trabalho conjunto.

O Ministério de Portos e Aeroportos (Mpor) está empreendendo um importante programa denominado Navegue Simples com o condão de contribuir de forma significativa na diminuição da burocracia e no oferecimento de respostas mais rápidas àqueles interessados em investir na logística nacional. 

O Programa de Parceria de Investimentos (PPI), por sua vez, poderia se articular no sentido de oferecer suporte aos empreendimentos qualificados pelo seu Conselho (CPPI), notadamente no enfrentamento das barreiras que impedem a realização célere de investimentos, dentre as quais se destacam as questões envolvendo funding, licenciamentos ambientais e regularizações fundiárias. 

Em grande medida está nas mãos da comissão intitulada Ceportos, criada no âmbito da Câmara dos Deputados para revisitar a legislação portuária nacional, a sensibilidade de propor alterações legais capazes de responder a contento as reais necessidades e desafios que estão batendo à nossa porta. 

Este grupo de juristas de elevado quilate já deu mostras concretas de que pode nos surpreender positivamente e propor mais um salto de qualidade no incrível e resiliente setor portuário nacional. 

Se tudo isto de alguma forma se articular, teremos um verdadeiro pacto social em prol da logística brasileira e eu quero crer que se trate de algo tangível.

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