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A revisão do marco legal portuário brasileiro

Por Caio Morel
Diretor Executivo da Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres (Abratec)

 

Nesta edição do Fórum Brasil Export, evento obrigatório a todo o setor portuário brasileiro, estaremos discutindo os “Desafios de um novo marco legal para o setor portuário”, tema de extrema relevância e às vésperas da apresentação das propostas elaboradas pela Comissão de Juristas formada por ato do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, em 22 de dezembro de 2023.

O setor portuário, através de posição unânime de suas entidades associativas, reunidas através da Coalizão Empresarial Portuária, pautou temas relevantes ao aprimoramento do atual marco legal, com vistas a elevar a segurança jurídica e a eficiência da estrutura da gestão administrativa exercida pelo poder público no setor, contribuindo para a melhora do ambiente de negócios e fomento dos investimentos.

Entre estas pautas, destacamos a descentralização do processo decisório do poder concedente, a eliminação do conflito de competência das agências reguladoras e a eliminação das restrições à contratação de trabalhadores portuários, temas advindos das mudanças trazidas pela Lei 12.815/2013 e a Lei 10.233/2001, a primeira complementando e a segunda sucedendo o marco estabelecido pela Lei 8.630/1993. 

Se a lei de 1993 revolucionou o setor portuário nacional, trazendo a iniciativa privada para a gestão dos terminais então administrados pelo poder público, possibilitando o notório desenvolvimento deste pujante setor que suporta 95% do nosso comércio externo, a Lei 12.815/2013 promoveu a centralização do processo decisório em relação à outorga de novos terminais, a prorrogação antecipada e a gestão dos contratos administrativos. Existe consenso na área empresarial de que a centralização das decisões não está produzindo os resultados que o setor necessita e o retorno ao modelo descentralizado da gestão se faz necessário para acelerar investimentos que aumentem a capacidade do sistema portuário.

O modelo descentralizado da Lei 8.630/93 conferiu plena autonomia para as autoridades portuárias, estruturadas na forma das companhias docas controladas pela União, para exercerem todas as ações necessárias à privatização dos terminais portuários, sempre na forma de licitação, bem como a promoção do desenvolvimento e funcionamento dos portos, inclusive a contratação dos serviços de dragagem de aprofundamento e manutenção. 

Esta estrutura descentralizada foi capaz de realizar com sucesso a dragagem de aprofundamento dos dois maiores complexos portuários na operação de contêineres no país, os portos de Santos e Itajaí-Navegantes, responsáveis pela movimentação de 40% da quantidade de caixas movimentadas no País. De fato, o aprofundamento do canal de Santos de treze para quinze metros foi contratado e realizado entre os anos de 2010 e 2012, sendo que o canal de Itajaí foi aprofundado de onze metros para quatorze metros, no ano de 2011, com a duração dos trabalhos de seis meses, como se pode constatar pesquisando o farto noticiário da época.       

Logo após a Lei 12.815/2013, mais precisamente no ano de 2016, em vista do acelerado crescimento nas entregas de navios pós-panamax, os operadores dos terminais de contêineres alertaram quanto à necessidade de novo aprofundamento do canal de Santos para 17 metros, através do movimento chamado “Santos 17”, para garantir a competitividade do País no comércio global de carga em contêineres. Entretanto, o novo sistema centralizado foi incapaz de responder à demanda do mercado, e até esta data, decorridos já oito anos, não temos anunciado um plano concreto para o novo aprofundamento do canal do maior porto brasileiro. A situação do Porto de Itajaí é ainda mais difícil com a inclusão do projeto de concessão da dragagem do canal de acesso na modelagem do futuro arrendamento do seu terminal de contêineres. 

O retorno do modelo descentralizado estabelecido pela Lei 8.630/1993, com a responsabilidade efetiva do planejamento e da gestão portuária para as administrações locais, trabalhando em conjunto com os conselhos de Autoridade Portuária (CAP), que exercem a representação dos direitos difusos dos stakeholders do porto, conselhos estes também repaginados com maior grau de influência na gestão e acompanhamento das atividades do porto, deve produzir melhores resultados que o modelo ora em prática. Desnecessário dizer que a gestão descentralizada é adotada nos portos mais eficientes do trade global.

Com relação à segurança jurídica, a Lei 10.233/2001 que estabeleceu o marco das agências reguladoras do setor de transportes, não trouxe a necessária distinção nas atividades regulatórias do transporte terrestre e marítimo, que têm características muito diferentes. Enquanto o transporte terrestre, rodoviário ou ferroviário tem escopo intrinsecamente doméstico, o transporte marítimo tem matriz global, onde a regra é a interferência mínima da regulação econômica, por se entender que a característica altamente competitiva do setor portuário produz eficiência muito maior do que a produzida por parâmetros regulatórios, sendo certo que a regulação excessiva inibe investimentos em expansão, pela incerteza causada pela constante mudança de regras, muitas vezes desenhadas por agentes alheios à dinâmica do negócio.     

Quanto ao trabalho portuário, a Lei 12.815/2013 produziu enorme obstáculo à contratação de trabalhadores com vínculo empregatício, ao incluir a atividade de capatazia, definida como o trabalho realizado nos pátios dos terminais portuários, no regime de exclusividade de contratação junto ao contingente de trabalhadores que prestam serviço na forma de trabalho avulso. A Lei 8.630/1993 foi lúcida em limitar a exclusividade de contratação à vínculo empregatício para as categorias que prestam serviços a bordo e no costado das embarcações, atividades inerentes ao trabalho avulso, mantendo uma proteção desejável aos trabalhadores avulsos que desempenhavam estas funções na transição do modelo de gestão pública dos portos para a gestão privada. 

A revisão do marco legal portuário, trabalho delegado à comissão de juristas estabelecida pelo presidente da Câmara dos Deputados, traz oportunidade única para a correção de rumo necessária a produzir maior eficiência no setor portuário e alavancar investimentos para suportar o crescimento do nosso comércio externo. 

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