Assimetrias x Autonomia da Autoridade Portuária
Por James Winter
Sócio-fundador do Macedo & Winter Advogados Associados
Um fato que enseja assimetria entre arrendatários e terminais privados pode ser justificado pela ausência de autonomia da Autoridade Portuária e pela base constitucional do modelo de exploração, nascido na Constituição Federal, passando pelas leis federais (Lei nº 12.815/2013 / Lei nº 9.277/1996), Decreto (Dec. nº 8.033/2013) e posteriormente pelas normas infra legais da regulação setorial tratadas pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
A Lei nº 12.815/2013 dispõe sobre a exploração dos portos e instalações portuárias, a qual, nos §1º e §2º do art. 1º, divide em duas as formas de exploração indireta, sendo: i) no Porto Organizado e nas Instalações Portuárias nele localizados, mediante concessão e arrendamento de bem público; e/ou, ii) nas Instalações Portuárias localizadas fora da área do Porto Organizado, mediante autorização; sendo que é o art. 15 da Lei, que rege sobre a definição da área do Porto Organizado.
Logo, a exploração indireta dos portos brasileiros se dá através de concessão ou arrendamento (sempre através de licitação) e ou de delegação (Lei nº 9.277/1996), quando a exploração da atividade portuária for realizada dentro da poligonal do Porto Organizado, ou por meio de autorização (sem licitação), quando a exploração da atividade for realizada fora da poligonal do Porto Organizado.
Dessa forma, a Lei dos Portos define claramente cada tipo de modelo de exploração, sendo a concessão, delegação, arrendamento e autorização, todos constantes respectivamente nos incisos IX, X, XI e XII do art. 2º da Lei.
O arrendatário interessado em explorar uma área dentro do porto organizado terá que participar de um processo de licitação, com prazo inicial de trinta e cinco anos, com objeto vinculado ao edital, contratação de mão de obra pelo Ogmo e previsão de reequilíbrio contratual, reversibilidade de bens e sujeição à Autoridade Portuária.
Já o autorizado interessado na exploração de área fora do poligonal do porto organizado é dispensado da licitação, tem prazo de exploração por vinte e cinco anos prorrogáveis sem limite definido, livre liberdade de exploração do perfil de carga, sem obrigatoriedade de contratação de mão de obra do Ogmo e assume todo o risco do negócio com liberdade de contratação com terceiros, sob sua conta e risco, sem o critério da reversibilidade de bens ou direito a reequilíbrio contratual, com pouca sujeição à autoridade portuária.
A consequência natural de ter um regime de exploração que pode ser de caráter público e outro de caráter privado é objetivamente a existência de diferenças que decorrem de cada instituto, nascendo eventuais assimetrias, em especial referentes a agilidade de gestão e tomada de decisões estratégicas, bem como na demora dos procedimentos de licitações.
Um problema no Brasil é adotar um modelo landlord sem que a Autoridade Portuária realmente tenha autonomia para decidir e executar projetos de interesse do porto e da carga e isso já começa pelo complexo processo de arrendamento dessas áreas, iniciando pelo Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA), seguindo as premissas e as diretrizes do Plano Nacional de Logística Portuária (PNLP), o Plano Mestre e o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ).
Há de se ressaltar que a Portaria nº 574/2018, trouxe relevantes avanços para fins de descentralizar e dar mais autonomia às Autoridades Portuárias, mediante a criação de diversos indicadores, bem como dos requisitos de ser a administração do porto organizado exercida por entidade constituída na forma de empresa estatal, nos moldes da Lei nº 13.303/2016 e estarem os portos organizados com os respectivos Planos Mestres e Planos de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ) atualizados, alfandegados, com a certificação ISPS-Code válida e licença de operação também válida, tudo nos moldes do artigo 6º da referida norma.
Sobre os avanços trazidos pela Portaria, um bom exemplo a ser citado é a Portos do Paraná, que desde 2019 cumpriu a todas as exigências e passou a realizar as suas próprias licitações e fiscalização dos contratos de arrendamento, conquistando autonomia, sendo a primeira Autoridade Portuária do país a obter a delegação dessas competências, o que posteriormente foi também alcançado por Suape em 2022 e depois o Porto de Santos/SP (APS).
Em contrapartida, como exemplo negativo, temos o Porto de Itajaí/SC, que hoje explora sua principal área por meio de um Contrato de Arrendamento Provisório, dependendo de um Edital de Arrendamento Definitivo, sem até agora ter criado a empresa pública municipal para administrar o porto, o qual continua sendo administrado precariamente na forma de Autarquia Municipal, gerando incertezas na renovação do convênio de delegação da União ao Município, que vence em janeiro/2025, e pior, recentemente a Autoridade Portuária teve o contrato de dragagem suspenso por falta de pagamento, com uma dívida milionária, além de anteriores tentativas de licitações de áreas fracassadas, perda das linhas de longo curso e outros fatores que levaram o porto a literalmente “ficar a deriva”, sem que nenhum dos seus gestores fossem responsabilizados e prejudicando todo o complexo portuário e logístico da região.
Fora do Brasil, nos portos de Rotterdam e de Antuérpia, os gestores tem autonomia para analisar e escolher os parceiros comerciais, utilizando-se de instrumentos como opções de convite individual, processo de seleção de projetos, chamamento público ou até mesmo licitação, porém a Autoridade Portuária tem poder e discricionariedade para escolher o que for melhor para o porto. No Porto de Houston, só é exigida licitação para contratos com prazo superior a 50 anos, porém o procedimento lá demora apenas 4 meses quando já existentes as estruturas ou de 6 a 12 meses em áreas sem estrutura, com uma taxa aproximada de 90% das licitações concluídas entre 4 e 8 meses. Nos exemplos, verifica-se a plena autonomia dos gestores e todos têm contratos com metas de movimentações e mecanismos de garantias ou penalidades em caso de descumprimento, dispensando os estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental para cada caso.
Logo, não há dúvidas de que, no modelo landlord, a autonomia da Autoridade Portuária é vital para permitir a administração do porto e o seu desenvolvimento, com vistas a melhorar o condomínio portuário, a redução de custos, as melhores práticas de mercado (econômicas; financeiras; contábeis; ambientais), a busca pela eficiência, qualificação dos gestores, transparência na gestão e geração de empregos, sejam diretos ou indiretos, mas conforme exposto, a redução de tempo e burocracia para lançar os editais e realizar os procedimentos licitatórios são determinantes para garantir segurança aos interessados, inclusive com flexibilização de regras quando necessário ao melhor atendimento aos interesses públicos, fatores que diminuiriam eventuais assimetrias entre os modelos de exploração no Brasil.