Infraestrutura: o jogo jogado
Por Matheus Oliva
Diretor da Intermarítima Portos e Logística S.A. e articulista
A Bahia não está atrasada no jogo eliminatório da produtividade. Está fora dele. Entrar no jogo da produtividade é fundamental para entrar no campeonato da competitividade. Em última instância, estar no campeonato da competitividade leva a uma melhoria de vida significativa para a população do estado, sobretudo a mais pobre, a mais carente de lideranças em acordo com este conceito. A riqueza de sua geografia é reconhecida, abrangendo desde vastas minas de ouro até recursos minerais diversificados, a exemplo do urânio, recursos energéticos abundantes como petróleo, água corrente em rios caudalosos, vento e sol constantes, agricultura, pecuária, comércio, serviços, indústria, inovação, arte e turismo. Mesmo assim, a Bahia enfrenta altos índices de pobreza.
A falha em reconhecer que o estado está “fora do jogo” resulta em uma série de falhas estratégicas, de liderança e de aprendizado. Vale, para o caso da Bahia, citar Reneé Descartes com seu “Discurso sobre o Método”, onde o filósofo francês do século XVII utiliza a dúvida, o ceticismo e a fragmentação das partes para a busca da verdade. Fragmentar problemas, como num quebra-cabeça, facilita o entendimento de cada parte para o encaixe das peças de maneira mais rápida que acabará por contribuir para a visão do todo. É preciso separar cada problema em seu quadrado. Sem essa abordagem cartesiana elementar, a administração pública do estado continuará sendo engolida pela areia movediça dos problemas sem soluções.
No quebra-cabeça apelidado de “Enigma Baiano”, a gestão de infraestruturas é sofrível. A Bahia é exemplo do conceito de “desaprendizado organizacional”, formulado por William H. Starbuck, prolífico nonagenário, bacharelado em Física pela Universidade de Harvard e PhD em Administração Industrial pelo Instituto de Tecnologia Carnegie. Seu conceito, essencial para enfrentar desafios de gestão pública ou privada, evidencia que a falta de preparação adequada e as respostas ineficazes a crises levam a resultados sociais negativos e exacerbam problemas como desemprego e instabilidade social. A discussão sobre estratégias proativas de gestão de crises torna-se crucial para enfrentar essas mazelas sociais e criar um ambiente em que o estado tenha condições para voltar ao jogo da produtividade. Na Bahia, os sistemas legados na infraestrutura de transporte têm bloqueado o progresso e sufocado a produção. Desaprender o que se desaprendeu e retornar aos trilhos do aprendizado das regras de como o jogo é jogado é a via para a sociedade baiana prosperar em suas ambições nas suas diversas dimensões.
Os eixos ferroviários e rodoviários nacionais expõem a falta de lógica na utilização das infraestruturas existentes e das condições naturais geográficas. As duas mais extensas rodovias do país, BR 101 e BR 116, próximas ao litoral, são prova da curta visão de desenvolvimento de tão vasto território. Próximas entre si e à costa marítima, as custosas e ineficientes rodovias jogam um jogo de “perde-perde” com a cabotagem, impedindo o desenvolvimento do oeste do país. A Bahia, com seu extenso litoral, mimetizou o Brasil nesta mazela. Para piorar, criou-se uma ferrovia denominada Centro-Atlântica (FCA – Ferrovia Centro Atlântica) incorporada ao balanço da Cia. Vale do Rio Doce no processo de privatização da Rede Ferroviária Federal S/A nos anos 90. Esta ferrovia, no território baiano, diferentemente do mineiro, é praticamente nula como “centro-atlântica”, concorrendo com as BR 101 e 116 e ainda com a cabotagem no sentido longitudinal. A hipertrofia de alternativas de transporte sentido Norte – Sul é causa de atrofia latitudinal. Uma crise crônica de insuficiência logística. A logística é o pulmão da produtividade, de tão atrofiado e agonizante, na Bahia, o acesso ferroviário ao porto de contêineres em Salvador foi destruído e em consequência a produção pujante de algodão no oeste baiano é escoada para mercados internacionais via porto de Santos. A Bahia não tem pulmões para disputar o jogo da produtividade.
Em anúncio divulgado publicamente aos 28 dias de novembro do ano 2019, a Advocacia Geral da União (AGU) informou à imprensa um acordo da VLI, concessionária da FCA, com o Ministério Público Federal (MPF), em função de conduta lesiva aos entes públicos comprovada em pareceres da União, do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). O acordo foi de R$ 1,2 bilhão a serem pagos pela VLI aos entes públicos em 10 anos. De lá para cá nada foi divulgado sobre o pagamento e destinação de recursos.
A VLI é uma sociedade de participações tendo como maior acionista a Brookfield Asset Management, firma de capital canadense que iniciou sua jornada de empreendedorismo em São Paulo, há cerca de 130 anos, ao fundar a “São Paulo Tramway Company”. Em anúncio ao público em 27 de agosto do corrente, a VLI anuncia cerca de R$ 30 bilhões de investimentos em sua malha ferroviária, incluindo “2,5 quilômetros” no acesso ao Porto de Aratu. É complicado entender essa razão matemática como algo de benefício quando na mesma proposta, porém omitida em seu anúncio, a VLI pretende descontinuar mais de 2.200 quilômetros de sua malha ferroviária, grande parte na Bahia.
A Brookfield Asset Management se orgulha de ser uma das maiores companhias de gestão de ativos alternativos no mundo. O governo da Bahia se orgulha de melhorar a vida dos cidadãos. A VLI se orgulha de investir em 2,5km de acesso ao porto de Aratu. A Bahia inteira não se orgulha de estar fora do jogo da produtividade para disputar o campeonato da competitividade.