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Um novo olhar para a terceirização de serviços no setor ferroviário

Por Marçal Muniz da Silva Lima
Advogado e consultor jurídico com ênfase no setor ferroviário

 

As discussões sobre o tema terceirização de serviços tem tomado um outro rumo no Brasil desde a promulgação do marco legal estabelecido nas Leis ns. 13.429/2017 e 13.467/2017, passando também, sem sombra de dúvida, pelas decisões do STF, tanto na fixação do tema de repercussão geral 725 (Leading Case RE 958252) e ADPF 324, como nas ADIs 5685 e 5695.

Essas discussões estão pautadas em dois grandes núcleos, no primeiro tem havido uma discussão polarizada entre STF x TST, já que o foco tem recaído sobre a legalidade e constitucionalidade do que convencionou-se a chamar de “pejotização”.

Mas um segundo núcleo relevante de discussão para todos os setores da economia do nosso país e, portanto, muito importante para o setor ferroviário, diz respeito à efetiva gestão dos contratos de terceirização e o gerenciamento dos riscos trabalhistas, financeiros e reputacionais dessa relação. É sobre esse prisma que buscamos esclarecer alguns pontos relevantes que preocupam o setor ferroviário e que devem ser melhor entendidos a fim minimizar os riscos inerentes a prática da terceirização.

A lógica atual do capitalismo traz a circulação de bens como fator primordial, sendo a ferrovia uma rede técnica de circulação com grande capacidade de transporte, conectando grandes centros de produção e consumo com capacidade de impacto no comércio global. Para execução de suas atividades o setor tem grande investimento em processos de manutenção de sua malha ferroviária e material rodante, além de investimentos altos em tecnologia de suas composições e sistemas, como também necessidades de manter ambientes operacionais e alojamentos de seu pessoal em conformidade com a legislação (trabalhista, ambiental, etc). São essas as atividades que a terceirização de serviços tem grande relevância e implicação para o setor.

Nas atividades de manutenção (material rodante, via férrea, predial/operacional) e de tecnologia a especialização de serviços traz um enorme diferencial, possibilitando maior agilidade, inovação, melhoria contínua e, consequentemente, efetividade e qualificação dos serviços, já que essas atividades desenvolvidas pelos terceiros (ou parceiros) constituem a sua essencialidade ou o seu negócio principal (core business).

Ocorre, porém, que não se pode perder de vista a responsabilidade legal neste tipo de relação jurídica. As disposições legais que permitem a terceirização de serviços impõem a responsabilidade dos tomadores de serviços em garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato, além da responsabilidade subsidiária pelas obrigações trabalhistas.

Uma visão mais amplificada dessa responsabilidade legal impõe às empresas (também do setor ferroviário) uma responsabilidade social neste tipo de contratação, isto é, alinhado às práticas ESG (Ambiental, Social e Governança), de sustentabilidade, há necessidade de as empresas terem como foco a gestão social, incluindo a prática de direitos humanos em suas metas e ações.

Investir em práticas ESG estabelecendo uma agenda e metas próprias tem sido algo fundamental para as empresas atualmente, independentemente do porte.  O conceito ESG e sustentabilidade são usados para descreverem o quanto uma companhia busca maneiras de minimizar seus impactos no meio ambiente, e o quanto ela se preocupa com as pessoas em seu entorno e adota bons processos internos com foco no meio ambiente, governança, mas também no social.

Em 2015, todos os estados membros das Nações Unidas (ONU) adotaram a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável contendo 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), numa parceria global que tem múltiplos  objetivos,  como  acabar  com  a  pobreza,  melhorar  a saúde e a educação, reduzir desigualdade, apoiando o   crescimento económico,  preservando  oceanos  e  florestas  e  combatendo  as  alterações climáticas.

Em que pese a atuação dos Estados em prol dos ODS seja significativo, o setor privado desempenha um papel fundamental no alcance dos ODS através de ações de sustentabilidade corporativa. O cumprimento dos direitos humanos e das normas fundamentais da OIT faz parte da parte “S” (Social) do ESG.

Vale lembrar que os critérios de ESG também são relevantes na avaliação para concessão do crédito. Além dos indicadores econômico-financeiros, métricas complementares passaram a integrar a análise de concessão de recursos, possibilitando maior controle de riscos a longo prazo e uma visão mais globalizada.

Um exemplo bem prático foi a criação do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3) cujo objetivo é ser o indicador do desempenho médio das cotações dos ativos de empresas selecionadas pelo seu reconhecido comprometimento com a sustentabilidade empresarial.

Por essas razões, o impacto das contratações e a execução dos serviços especializados são de alta relevância ao negócio ferroviário, sendo, portanto, necessário um planejamento adequado nas contratações e uma gestão operacional e colaborativa desses contratos.

O papel das estruturas internas das corporações se faz relevante para o sucesso ou insucesso dessas terceirizações. As áreas internas como suprimentos, operacional, jurídico, RH, controladoria, facilities, e outras, devem atuar em sintonia para o trabalho em prol dos objetivos da empresa, não buscando apenas a redução de custos nas contratações, fazendo-se necessário a análise de outros requisitos, como a qualidade dos serviços realizados, aspectos reputacionais, governança das contratadas, analisar as políticas internas e a execução destas políticas das contratadas, principalmente quanto ao aspecto de direitos humanos, diversidade e inclusão.

Em resumo, há necessidade de um trabalho conjunto, colaborativo e com os mesmos objetivos entre as diversas áreas da companhia para o sucesso das terceirizações, fundado em uma gestão operacional, na gestão dos contratos, gestão de riscos e na fiscalização das práticas das contratadas. São esses pontos que trazem um novo olhar para o processo de terceirização e que podem fazer a diferença no sucesso da terceirização.

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